A distinção entre Direito subjectivo
e Interesse legalmente protegido
A muito conhecida distinção entre
direito subjectivo e interesse legalmente protegido, encontra-se directamente
relacionada, aliás, como o próprio nome indica, com alguns dos mais importantes
princípios constitucionais sobre o poder administrativo, a saber:
1- Princípio
da prossecução do interesse público
2- Princípio
da legalidade
3-Princípio
do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos
A actividade da Administração
Pública, de acordo com o artigo 266/1 CRP, primeira parte, tem como objectivo
principal a prossecução do interesse público, ou seja, quer isto dizer, tem
como finalidade, o chamado bem comum, que por sua vez se traduz, na satisfação
das necessidades colectivas. É precisamente por esta razão, que esta mesma
actividade administrativa se baseia nas suas características formais de
iniciativa e parcialidade, no sentido em que, toma a iniciativa de actuar,
tendo sempre em vista o interesse colectivo, ao contrário do que acontece com a
actividade dos tribunais, estes marcados pelas características da passividade e
imparcialidade.
No entanto, todo este plano de
intervenção por parte da Administração Pública, e respeitando o artigo 266/1
CRP, segunda parte, não se pode realizar sem o respeito pelos direitos e
interesses legalmente protegidos dos cidadãos. Posto isto, ao longo de muito
tempo, pensou-se que a única maneira de assegurar este objectivo, seria o de
proclamar e garantir o princípio da legalidade, ou seja, o princípio segundo o
qual, a Administração não pode prosseguir o interesse público de qualquer
maneira, tendo de respeitar determinadas regras e princípios, tendo de obedecer
à lei. Apesar disso, ainda que o princípio da legalidade continue a ter a mesma
função, o certo é que se acabou por concluir, que o mesmo por si só não basta
para que se verifique o respeito integral dos direitos e interesses legalmente
protegidos dos cidadãos, pelo que, desde o século passado, têm sido
desenvolvidos determinados mecanismos jurídicos com esse mesmo fim.
É inserida neste panorama, que se
apresenta a contraposição entre direito subjectivo e interesse
legalmente protegido, sendo que, utilizando as palavras de João Caupers, o
cerne do problema assenta na seguinte questão:
Uma posição jurídica activa, cujo
objecto se reduz à reposição da legalidade ofendida, ainda que sem uma
projecção directa, como vantagem, na esfera jurídica do titular, é ainda
configurável como um direito subjectivo, de conteúdo muito limitado, ou é algo
diverso, algo mais débil, a que damos o nome de interesse legalmente protegido?
Na opinião do professor Diogo
Freitas do Amaral, seguindo uma concepção tradicional, tanto numa figura como
na outra existe um interesse privado reconhecido e protegido pela lei. Porém, a
diferença entre ambos existe, uma vez que, enquanto no direito subjectivo essa
protecção é plena e imediata, no interesse legítimo a mesma caracteriza-se por
ser mediata e mitigada. Esta realidade tem como consequência que, no direito
subjectivo, o particular tem como faculdade exigir à Administração os
comportamentos necessários para a satisfação integral do seu interesse privado,
bem como, o poder de obter a sua completa realização em caso de violação ou não
cumprimento, ao contrário do que acontece com o interesse legalmente protegido,
onde o particular apenas pode exigir à Administração que não o prejudique
ilegalmente. Em caso de ilegalidade, o particular não poderá realizar
plenamente o seu interesse em tribunal, mas apenas, eliminar os actos ou
comportamentos ilegais que o tenham prejudicado. No fundo, o que segundo esta
ideia se pretende demonstrar é que no direito subjectivo, o que existe é um
direito à satisfação de um interesse próprio, enquanto que, no interesse legalmente
protegido, apenas a garantia da legalidade das decisões que versem sobre um
interesse próprio.
No mesmo sentido, o professor
Marcelo Rebelo de Sousa defende esta distinção, apesar de reconhecer, que para
além do campo conceptual a sua utilidade não é muita, até porque, ambas as
expressões são quase sempre conjuntamente referidas nos textos normativos. A
seu ver, direito subjectivo, diz respeito a um interesse directa e
imediatamente protegido, mediante a concessão de um feixe de faculdades que
incluem a possibilidade de obter a tutela jurisdicional plena. Por outro lado,
entende que os interesses legalmente protegidos, onde abrange os interesses
indirecta e reflexamente protegidos, surgem quando a ordem jurídica considera
certos interesses merecedores de protecção, embora não com a prioridade e
intensidade de um direito subjectivo.
Por sua vez, em posição oposta, o
professor Vasco Pereira da Silva não se mostra a favor desta distinção,
afirmando que a constituição equipara os direitos subjectivos e os interesses
legalmente protegidos, tratando-os, ambos, como situações jurídico-materiais
dos indivíduos. São encaradas assim como entidades da mesma natureza, e que
devem ser reconduzidas à categoria unitária de direitos subjectivos, no que em
nada se contrariam as disposições constitucionais ou a legislação ordinária.
Não tem pois, tendo por base esta posição, qualquer tipo de fundamento a aqui
referida contraposição, sendo que a única diferença que pode existir, não
respeita, à existência do próprio direito, mas a uma eventual, maior ou menor
amplitude do seu conteúdo. Para o professor Vasco Pereira da Silva estamos
então na presença, no ordenamento jurídico português, de duas formas a designar
a posição jurídico-subjectiva dos privados perante a Administração Pública, às
quais corresponde sempre o mesmo regime jurídico.
Em suma, esta é uma distinção,
onde nunca se conseguiu reunir o consenso da doutrina, no entanto, e apesar das
diferentes posições relativamente ao alcance de cada uma das figuras referidas,
a verdade é que, mesmo aqueles que são a favor desta separação parecem ir ao
encontro de uma realidade: esta diferença não pode ir demasiado longe, uma vez
que, são apenas diferentes graus de tutela conferida pela ordem jurídica a
posições jurídicas subjectivas. Quer os titulares de direitos subjectivos, quer
os titulares de interesses legalmente protegidos, podem responsabilizar
civilmente a Administração pelos danos que provoque. Os primeiros têm direito à
reparação integral da sua situação jurídica, os segundos, apenas podem, em
princípio, obter uma compensação pelos danos negativos. A existir, esta é assim
uma distinção de índole essencialmente quantitativa e não qualitativa.
Gonçalo Furtado
Nº 21441
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