sexta-feira, 17 de maio de 2013

Princípio do Aproveitamento do Acto Administrativo - Degradação de Formalidades Essenciais em Não-Essenciais


A discussão em torno da possibilidade de degradação de formalidades essenciais em não-essenciais levanta problemas na ordem jurídica nacional. Diversos autores defendem a sua possibilidade, enquanto uma porção da doutrina encara tal como sendo algo totalmente impossível.
Assim sendo, atendendo à discussão em causa, iremos analisar os motivos em causa em torno do problema.

Contudo, antes de qualquer referência de maior relevo, há que atender à estrutura do acto administrativo, procedendo assim a uma pequena introdução sobre o objecto do tema em causa, a jeito de realização de conceitos introdutórios.
O Acto Administrativo compõe-se de quatro ordens de elementos:

a)      Elementos Subjectivos: elemento que se reparte entre o autor e o destinatário pondo, portanto, em destaque dois sujeitos de direitos – a Administração Pública e um particular, ou mesmo duas pessoas colectivas;
b)      Elementos Objectivos: conteúdo e objecto. O centeúdo diz respeito à conduta voluntária do acto; o objecto do acto consiste na realidade exterior que o acto incidir;
c)       Elementos Funcionais: este, por sua vez, subdivide-se em outros 3 elementos – a causa, os motivos e o fim
a.       A Causa – é a função jurídica social de cada tipo de acto administrativo;
b.      Os Motivos – são todas as razões de agir que impelem o órgão da Administração a praticar certo acto;
c.       Os Fins – finalidade a prosseguir através da prática do acto.

Há que considerar os elementos formais patentes, que são os de maior relevo em causa. De acordo com o artigo 122º do Código do Procedimento Administrativo, todo o acto administrativo tem uma determinada peculiaridade na sua exteriorização, ou mesmo na própria fase de preparação. Formalidades são, portanto, todos os trâmites que a lei manda observar com vista a garantir a correcta formação da decisão administrativa ou o respeito pelos direitos subjectivos e interesses legítimos dos particulares.
Estas formalidades podem-se classificar de acordo com 2 critérios base: essenciais e não essenciais. As essenciais, tal como o nome indica, são as que não passíveis de serem dispensadas, em prol da própria eficiência e validade do acto em causa; por sua vez, as não essenciais podem facilmente ser dispensadas, sem darem azo a motivos de maior relevância.
O princípio geral nesta matéria é de que todas as formalidades legalmente prescritas são essenciais, excepto: as que a própria lei declare como dispensáveis, as que revestem natureza puramente interna e aquelas que cuja preterição não obsta ao alcance dos objectivos visados.

Como principais formalidades prescritas no Código do Procedimento Administrativo e da Constituíção da República Portuguesa:
1 – Audiência dos Interessados prévia à tomada de decisões administrativas – art. 267º/5 CRP e art. 108º CPA;
2- Fundamentação dos actos administrativos – art. 268º/3/2ª parte CRP e 124º e 125º CPA;
3- Notificação dos actos – 268º/3/1ª parte CRP e 66º CPA

Vertente Positiva - a possibilidade de Degradação de Formalidades Essenciais em Não Essenciais

Aquando desta teoria, fala-se igualmente no conceito de “Princípio do Aproveitamento do Acto Administrativo”.
Ora, analisando melhor o preceito em causa, vemos que este não tem qualquer expressão normativa; contudo, podemos retirar pequenos afloramentos dos artigos 266º e 267º/1 da CRP. Estes remetem-nos para os seguintes pressupostos: o evitar da burocratização, o evitar do reinício do procedimento administrativo (sendo uma poupança de tempo e de custos para a Administração e para o particular) e para a presunção da prevalência do interesse público, que se pauta por estigma de racionalidade e de celeridade.
Assim sendo, deste preceito constitucional, podemos retirar a existência de princípios de Boa –Fé e de desburocratização, concretizados igualmente no Código de Procedimento Administrativo. 
No seu artigo  6ºA, o CPA, admite a boa-fé, sendo que a invalidade do acto pode ser encarada como uma inutilidade, dando-se um prejuízo do particular e da própria Administração (dado o reinício do procedimento, havendo um maior gasto de recursos); a desburocratização vem enfatizada no art. 10º do mesmo código, onde se estipula uma instrumentalidade de formas (sendo que o procedimento é encarado como um mero instrumento em relação ao direito material). Há aqui, novamente, o pressuposto da existência de um princípio de economia processual, que se baseia na dispensa de certos actos relativos ao decorrer do procedimento, que não irão pôr em causa o fim visado pelo acto.
Há ainda que ver que, numa perspectiva geral, a Economia Processual liga-se intrinsecamente ao princípio da prossecução do interesse público e dos interesses subjectivos dos particulares (artigos 4º CPA e 266º da CRP).
Mas tal preceito de Economia Processual não é meramente um exemplo de Escola, mas tem igualmente aplicação prática, nomeadamente no âmbito jurisprudencial. Tomando como exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (07/02/2002), relativo à economia de actos públicos, é-nos dado relevo à adequação, à necessidade e ao equilíbrio; tudo isto para fazer jus à economia de meios patente.
Há ainda que referir, em favor desta tese, que houve igualmente casos jurisprudenciais em que houve aproveitamento de actos nulos (o desvalor mais forte), tal como estipulado no acórdão do STA de 2007 (sobre um parecer emitido posteriormente ao acto impugnável; contudo preenchendo a finalidade da norma, foi aceite).
Há ainda que denotar que existem outros aproveitamentos relevantes, como o que se encontra no art. 21º CPA, no que diz respeito à inobservância de disposições sobre a convocação de uma reunião (onde se considera sanada a ilegalidade se todos os órgãos comparecerem à reunião e não obstarem à sua realização); ao art. 283º/4 do Código de Contratos Públicos, onde se estipula que a anulação de contratos é afastada quando o vício não implique uma modificação subjectiva do contrato.
Assim sendo, qual é então o problema em torno do princípio do aproveitamento do acto?
O resultado final foi atingido (fim), mas não foram prosseguidas todas as formalidades necessárias para tal (meios). O STA tem vindo a pronunciar-se sobre a Teoria dos Vícios Inoperantes, isto é, se o novo acto a emitir tiver o mesmo conteúdo que o acto impugnado, não fará sentido pronunciar a anulação de um acto viciado; citando o STA: “A anulação será tida como uma inutilidade e uma perda de tempo e recursos”.

Como opera o aproveitamento do acto?
Para haver aproveitamento do acto, temos de estar perante o desvalor da anulabilidade (art. 135º CPA); não fará sentido reduzir/ aproveitar um acto com um desvalor mais perigoso. Isto é, o acto continua a ser válido, mas meramente irregular.
Teremos igualmente de estar perante actos válidos e vinculados, ou seja, quando não há outra alternativa possível que possa ser operada através da discricionariedade.
Atendendo, em primeiro lugar, ao critério da anulabilidade. Por um lado, o entendimento da respectiva sanação (conforme defendida pelos professores Marcello Caetano e Freitas do Amaral), o acto sana-se pelo simples decurso do tempo e passa a equiparar-se a um acto válido desde a sua prática, passando a ser-lhe aplicável o regime jurídico previsto no artigo 140.º sobre a “revogação de actos válidos”.
Por outro lado, temos o entendimento de que o mero decurso do prazo não “valida” o acto anulável, ou seja, que simplesmente impossibilita a respectiva impugnação judicial (defendido, pe, pelos professores Vieira de Andrade e Vasco Pereira da Silva). No entanto, tal não obsta à apreciação da ilegalidade para efeitos de responsabilidade civil, e outros casos legalmente previstos (artigo 38.º do CPTA).

Sentença que aproveita um acto anulável
O acto impugnado é sanado através da aplicação do Princípio do Aproveitamento? E se sim, com efeitos ex tunc (desde início) ou com efeitos ex nunc (para o futuro)? Ou mantém-se inválido, quanto à sua génese, mas válido quanto à respectiva produção de efeitos? A sentença não sana o acto impugnado e não procede à expurgação da parte viciada: o acto permanece tal e qual aquando do momento da sua prática. Na esteira de Afonso Queiró, ainda que no contexto de aproveitamento de um acto discricionário pelo Tribunal, o acto que se mantém de pé é o acto impugnado e não um acto do tribunal.
Ou seja, a invalidade do acto subsiste, mas a sentença que dita o aproveitamento do acto, confere-lhe “imunidade” ao retirar efeitos invalidantes do vício nesse acto (é neste aspecto que estabelecemos a comparação com os efeitos do decurso do prazo legal para revogação no caso do acto anulável). Acresce que o aproveitamento do acto implica que tenha efeitos retroactivos, ou seja, irá operar desde o momento da sua prática, porque é nesse momento que é aferida a sua validade.
Face ao que antecede, conclui-se que a sentença reconhece o acto impugnado como válido e, consequentemente, a sua aptidão para produzir efeitos jurídicos válidos.

Da degradação de formalidades essenciais em não essenciais
Segundo a jurisprudência nacional, apenas quando se conclua que o acto inquinado do vício formal alberga a única solução juridicamente possível (redução a zero da discricionariedade), ou a solução tenha sido atingida por outra via, é que a formalidade essencial se degrada em formalidade não essencial, permitindo, assim o aproveitamento do acto.
Por exemplo, quando resulte comprovadamente que o interessado consultou o processo em causa e/ou intervém, quer por sua iniciativa, quer por solicitação oficiosa, o procedimento através da junção de elementos/documentos (caso de omissão da audiência prévia).
A possibilidade de degradar uma formalidade essencial em não essencial é posterior à qualificação do acto em causa: se é vinculado ou discricionário. Só depois de tal aferição, é que se poderá considerar a eventual degradação da formalidade preterida em não essencial.
Em termos teóricos, temos a opinião do professor Vieira de Andrade, que estipula que as formalidades são meramente instrumentais, sendo igualmente adepto de um princípio de Economia Processual. Aqui encontra-se a distinção, elencada pelo autor, entre a Tese Finalista e a Tese Substancialista. A primeira diz respeito, em termos muito sucintos, a que a anulação não deva ser tida em conta se se comprovar que no acto concreto os vícios não eram essenciais e que o fim já teria sido visado. A Tese Substancialista admite o carácter instrumental das formalidades em relação fim material e último da norma legal.


Vertente Negativa - a Negação da Possibilidade de Degradação de Formalidades

O acto inválido só será aproveitável quando a forma de invalidade seja a anulabilidade, como resulta do art.137º/1 do CPA – o que impede o aproveitamento de actos nulos ou inexistentes. Assim sendo, restringe-se o âmbito de aplicação do Principio do aproveitamento do acto administrativo apenas aos actos anuláveis (arts. 135º e 136º CPA).
Para determinar o aproveitamento do acto administrativo sub judice, a Jurisprudência Portuguesa tem exigido que este contenha a única solução jurídica possível, isto é, que seja seguro que o novo acto a emitir, isento de vício, não poderá deixar de ter o mesmo conteúdo decisório.
A tal deve acrescentar-se que a Jurisprudência tem adoptado um critério “funcionalista ou finalista”, tal como já designado anteriormente, segundo o qual o acto viciado só não deve ser anulado se se comprovar que, no caso concreto, os fins que o preceito violado visavam proteger foram igualmente alcançados.
No caso de invalidade por falta de fundamentação, se for desrespeitado um dever de fundamentar um acto, mas o destinatário puder conhecer a sua fundamentação de qualquer maneira, deve esse acto ser aproveitado. 
No entanto, o referido critério deve ser restringido, devido ao argumento que tem sido preponderante entre a jurisprudência: é determinante que o percurso intelectual e a respectiva ponderação do autor do acto para chegar ao resultado em causa estejam claramente expressos no acto administrativo em causa. Ou seja, não chega que o destinatário do acto tenha tido conhecimento da fundamentação por consulta do processo administrativo ou por qualquer outra intervenção do procedimento.
É de realçar que a fundamentação dos actos administrativos tem consagração constitucional (art.268º/4 CRP), devendo os tribunais ter especial cuidado no aproveitamento dos actos viciados por falta de fundamentação.
Sem prejuízo do que foi dito, o aproveitamento dos actos administrativos é feito casuisticamente procedendo-se a um confronto entre a Economia Processual, consagrada pelo Principio do Aproveitamento do Acto Administrativo, e o Principio da Legalidade. Neste confronto, deve atribuir-se maior peso ao segundo.
Não faria sentido sacrificar interesses dos particulares em nome da economia processual, quando essa não seja a única solução possível.
Como foi acima referido, os tribunais só devem aproveitar o acto viciado quando o conteúdo do acto seja o único possível no caso concreto, pois se assim não fosse estes estariam de facto a administrar. Neste sentido, é de referir que a Jurisprudência tem sempre respeitado este limite, nunca tendo decidido em sentido contrario.

Conclusões gerais
Podemos admitir que, actualmente, a doutrina diverge quanto à possibilidade de aceitação degradação de uma formalidade essencial em não essencial em nome do acto administrativo e do seu aproveitamento.
Como pontos essenciais da vertente positiva, temos fundamentalmente a Economia Processual, mantendo-se igualmente os resultados visados, havendo uma poupança de recursos e meios, tanto para a Administração, como para o particular visado.
Na vertente negativa, por sua vez, temos como pilares o princípio da legalidade e da prossecução do primitivo interesse do particular, que não poderá nunca ser posto em causa aquando uma divergência entre um meio processual e um direito subjectivo ou um interesse reflexo.
 

Ana Sofia Ribeiro
António Branco Cardoso
António Gonçalves
Akémia
José Alves 
Patrícia Silva
Tomás Silva 

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