sábado, 4 de maio de 2013


A distinção entre Direito subjectivo e Interesse legalmente protegido

A muito conhecida distinção entre direito subjectivo e interesse legalmente protegido, encontra-se directamente relacionada, aliás, como o próprio nome indica, com alguns dos mais importantes princípios constitucionais sobre o poder administrativo, a saber:

1- Princípio da prossecução do interesse público
2- Princípio da legalidade
3-Princípio do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos

A actividade da Administração Pública, de acordo com o artigo 266/1 CRP, primeira parte, tem como objectivo principal a prossecução do interesse público, ou seja, quer isto dizer, tem como finalidade, o chamado bem comum, que por sua vez se traduz, na satisfação das necessidades colectivas. É precisamente por esta razão, que esta mesma actividade administrativa se baseia nas suas características formais de iniciativa e parcialidade, no sentido em que, toma a iniciativa de actuar, tendo sempre em vista o interesse colectivo, ao contrário do que acontece com a actividade dos tribunais, estes marcados pelas características da passividade e imparcialidade.

No entanto, todo este plano de intervenção por parte da Administração Pública, e respeitando o artigo 266/1 CRP, segunda parte, não se pode realizar sem o respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos. Posto isto, ao longo de muito tempo, pensou-se que a única maneira de assegurar este objectivo, seria o de proclamar e garantir o princípio da legalidade, ou seja, o princípio segundo o qual, a Administração não pode prosseguir o interesse público de qualquer maneira, tendo de respeitar determinadas regras e princípios, tendo de obedecer à lei. Apesar disso, ainda que o princípio da legalidade continue a ter a mesma função, o certo é que se acabou por concluir, que o mesmo por si só não basta para que se verifique o respeito integral dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, pelo que, desde o século passado, têm sido desenvolvidos determinados mecanismos jurídicos com esse mesmo fim.
É inserida neste panorama, que se apresenta a contraposição entre direito subjectivo e interesse legalmente protegido, sendo que, utilizando as palavras de João Caupers, o cerne do problema assenta na seguinte questão:
Uma posição jurídica activa, cujo objecto se reduz à reposição da legalidade ofendida, ainda que sem uma projecção directa, como vantagem, na esfera jurídica do titular, é ainda configurável como um direito subjectivo, de conteúdo muito limitado, ou é algo diverso, algo mais débil, a que damos o nome de interesse legalmente protegido?

Na opinião do professor Diogo Freitas do Amaral, seguindo uma concepção tradicional, tanto numa figura como na outra existe um interesse privado reconhecido e protegido pela lei. Porém, a diferença entre ambos existe, uma vez que, enquanto no direito subjectivo essa protecção é plena e imediata, no interesse legítimo a mesma caracteriza-se por ser mediata e mitigada. Esta realidade tem como consequência que, no direito subjectivo, o particular tem como faculdade exigir à Administração os comportamentos necessários para a satisfação integral do seu interesse privado, bem como, o poder de obter a sua completa realização em caso de violação ou não cumprimento, ao contrário do que acontece com o interesse legalmente protegido, onde o particular apenas pode exigir à Administração que não o prejudique ilegalmente. Em caso de ilegalidade, o particular não poderá realizar plenamente o seu interesse em tribunal, mas apenas, eliminar os actos ou comportamentos ilegais que o tenham prejudicado. No fundo, o que segundo esta ideia se pretende demonstrar é que no direito subjectivo, o que existe é um direito à satisfação de um interesse próprio, enquanto que, no interesse legalmente protegido, apenas a garantia da legalidade das decisões que versem sobre um interesse próprio.

No mesmo sentido, o professor Marcelo Rebelo de Sousa defende esta distinção, apesar de reconhecer, que para além do campo conceptual a sua utilidade não é muita, até porque, ambas as expressões são quase sempre conjuntamente referidas nos textos normativos. A seu ver, direito subjectivo, diz respeito a um interesse directa e imediatamente protegido, mediante a concessão de um feixe de faculdades que incluem a possibilidade de obter a tutela jurisdicional plena. Por outro lado, entende que os interesses legalmente protegidos, onde abrange os interesses indirecta e reflexamente protegidos, surgem quando a ordem jurídica considera certos interesses merecedores de protecção, embora não com a prioridade e intensidade de um direito subjectivo.

Por sua vez, em posição oposta, o professor Vasco Pereira da Silva não se mostra a favor desta distinção, afirmando que a constituição equipara os direitos subjectivos e os interesses legalmente protegidos, tratando-os, ambos, como situações jurídico-materiais dos indivíduos. São encaradas assim como entidades da mesma natureza, e que devem ser reconduzidas à categoria unitária de direitos subjectivos, no que em nada se contrariam as disposições constitucionais ou a legislação ordinária. Não tem pois, tendo por base esta posição, qualquer tipo de fundamento a aqui referida contraposição, sendo que a única diferença que pode existir, não respeita, à existência do próprio direito, mas a uma eventual, maior ou menor amplitude do seu conteúdo. Para o professor Vasco Pereira da Silva estamos então na presença, no ordenamento jurídico português, de duas formas a designar a posição jurídico-subjectiva dos privados perante a Administração Pública, às quais corresponde sempre o mesmo regime jurídico.

Em suma, esta é uma distinção, onde nunca se conseguiu reunir o consenso da doutrina, no entanto, e apesar das diferentes posições relativamente ao alcance de cada uma das figuras referidas, a verdade é que, mesmo aqueles que são a favor desta separação parecem ir ao encontro de uma realidade: esta diferença não pode ir demasiado longe, uma vez que, são apenas diferentes graus de tutela conferida pela ordem jurídica a posições jurídicas subjectivas. Quer os titulares de direitos subjectivos, quer os titulares de interesses legalmente protegidos, podem responsabilizar civilmente a Administração pelos danos que provoque. Os primeiros têm direito à reparação integral da sua situação jurídica, os segundos, apenas podem, em princípio, obter uma compensação pelos danos negativos. A existir, esta é assim uma distinção de índole essencialmente quantitativa e não qualitativa.


Gonçalo Furtado
Nº 21441    


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