quarta-feira, 1 de maio de 2013

audiência prévia dos interessados.


AUDIÊNCIA PRÉVIA DOS INTERESSADOS


A audiência prévia ou fase da audiência dos interessados, corresponde à terceira fase do procedimento decisório de 1º grau, ou seja, o procedimento tendente à prática de um acto administrativo primário. Para o Professor Freitas do Amaral, são seis as fases deste processo: fase inicial, fase da instrução, fase da audiência dos interessados, fase da preparação da decisão, fase da decisão e, por fim, fase complementar. Importa ressalvar que este não é um esquema que tenha que ser obrigatoriamente seguido em todos os tipos de procedimento e que as formalidades que a diversa doutrina inclui dentro de cada uma das fases não são todas de verificação obrigatória.
A audiência prévia encontra-se regulada no CPA nos artigos 100º a 105º e é uma das mais importantes faces de dois grandes princípios gerais concretizados no CPA nos artigos 7º, nº1, alínea b) e no artigo 8º, sendo eles o princípio da colaboração da Administração  com os particulares e o princípio da participação. Além disto, também a CRP faz menção à audiência prévia, como corolário do princípio da democracia participativa (artº 2º) e o próprio art.º 267º/5 faz alusão à audiência prévia, ao referir que “O processamento da actividade administrativa (...) assegurará (...) a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito.”, pois é na fase da audiência prévia que este princípio de participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes respeitam se concretiza.
Este direito existe desde sempre, como “direito de defesa” a ser exercido na fase da audiência do arguido. A doutrina foi sugerindo que este direito fosse estendido a todo e qualquer procedimento de tipo sancionador. Agora, a CRP incorpora esta figura em todos os tipos de procedimento e o CPA produz tal direito com o conteúdo de uma audiência prévia dos interessados, situada após a instrução e antes da decisão final (art.º 100º ss.). Isto foi, como o Professor Freitas do Amaral refere uma “pequena-grande revolução”, isto porque até ao CPA de 1991 a Administração decidia sozinha, sendo o particular contactado apenas depois da decisão ser tomada e, no momento em que este tomava conhecimento, já a decisão era um “facto consumado”, ou seja, não havia qualquer participação dos particulares na formação das decisões que lhes diziam respeito. Este esquema tradicional tinha grandes inconvenientes, isto porque o interessado nunca ficaria a saber se o seu pedido tinha sido devidamente estudado ou de que as suas razões eram ponderadas, bem como o facto de a decisão final ser sempre uma grande surpresa, podendo consistir no indeferimento ou no deferimento parcial ou condicional do pedido formulado, sem que o interessado tivesse sido ouvido. Felizmente, hoje em dia o sistema já não é esse, sendo que agora temos um esquema de: requerimento – informação dos serviços – audiência do interessado – decisão.
Procederei, agora, a uma breve análise da regulamentação da audiência prévia dos interessados constante no CPA.
Como já referi, esta é a fase na qual é assegurado aos interessados do procedimento em causa, o direito de participarem na formação das decisões que lhes respeitem. Abrange a notificação dos interessados (artº 101º CPA – “(...) para (...) dizerem o que se lhes oferecer.”) e a ponderação por parte do instrutor, dos argumentos e dos motivos apresentados pelos interessados em defesa das suas posições.
Na actual versão do art.º 100º do CPA, no seu número 1, podemos constatar que para além do direito de ser ouvido no procedimento antes de ser tomada a decisão final, o interessado tem ainda o direito de ser informado sobre o provável sentido da decisão final. Neste último aspecto, o Professor Freitas do Amaral refere que deve acompanhar esta informação, uma adequada fundamentação das razões pelas quais a Administração se propende para beneficiar ou prejudicar o particular, porque sem conhecer as razões da Administração, não poderá, o interessado, na audiência prévia contra-argumentar da forma mais correcta.
Segundo o art.º 103º, nº2, alínea b) a contrario, do CPA, a formalidade da audiência prévia dos interessados deve ser aplicada sempre que os elementos constantes do procedimento conduzirem a uma decisão desfavorável aos interessados. No entanto, há casos em que não há lugar à audiência prévia e são eles:
·      quando a decisão seja urgente (artº 103º/1/a));
·      quando seja razoavelmente de prever que a diligência possa comprometer a execução ou a utilidade da decisão (artº 103º/1/b));
·      quando o número de interessados a ouvir seja de tal forma elevado que a audiência se torne impraticável, devendo nesse caso proceder-se a consulta pública, quando possível (artº 103º/1/c));
Pode o instrutor dispensar a audiência prévia sempre que:
·      os interessados já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que se importem à decisão e sobre as provas produzidas (artº 103º/2/a));
·      os elementos constantes do procedimento conduzirem a uma decisão favorável aos interessados (artº 103º/2/b));
Tirando as excepções acima enumeradas, a audiência prévia dos interessados é obrigatória e imposta por lei.
Relativamente à forma da audiência prévia, o CPA aceita tanto a audiência escrita como a audiência oral (art.º 100º/2). O instrutor pode decidir livremente qual a forma que pretende que seja aplicada ao caso, tendo um poder arbitrário.
De acordo com o artº 101º, relativo à audiência escrita, quando o instrutor opta por esta modalidade, terá que notificar os interessados, para num prazo não inferior a 10 dias, responderem. A resposta e a notificação serão, ambas, efectuadas por escrito.
Já na audiência oral, de acordo com o artº 102º, o instrutor convocará os interessados com pelo menos 8 dias de antecedência e não há lugar a notificação que forneça os elementos necessários sobre o procedimento, ao contrário do que acontece na audiência escrita (artº 101/2), pelo que estes elementos devem ser transmitidos de forma oral aos interessados no início da audiência. Não obstante, o artº 102º deve ser interpretado em conjunto com o artº 100º/1, pelo que a convocatória deve indicar a eventualidade de consulta do processo e este já deve conter os elementos inequívocos relativos ao sentido provável da decisão. O nº 4 do artº 102º acrescenta-nos que da audiência oral é lavrada acta, na qual constarão o extracto das alegações realizadas pelos interessados, podendo estes juntar quaisquer alegações, escritas, durante a diligência ou a posteriori.
Nos casos em que a audiência prévia é obrigatória por lei e haja falta da mesma, isso constitui uma ilegalidade, mais especificamente um vício de forma por preterição de uma formalidade essencial.
Para o Professor Freitas do Amaral, sempre que o direito à audiência prévia for concebido como um direito fundamental (artº 133/2/d)), o vício será gerador de nulidade. Ao invés, caso não o seja, o vício será mera anulabilidade (artº 135).  O Professor Freitas do Amaral defende a anulabilidade, na medida em que, e tendo em conta a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, a audiência prévia dos interessados é um direito que reveste grande importância na protecção dos particulares face à Administração Pública não sendo, no entanto, um direito incluído no catálogo dos direitos fundamentais, estritamente ligados com a protecção da dignidade da pessoa humana.
Do lado do Professor Freitas do Amaral temos, como já referi, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, bem como o Professor Pedro Machete. Como disse anteriormente, a anulabilidade do acto por falta de audiência prévia prende-se com o facto deste não ser um direito fundamental e, por isso, dever-se aplicar o artº 135º do CPA, em que são anuláveis os actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação não se preveja outra sanção.
Contra esta orientação, defendendo a nulidade, temos os Professores Sérvulo Correia, Vasco Pereira da Silva e David Duarte e a Professora Luísa Neto. Para o Professor Sérvulo Correia, o direito de audiência prévia é como um espelho dos princípios de dignidade da pessoa humana e do Estado de Direito democrático e da regra da participação dos interessados na formação das decisões que a estes lhes respeitem; através da analogia legis com direitos fundamentais típicos constantes nos artº 48/1 e 49/1 da CRP, configura o direito de audiência como um direito de defesa, justificando a sua qualificação como “direito de natureza análoga” para efeitos do artº 17º da CRP, concluindo, então, que o direito de audiência é um direito fundamental atípico de regime análogo no que respeita dos efeitos da sua violação, dos direitos liberdade e garantias do título II da Parte I da CRP e que, por isso, o seu desvalor será a nulidade (133º CPA).
No entanto, nada impede que em determinados casos se veja reconhecido o direito de participação, sob a forma de audição, uma natureza especial tal que requeira que a sua violação tenha como sanção a nulidade própria da afectação do núcleo essencial dos direitos fundamentais (artº 133º/2/d) do CPA) e, como exemplo desta situação, é o caso do direito da audiência e de defesa nos procedimentos contra-ordenacionais e processos sancionatórios que se encontram previstos no artº 32/10 da CRP e, como tal, são uma garantia fundamental, pelo que a sua omissão gera nulidade do acto sancionador e, do mesmo modo, nos processos disciplinares também é garantida ao arguido a audiência e a defesa (269/3 CRP), constituindo uma garantia fundamental sendo, tal como no exemplo anterior, o acto nulo.
Contundo, independentemente da sua consagração expressa, ou não, no texto constitucional, a verdade é que o direito de audiência prévia constitui um pressuposto e uma formalidade essencial da decisão administrativa.  Não se pode admitir que alguém seja alvo de uma decisão sem que a Administração tenha, previamente, informado que essa decisão estava em vias de ser adoptada e sem que o interessado tenha sido ouvido.
Partindo de um Acórdão do Tribunal Central Admnistrativo, exemplificarei o sentido das decisões da jurisprudência relativamente à supressão desta fase – audiência prévia. No acórdão 00643/05 de 19 de Março d 2009, temos o caso de uma sociedade limitada que vem recorrer da judicial proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Coimbra, que absolveu da instância o Município de Coimbra, com fundamento na falta de impugnabilidade do acto impugnado e na intempestividade da deduzida impugnação, pedindo ao tribunal que declare nulo o acto de 26/10/94 ou, caso assim não seja, o acto de 18/07/2005, e condene o réu no licenciamento dos muros envolventes das suas instalações. Para o efeito, dentro das conclusões apresentadas saliento o facto de referir que o acto impugnado foi tomado sem audiência prévia e que a violação desse formalidade acarreta a nulidade do acto, sendo o acto administrativo impugnável, na medida em que o acto nulo pode ser impugnado a todo o tempo, fundamentado-se esta ideia no facto do direito de audiência prévia do interessado concretizar um direito subjectivo público de participação procedimental que se insere no catálogo dos direitos análogos aos direitos, liberdades e garantias. Posto isto, o tribunal pronunciou-se da seguinte maneira: a doutrina divide-se quanto à natureza do direito de participação do artº 267/5 da CRP, sendo que alguns perspectivam este direito como direito análogo aos direitos, liberdades e garantias fundamentais, fazendo decorrer daí a nulidade do acto administrativo praticado com ofensa do direito de audição, aplicando-lhe o disposto do 133/2/d) do CPA. Da divisão da doutrina, não se impõe necessariamente a conclusão, a partir do 267/5 da CRP, de que a preterição da audiência prévia dos interessados na formação das decisões deva conduzir sempre à nulidade das mesmas. Efectivamente, em certos casos, reconhece-se que o direito de participação, sob a forma de direito de audição, se apresenta com uma natureza especial, que demanda que o seu incumprimento deva ser sancionado com o estigma da nulidade própria da violação do núcleo essencial dos direitos fundamentais (artigo 133º nº2 alínea d) CPA). É o caso, cremos, do direito de audiência e de defesa em procedimentos contra-ordenacionais e quaisquer processos sancionatórios [ver artigo 32º nº10 da CRP] e nos processos disciplinares [ver artigo 269º nº3 da CRP]. Em tais casos, o direito de participação não deriva apenas do artigo 267º nº5 da CRP, mas surge como postulado da própria dignidade da pessoa humana, ou seja, como direito fundamental instrumental, tido como indispensável a uma realização concretizadora do direito fundamental material ou substantivo”. No entanto, sem ser nestes casos, a sanção a aplicar à falta de audiência prévia deverá, em princípio, ser a da mera anulabilidade (artº 135º CPA). Argumentando que tem sido esta a orientação doutrinária que tem vingado, que no presente caso não se está perante qualquer densificação concretizadora de um direito fundamental susbtantivo, de maneira que a preterição da audiência prévia invocada seria apenas susceptível de conduzir à anulação do despacho de 12/08/94, mantendo-se aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo.

A título de exemplo desta fase, de acordo com uma notícia do Diário Económico do dia 19 de Abril de 2013, Teresa Sustelo, Presidente do Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE, adiantou que o processo relativo à decisão do tribunal sobre a suspensão do encerramento da Maternidade Alfredo da Costa (MAC) se encontrava na fase de audição prévia dos interessados sendo que, na altura, estava a ser ouvida a MAC (a decisão deverá sair em Maio).

O acórdão poderá ser consultado aqui:



Assunção Vassalo  
nº22039


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