A Administração está
subordinada à lei por força do princípio da legalidade.
A regulamentação
legal da actividade administrativa umas vezes é precisa e outras vezes é
imprecisa. Quando é imprecisa, não associa à situação jurídica uma
única consequência jurídica, mas habilita a Administração a determinar ela
própria essa mesma consequência.
Primeiro exemplo: acto tributário – em matéria de impostos, as leis definem tudo. A Administração, aqui,
desempenha tarefas puramente mecânicas, até chegar a um resultado que é o único
legalmente possível. Ou seja, a Administração fiscal apenas tem de apurar o
rendimento da pessoa segundo o método que a lei definir, fazer os descontos legais que a lei determinar e, sobre o montante que daí
resultar, aplicar a percentagem correspondente à taxa do imposto em causa.
Trata-se, sem dúvida,
de um acto de autoridade, de uma manifestação de poder administrativo, porque é
uma decisão unilateral que define o direito no caso concreto, e o define em
termos que são obrigatórios, mas é um acto vinculado.
Segundo exemplo: nomeação de um
governador civil - De acordo com a disposição legal, o Governo pode escolher
qualquer cidadão português. Ou seja, a nomeação é um acto discricionário em
bastantes aspectos; no entanto, não o é em todos, porque o governo não pode,
por exemplo, nomear estrangeiros.
Neste caso, a lei
praticamente nada diz, nada regula, atribuindo uma significativa margem de
autonomia à Administração Pública. É esta que tem de decidir segundo os
critérios que, em cada caso, entender que são mais adequados à prossecução do interesse
público.
Em suma, temos num caso actos vinculados e no outro actos discricionários. Vinculação e
discricionariedade são, assim, as duas formas típicas pelas quais a lei modela
a actividade da Administração Pública.
O poder é discricionário quando a lei relega a escolha dos termos do seu exercício para o arbítrio do respectivo titular. Assim, ele deve
escolher o procedimento a adoptar em cada caso, consoante o que seja mais ajustado à realização
do interesse público protegido pela norma que o confere.
Os actos são
vinculados quando praticados pela Administração no exercício de uma instrução legal específica (poder vinculado, poder para praticar aquele acto específico naqueles termos concretos), e são discricionários quando
praticados no exercício de poderes discricionários.
Contudo, em bom rigor não
há actos totalmente discricionários, nem actos totalmente vinculados. É por
isso que, em relação a um poder em concreto, faz sentido perguntar se ele é um
poder vinculado ou um poder discricionário, mas já em relação aos actos da Administração
não faz grande sentido perguntar se são vinculados ou discricionários. O que faz sentido perguntar é em que medida é que são vinculados e
discricionários?
Nota: Exemplo 1: no
caso do acto tributário, a vinculação é quase total, mas mesmo assim ainda há
uma pequena zona em que existe discricionariedade: é que a lei dá normalmente
um prazo à Administração Pública para praticar esses actos e, dentro desse
prazo, a Administração pode escolher livremente o momento (dia/hora) em que
pratica o acto.
Exemplo 2: a
autonomia conferida ao Governo é bastante ampla, mas a lei estabelece diversas
condicionantes, por exemplo: dispõe que a competência para nomear Governadores Civis pertence ao Conselho de Ministros, sob proposta do Ministro da
Administração Interna (a competência é sempre vinculada, MESMO nos actos
discricionários).
Também o fim do acto
administrativo é sempre vinculado. Se o acto for praticado com um fim diverso
daquele para que a lei conferiu o poder discricionário, o acto é ilegal.
Finalmente, a decisão administrativa tem de respeitar as directivas
dimanadas de certos princípios gerais de Direito, que vinculam a actividade da
Administração, e que Freitas do Amaral indica como sendo os princípios da proporcionalidade, da igualdade e da imparcialidade.
Quanto à sua
natureza, coloca-se a questão de saber se pode o órgão competente escolher
livremente qualquer uma das várias soluções conformes com o fim da lei?
A resposta é não. O
processo de escolha a cargo do órgão administrativo não está apenas
condicionado pelo fim legal, mas também condicionado e orientado por ditames
que flúem dos princípios e regras gerais que vinculam a Administração Pública
(igualdade, proporcionalidade e imparcialidade), estando assim o órgão
administrativo obrigado a encontrar a melhor solução para o interesse público.
Ou seja, o poder discricionário não é um poder livre, dentro dos limites da
lei, mas um poder jurídico. Portanto, a lei, ao conferir a determinado órgão um
poder discricionário, não se satisfará com qualquer escolha que respeite o seu
fim. Pelo contrário, antes pretende e espera deliberadamente que seja procurada aquela solução que,
ponderados todos os factos e as circunstâncias que apenas in casu podem ser observadas, bem como os imperativos que decorrem dos princípios
da proporcionalidade, da igualdade, da boa fé e da imparcialidade, o órgão
administrativo tiver por a mais “certa”, a mais adequada, a que melhor serve o interesse público.
Qual o fundamento e o
significado deste poder discricionário?
Há casos em que a lei
pode regular todos os aspectos e, nesses casos, a actuação da Administração Pública é uma actuação que se traduz na mera aplicação mecânica da lei abstracta ao caso
concreto, por meio de operações lógicas de subsunção. Porém, na maioria dos casos, o legislador
reconhece que não lhe é possível prever antecipadamente todas as circunstâncias
em que a Administração vai ter de actuar, não lhe sendo possível, consequentemente, dispor acerca das melhores soluções para prosseguir o interesse público em concreto.
Mais ainda, o poder
discricionário visa, antes de tudo, assegurar o tratamento equitativo dos casos
individuais. Juridicamente, o poder discricionário fundamenta-se, afinal, quer
no princípio da separação dos poderes, quer na própria concepção do Estado
Social de Direito (enquanto Estado prestador e constitutivo de deveres
positivos para a Administração), que postulam uma certa margem de autonomia
jurídica.
É a conjugação desta dupla ordem de razões que justifica, pois, uma
abertura no grau de densidade das normas, através do qual se confere à
Administração competência para assegurar uma melhor adequação da decisão às
circunstâncias concretas.
O poder
discricionário não é um poder arbitrário, é um poder derivado da lei. O poder
discricionário só pode ser exercido por aqueles a quem a lei o atribuir, só
pode ser exercido para o fim para que a lei o confere, e deve ser exercido de
acordo com certos princípios jurídicos de actuação.
Há meios
jurisdicionais para controlar o exercício do poder discricionário. O poder
discricionário não é uma excepção ao princípio da legalidade, mas sim uma das
formas possíveis de estabelecer a subordinação da Administração à lei.
Quais os aspectos que
a discricionariedade pode abranger, na actuação da Administração pública? Qual
o seu âmbito?
Em primeiro, o momento da prática do acto; e antes, a decisão de
praticar ou não um certo acto administrativo; a determinação dos factos e
interesses relevantes para a decisão; o conteúdo concreto da decisão; a forma e
as formalidades; a fundamentação ou não da decisão; a faculdade de apor, ou
não, ao acto administrativo condições, termos, modos ou outras cláusulas
acessórias.
Por fim, quais os
seus limites? Em primeiro, os limites legais e constitucionais. Depois, temos os
limites que decorram de auto-vinculação
Contudo, a
possibilidade de auto-vinculação da Administração não é ilimitada. A
Administração não pode auto–vincular-se com desrespeito peloo artigo 112.º, n.º 5
da CRP. Quer isto dizer que o instrumento normativo através do qual se auto-vincula não pode cumulativamente ter eficácia externa e interpretar, integrar,
modificar, suspender ou revogar qualquer dos preceitos legais que conferem um
poder discricionário.
Depois, pode haver casos em que a lei queira que a
Administração exerça efectivamente caso a caso o seu poder de apreciação das
circunstâncias concretas – aqui a auto-vinculação é ilegal.
Como garantir a
observância e o respeito pelos limites do poder discricionário?
A actividade da
Administração está sujeita a vários tipos de controlos. Por um lado, controlos
de legalidade, que podem ser feitos tanto pela Administração, como pelos tribunais.
Por outro lado, está sujeita a controlos de mérito, que visam avaliar os motivos pelos quais se praticou o acto, bem como o seu conteúdo, o fim que se pretende atingir com ele, e a sua adequação para prosseguir da melhor forma possível o interesse público em nome do qual a lei concedeu ao autor do acto competência para o praticar. Este controlo só
pode ser feito pela Administração.
Podemos, ainda, falar
de controlos jurisdicionais (efectuam-se através dos tribunais) e de controlos
administrativos (são realizados por órgãos da Administração).
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