sexta-feira, 10 de maio de 2013

O Exercício do Poder Administrativo: o Contrato Administrativo


Normalmente a Administração pratica actos administrativos, muitas vezes, porém, e a tendência actual vai no sentido do incremente deste modo de agir, a Administração Pública actua de forma diferente, desta feita em colaboração com os particulares, usando a via do contrato, que é uma via bilateral, para prosseguir os fins de interesse público que a lei põe a seu cargo. Isto significa que, nestes casos, a Administração Pública necessita de chegar a acordo com aqueles para constituir modificar ou extinguir relações jurídicas administrativas.

É o que se passa, por exemplo, quando a Administração precisa de executar obras públicas e por isso se socorre de empreiteiros de obras públicas, que são empresas privadas: aqui não faz sentido que a Administração vá impor unilateralmente a um empreiteiro que lhe faça uma determinada obra; ela tem de acordar com ele os termos e as condições em que a obra vai ser executada.

No entanto, o contrato administrativo não é sinónimo de qualquer contrato celebrado pela Administração Pública com outrem: só é contrato administrativo o contrato com um regime jurídico traçado pelo Direito Administrativo. O elemento essencial do regime jurídico destes contratos administrativos é a possibilidade de o conteúdo das suas prestações ser alterado, durante a execução do contrato, para satisfação das novas exigências do interesse público – no entanto, o princípio do equilíbrio financeiro do contrato deve ser sempre respeitado, de tal forma que o interesse público não seja satisfeito à custa dos legítimos interesses dos particulares, nem estes possam sobrepor-se à necessária garantia do primeiro.

Sendo ambos acordos de vontades, o contrato administrativo e o contrato de direito privado distinguem-se pela diferente natureza jurídica dos seus efeitos, ou, noutra perspectiva, pela especial intensidade que o factor interesse público desempenha no primeiro. Como diz o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, o que autonomiza os contratos administrativos é o facto de o interesse público prosseguido pela Administração não só encontrar-se presente como também prevalecer sobre os interesses privados em presença, o que explica o afastamento do regime de Direito privado.

Alguns autores alemães (Otto Mayer, Jellinek) entendiam que a figura do contrato era incompatível com o espírito e a essência do direito público: só no direito privado é que seria possível encontrar e construir a figura do contrato. Os seus argumentos são que o Estado é soberano e, portanto, não se pode vincular por contrato a um particular.

A isto responderam os partidários da admissibilidade da figura do contrato propriamente dito: nem toda a Administração Pública é Estado e o Estado, quando actua no âmbito do Direito Administrativo, não é o Estado-soberano, mas sim o Estado-administração; para além disso, o Estado, no contrato administrativo, não se demite da sua autoridade, a Administração não se despoja dos poderes de autoridade que tenha de conservar, o contrato administrativo não é um contrato baseado na estrita igualdade jurídica entre as partes.

1.    Espécies

Existem, no artigo 178º/2 do CPA, oito espécies de contratos administrativos:

a.    Empreitada de obras públicas
b.    Concessão de obras públicas
c.    Concessão de serviços públicos
d.    Concessão de exploração do domínio público
e.    Concessão de uso privativo do domínio público
f.     Concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar
g.    Fornecimento contínuo
h.    Prestação de serviços para fins de imediata utilidade pública

Existem, ainda, outras espécies de contratos administrativos, no entanto não tipificados tais como os contratos de cessão a título precário de bens do domínio privado do Estado; contratos de desenvolvimento para habitação, contratos de urbanização, entre outros.

2.    Regime Jurídico

O regime jurídico dos contratos administrativos é constituído quer por normas que conferem prerrogativas especiais de autoridade à Administração, quer por normas que impõem à Administração especiais deveres ou sujeições. Este regime é traçado principalmente pelo Direito Administrativo – pelo CPA e pelos princípios gerais do Direito Administrativo – mas também por algumas normas de Direito Financeiro e Direito Comunitário.

Os princípios gerais aplicáveis aos procedimentos conducentes à celebração de contratos administrativos são os seguintes:

a.    Princípio da legalidade

Este princípio exige, desde logo, que o fundamento normativo de qualquer procedimento adjudicatório deve basear-se num acto legislativo. A entidade adjudicante (adjudicação é o acto administrativo pelo qual o órgão competente escolhe a proposta preferida, seleccionando o particular com quem a Administração decide contratar), para iniciar, carece, pois, de uma norma habilitante proveniente do poder legislativo. Tal norma deverá formular um quadro ou descrição fundamental suficiente para demarcar o âmbito da actuação autoritária do órgão administrativo sobre as esferas jurídicas dos particulares e para repartir o âmbito de actuação entre os diversos órgãos das pessoas colectivas que integram a Administração.

No que toca especificamente aos procedimentos concursais, não é seguramente admissível a abertura de um concurso sem a publicação prévia das normas que o disciplinam. A lei pode conferir ao promotor do concurso maior ou menor autonomia na condução dos trâmites do procedimento do concurso e na própria escolha do co-contratante, mas há uma condição que, em qualquer caso, tem de se observar: essa autonomia há-de ter a lei por sua base e medida. Ou seja, mesmo nos domínios não cobertos pelo princípio da reserva de lei, a Administração num concurso não deixa de estar adstrita à obrigação de fixar e divulgar as regras do “jogo”.

b.    Princípio da proporcionalidade

Este princípio impõe que os procedimentos que precedem à celebração de contratos administrativos, devem garantir um equilíbrio nas relações entre cidadãos e ainda entre eles e a própria Administração, proibindo contrastes intoleráveis entre vantagens reconhecidas a um ou alguns sujeitos de direito e sacrifícios que impendem sobre os demais.
Por outro lado, deste princípio decorre que, dentro dos limites da lei, deve ser escolhido o procedimento mais adequado ao interesse público a prosseguir, ponderando-se os custos e os benefícios decorrentes da respectiva utilização e, por outro lado, que no procedimento apenas se devem efectuar as diligências e praticar os actos que se revelem indispensáveis à prossecução dos fins que legitimamente se visem alcançar.

c.    Princípio da igualdade

Além de assegurar a inexistência de desequilíbrios entre situações jurídicas contratuais, ele está subjacente à opção preferencial do legislador pelo procedimento concursal na formação dos contratos administrativos (artigos 182º e 183º CPA). O procedimento preferido pelo legislador visa, justamente, assegurar a publicidade, a transparência e a não discriminação entre os interessados no procedimento e decisão do concurso. Viola, portanto, o princípio da igualdade, a reformulação, para efeitos de decisão das propostas concorrentes, ainda que a pretexto de facilitar ou tornar possível a comparação.

d.    Princípio da imparcialidade

Veda quer o favorecimento ou desfavorecimento injustificado de qualquer virtual co-contratante, quer qualquer desigualdade devida a desígnio de identificação da posição da Administração com um dos sujeitos jurídico-privados envolvidos. Impõe, ainda, o dever por parte da Administração de ponderar todos os interesses públicos e privados equacionáveis para o efeito de decisão antes da sua adopção. Ou seja, na formação de um contrato administrativo deve a Administração proceder à exaustiva ponderação de interesses envolvidos, o que supõe o conhecimento cabal dos dados de facto a eles respeitantes.

e.    Princípio da boa-fé

Assume especial importância nos procedimentos concursais. Estes têm justamente a especificidade de criarem uma relação de confiança juridicamente tutelada entre a entidade adjudicante e os potenciais co-contratantes. A protecção da confiança, vertente fundamental do princípio da boa-fé, conhece particular expressão na manutenção do quadro jurídico delimitado no acto de abertura do concurso – garantia de transparência, igualdade, estabilidade, clareza e precisão.

f.     Princípio da concorrência

Visa assegurar que os entes públicos, na satisfação de interesses administrativos que lhes estão cometidos o façam da forma publicamente mais vantajosa possível. Assim, é, por um lado, imprescindível assegurar que todos os concorrentes respondam aos mesmos requisitos de modo a possibilitar uma plena comparação e, por outro, existe a vinculação dos concorrentes a não poderem retirar nem alterar nada das suas propostas a partir do momento em que as entregaram (salvo em casos de concursos por negociação).

g.    Princípio da publicidade

Dentro do respectivo âmbito de candidaturas, quaisquer deliberações da entidade adjudicante ou das comissões do concurso que tenham relevo no procedimento concursal devem ser dadas a conhecer a todos os que nele possam vir a estar ou estejam já interessados.

h.    Princípio da transparência

Os artigos 267º e 268º da CRP, resume um modo de ser da Administração, um objectivo ou um parâmetro para medir o desenvolvimento da actividade da Administração. Postula, em síntese, que a Administração deve fundamentar os seus actos, garantir cabal audiência dos particulares interessados e não lhes pode sonegar informação quer sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados, quer sobre as resoluções definitivas que sobre ele forem tomadas.

 Pedro Saldanha

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