AUDIÊNCIA PRÉVIA DOS INTERESSADOS
A audiência prévia ou fase da audiência dos interessados,
corresponde à terceira fase do procedimento decisório de 1º grau, ou seja, o
procedimento tendente à prática de um acto administrativo primário. Para o
Professor Freitas do Amaral, são seis as fases deste processo: fase inicial,
fase da instrução, fase da audiência dos interessados, fase da preparação da
decisão, fase da decisão e, por fim, fase complementar. Importa ressalvar que
este não é um esquema que tenha que ser obrigatoriamente seguido em todos os
tipos de procedimento e que as formalidades que a diversa doutrina inclui
dentro de cada uma das fases não são todas de verificação obrigatória.
A audiência prévia encontra-se regulada no CPA nos artigos
100º a 105º e é uma das mais importantes faces de dois grandes princípios
gerais concretizados no CPA nos artigos 7º, nº1, alínea b) e no artigo 8º,
sendo eles o princípio da colaboração da Administração com os particulares e o princípio da
participação. Além disto, também a CRP faz menção à audiência prévia, como
corolário do princípio da democracia participativa (artº 2º) e o próprio art.º
267º/5 faz alusão à audiência prévia, ao referir que “O processamento da
actividade administrativa (...) assegurará (...) a participação dos cidadãos na
formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito.”, pois é na
fase da audiência prévia que este princípio de participação dos cidadãos na
formação das decisões que lhes respeitam se concretiza.
Este direito existe desde sempre, como “direito de defesa”
a ser exercido na fase da audiência do arguido. A doutrina foi sugerindo que
este direito fosse estendido a todo e qualquer procedimento de tipo
sancionador. Agora, a CRP incorpora esta figura em todos os tipos de
procedimento e o CPA produz tal direito com o conteúdo de uma audiência prévia
dos interessados, situada após a instrução e antes da decisão final (art.º 100º
ss.). Isto foi, como o Professor Freitas do Amaral refere uma “pequena-grande
revolução”, isto porque até ao CPA de 1991 a Administração decidia sozinha,
sendo o particular contactado apenas depois da decisão ser tomada e, no momento
em que este tomava conhecimento, já a decisão era um “facto consumado”, ou seja,
não havia qualquer participação dos particulares na formação das decisões que
lhes diziam respeito. Este esquema tradicional tinha grandes inconvenientes,
isto porque o interessado nunca ficaria a saber se o seu pedido tinha sido
devidamente estudado ou de que as suas razões eram ponderadas, bem como o facto
de a decisão final ser sempre uma grande surpresa, podendo consistir no
indeferimento ou no deferimento parcial ou condicional do pedido formulado, sem
que o interessado tivesse sido ouvido. Felizmente, hoje em dia o sistema já não
é esse, sendo que agora temos um esquema de: requerimento – informação dos
serviços – audiência do interessado – decisão.
Procederei, agora, a uma breve análise da regulamentação da
audiência prévia dos interessados constante no CPA.
Como já referi, esta é a fase na qual é assegurado aos
interessados do procedimento em causa, o direito de participarem na formação
das decisões que lhes respeitem. Abrange a notificação dos interessados (artº
101º CPA – “(...) para (...) dizerem o que se lhes oferecer.”) e a ponderação
por parte do instrutor, dos argumentos e dos motivos apresentados pelos
interessados em defesa das suas posições.
Na actual versão do art.º 100º do CPA, no seu número 1,
podemos constatar que para além do direito de ser ouvido no procedimento antes
de ser tomada a decisão final, o interessado tem ainda o direito de ser
informado sobre o provável sentido da decisão final. Neste último aspecto, o
Professor Freitas do Amaral refere que deve acompanhar esta informação, uma
adequada fundamentação das razões pelas quais a Administração se propende para
beneficiar ou prejudicar o particular, porque sem conhecer as razões da
Administração, não poderá, o interessado, na audiência prévia contra-argumentar
da forma mais correcta.
Segundo o art.º 103º, nº2, alínea b) a contrario, do CPA, a
formalidade da audiência prévia dos interessados deve ser aplicada sempre que
os elementos constantes do procedimento conduzirem a uma decisão desfavorável
aos interessados. No entanto, há casos em que não há lugar à audiência prévia e
são eles:
·
quando a decisão seja urgente (artº 103º/1/a));
·
quando seja razoavelmente de prever que a
diligência possa comprometer a execução ou a utilidade da decisão (artº
103º/1/b));
·
quando o número de interessados a ouvir seja de
tal forma elevado que a audiência se torne impraticável, devendo nesse caso
proceder-se a consulta pública, quando possível (artº 103º/1/c));
Pode o instrutor dispensar a audiência prévia sempre que:
·
os interessados já se tiverem pronunciado no
procedimento sobre as questões que se importem à decisão e sobre as provas
produzidas (artº 103º/2/a));
·
os elementos constantes do procedimento
conduzirem a uma decisão favorável aos interessados (artº 103º/2/b));
Tirando as excepções acima enumeradas, a audiência prévia
dos interessados é obrigatória e imposta por lei.
Relativamente à forma da audiência prévia, o CPA aceita
tanto a audiência escrita como a audiência oral (art.º 100º/2). O instrutor
pode decidir livremente qual a forma que pretende que seja aplicada ao caso,
tendo um poder arbitrário.
De acordo com o artº 101º, relativo à audiência escrita,
quando o instrutor opta por esta modalidade, terá que notificar os
interessados, para num prazo não inferior a 10 dias, responderem. A resposta e
a notificação serão, ambas, efectuadas por escrito.
Já na audiência oral, de acordo com o artº 102º, o
instrutor convocará os interessados com pelo menos 8 dias de antecedência e não
há lugar a notificação que forneça os elementos necessários sobre o
procedimento, ao contrário do que acontece na audiência escrita (artº 101/2),
pelo que estes elementos devem ser transmitidos de forma oral aos interessados
no início da audiência. Não obstante, o artº 102º deve ser interpretado em
conjunto com o artº 100º/1, pelo que a convocatória deve indicar a
eventualidade de consulta do processo e este já deve conter os elementos
inequívocos relativos ao sentido provável da decisão. O nº 4 do artº 102º
acrescenta-nos que da audiência oral é lavrada acta, na qual constarão o
extracto das alegações realizadas pelos interessados, podendo estes juntar
quaisquer alegações, escritas, durante a diligência ou a posteriori.
Nos casos em que a audiência prévia é obrigatória por lei e
haja falta da mesma, isso constitui uma ilegalidade, mais especificamente um
vício de forma por preterição de uma formalidade essencial.
Para o Professor Freitas do Amaral, sempre que o direito à
audiência prévia for concebido como um direito fundamental (artº 133/2/d)), o
vício será gerador de nulidade. Ao invés, caso não o seja, o vício será mera
anulabilidade (artº 135). O Professor
Freitas do Amaral defende a anulabilidade, na medida em que, e tendo em conta a
jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, a audiência prévia dos
interessados é um direito que reveste grande importância na protecção dos
particulares face à Administração Pública não sendo, no entanto, um direito
incluído no catálogo dos direitos fundamentais, estritamente ligados com a
protecção da dignidade da pessoa humana.
Do lado do Professor Freitas do Amaral temos, como já
referi, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, bem como o
Professor Pedro Machete. Como disse anteriormente, a anulabilidade do acto por
falta de audiência prévia prende-se com o facto deste não ser um direito
fundamental e, por isso, dever-se aplicar o artº 135º do CPA, em que são
anuláveis os actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou
normas jurídicas aplicáveis para cuja violação não se preveja outra sanção.
Contra esta orientação, defendendo a nulidade, temos os
Professores Sérvulo Correia, Vasco Pereira da Silva e David Duarte e a
Professora Luísa Neto. Para o Professor Sérvulo Correia, o direito de audiência
prévia é como um espelho dos princípios de dignidade da pessoa humana e do
Estado de Direito democrático e da regra da participação dos interessados na
formação das decisões que a estes lhes respeitem; através da analogia legis com
direitos fundamentais típicos constantes nos artº 48/1 e 49/1 da CRP, configura
o direito de audiência como um direito de defesa, justificando a sua
qualificação como “direito de natureza análoga” para efeitos do artº 17º da
CRP, concluindo, então, que o direito de audiência é um direito fundamental
atípico de regime análogo no que respeita dos efeitos da sua violação, dos
direitos liberdade e garantias do título II da Parte I da CRP e que, por isso,
o seu desvalor será a nulidade (133º CPA).
No entanto, nada impede que em determinados casos se veja
reconhecido o direito de participação, sob a forma de audição, uma natureza
especial tal que requeira que a sua violação tenha como sanção a nulidade
própria da afectação do núcleo essencial dos direitos fundamentais (artº
133º/2/d) do CPA) e, como exemplo desta situação, é o caso do direito da
audiência e de defesa nos procedimentos contra-ordenacionais e processos
sancionatórios que se encontram previstos no artº 32/10 da CRP e, como tal, são
uma garantia fundamental, pelo que a sua omissão gera nulidade do acto
sancionador e, do mesmo modo, nos processos disciplinares também é garantida ao
arguido a audiência e a defesa (269/3 CRP), constituindo uma garantia
fundamental sendo, tal como no exemplo anterior, o acto nulo.
Contundo, independentemente da sua consagração expressa, ou
não, no texto constitucional, a verdade é que o direito de audiência prévia
constitui um pressuposto e uma formalidade essencial da decisão
administrativa. Não se pode admitir que
alguém seja alvo de uma decisão sem que a Administração tenha, previamente, informado
que essa decisão estava em vias de ser adoptada e sem que o interessado tenha
sido ouvido.
Partindo de um Acórdão do Tribunal Central Admnistrativo,
exemplificarei o sentido das decisões da jurisprudência relativamente à
supressão desta fase – audiência prévia. No acórdão 00643/05 de 19 de Março d
2009, temos o caso de uma sociedade limitada que vem recorrer da judicial
proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Coimbra, que absolveu
da instância o Município de Coimbra, com fundamento na falta de impugnabilidade
do acto impugnado e na intempestividade da deduzida impugnação, pedindo ao
tribunal que declare nulo o acto de 26/10/94 ou, caso assim não seja, o acto de
18/07/2005, e condene o réu no licenciamento dos muros envolventes das suas
instalações. Para o efeito, dentro das conclusões apresentadas saliento o facto
de referir que o acto impugnado foi tomado sem audiência prévia e que a violação
desse formalidade acarreta a nulidade do acto, sendo o acto administrativo
impugnável, na medida em que o acto nulo pode ser impugnado a todo o tempo,
fundamentado-se esta ideia no facto do direito de audiência prévia do
interessado concretizar um direito subjectivo público de participação
procedimental que se insere no catálogo dos direitos análogos aos direitos,
liberdades e garantias. Posto isto, o tribunal pronunciou-se da seguinte
maneira: a doutrina divide-se quanto à natureza do direito de participação do
artº 267/5 da CRP, sendo que alguns perspectivam este direito como direito
análogo aos direitos, liberdades e garantias fundamentais, fazendo decorrer daí
a nulidade do acto administrativo praticado com ofensa do direito de audição,
aplicando-lhe o disposto do 133/2/d) do CPA. Da divisão da doutrina, não se
impõe necessariamente a conclusão, a partir do 267/5 da CRP, de que a
preterição da audiência prévia dos interessados na formação das decisões deva
conduzir sempre à nulidade das mesmas. “Efectivamente, em certos casos, reconhece-se que
o direito de participação, sob a forma de direito de audição, se apresenta com
uma natureza especial, que demanda que o seu incumprimento deva ser sancionado
com o estigma da nulidade própria da violação do núcleo essencial dos direitos
fundamentais (artigo 133º nº2 alínea d) CPA). É o caso, cremos, do direito de audiência e de defesa em
procedimentos contra-ordenacionais e quaisquer processos sancionatórios [ver
artigo 32º nº10 da CRP] e nos processos disciplinares [ver artigo 269º nº3 da
CRP]. Em tais casos, o direito de participação não deriva apenas do artigo 267º
nº5 da CRP, mas surge como postulado da própria dignidade da pessoa humana, ou seja, como direito fundamental
instrumental, tido como indispensável a uma realização concretizadora do
direito fundamental material ou substantivo”. No entanto, sem ser
nestes casos, a sanção a aplicar à falta de audiência prévia deverá, em
princípio, ser a da mera anulabilidade (artº 135º CPA). Argumentando que tem sido
esta a orientação doutrinária que tem vingado, que no presente caso não se está
perante qualquer densificação concretizadora de um direito fundamental
susbtantivo, de maneira que a preterição da audiência prévia invocada seria
apenas susceptível de conduzir à anulação do despacho de 12/08/94, mantendo-se
aquilo que foi decidido pelo tribunal a
quo.
A título de exemplo desta fase, de acordo com uma notícia
do Diário Económico do dia 19 de Abril de 2013, Teresa Sustelo, Presidente do
Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE, adiantou que o processo relativo à
decisão do tribunal sobre a suspensão do encerramento da Maternidade Alfredo da
Costa (MAC) se encontrava na fase de audição prévia dos interessados sendo que,
na altura, estava a ser ouvida a MAC (a decisão deverá sair em Maio).
O acórdão poderá ser consultado aqui:
Assunção Vassalo
nº22039
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