Noção de Regulamento Administrativo:
Os regulamentos
administrativos traduzem-se em normas jurídicas emanadas no exercício do poder
administrativo por um órgão da Administração ou outra entidade pública/privada para tal habilitada por lei. Constituem o nível inferior do
ordenamento jurídico administrativo, sendo uma fonte secundária. Constituem também um
produto da actividade da Administração indispensável ao funcionamento do Estado
moderno, permitindo assim ao Parlamento desonerar-se de tarefas que considera
incómodas ou para as quais não está tão qualificado, possibilitando desta forma uma
adaptação rápida do tecido normativo a múltiplas situações específicas da vida
que se encontram constantemente em mutação.
No entender doutrinário do Professor Diogo Freitas do Amaral, a noção de
regulamento baseia-se em três elementos essenciais:
I.
Elemento de natureza material
Materialemnte, o regulamento administrativo consiste em normas
jurídicas e sendo uma regra de conduta da vida social é dotada das características da
generalidade (aplica-se a uma pluralidade de destinatários) e da abstracção
(aplica-se a uma pluralidade de situações).
Enquanto
comando abstracto não se esgota, normalmente, numa aplicação; ao contrário do acto administrativo, verificar-se-á sempre que em concreto se
verificarem as situações típicas que nele se encontram previstas.
O regulamento
administrativo não é um mero preceito administrativo, é também uma norma jurídica e,
por isso, está sujeita a ser imposta mediante a ameaça de coacção e cuja violação pode
levar a aplicação de sanções.
II.
Elemento de natureza orgânica
Organicamente, este dita-se não só por pessoas colectivas públicas
integrantes da Administração Pública, como também por pessoas colectivas
públicas não integrantes da Administração (o Parlamento, por exemplo) quer por
entidades de direito privado.
III.
Elemento de natureza funcional
Funcionalmente, importa salientar que o regulamento é emanado no exercício do
poder administrativo.Tal aspecto torna-se relevante nos casos em que
o órgão considerado não é exclusivamente órgão da Administração (como sucede
com o Governo e as Assembleias legislativas regionais que são também órgãos
políticos e legislativos), só se podendo tratar de regulamento
administrativo nestes casos quando estas duas entidades tiverem actuado no
desempenho das suas atribuições administrativas.
Espécies de Regulamentos:
As espécies de
regulamentos podem ser apuradas à luz de quatro critérios fundamentais:
a.
Relação entre o regulamento e a lei
Dentro desta espécie há que distinguir ainda duas subespécies: os regulamentos complementares ou de execução
(aqueles que desenvolvem ou aprofundam a disciplina jurídica constante de uma
lei) e os regulamentos independentes ou autónomos (regulamentos que os órgãos
administrativos elaboram no exercício da sua competência, para assegurar a
realização das suas atribuições específicas, sem cuidar de desenvolver ou
completar nenhuma lei especial).
Dentro
dos regulamentos complementares ou de execução, surgem-nos os regulamentos espontâneos (a lei nada diz quanto à
necessidade da sua complementarização) e os devidos (é a própria lei que impõe
à Administração a tarefa de desenvolver a previsão do comando legislativo).Tal distinção encontra-se constitucionalmente prevista no art. 112º/7 e 8 da CRP.
Os
regulamentos complementares ou de execução caracterizam-se por serem regulamentos secundum legem, portanto, ilegais se colidirem com a disciplina fixada na lei.
Já quanto aos
regulamentos independentes ou autónomos, estes não complementam qualquer lei anterior,
sendo que a sua missão é a de estabelecer autonomamente a disciplina jurídica que há-de pautar
a realização das atribuições específicas cometidas pelo legislador aos entes
públicos considerados.
Assim, para que o poder regulamentar exista, a CRP ou a lei têm que o prever. Existem duas excepões, em que isso não acontece: 1º- no caso de regulamentos internos –
onde se entende que os órgãos das diferentes pessoas colectivas públicas que compõem
a Administração têm, por natureza, este poder, com fundamento no poder de
direcção -; 2º- no caso dos regimentos de órgãos colegiais – onde é entendido que estes
têm o poder de elaborar e aprovar os seus próprios regulamentos de organização
e funcionamento, são os regimentos, com fundamento no poder de auto-organização
dos órgãos colegiais.
b.
Objecto
Quanto ao objecto, é fundamental falar-se nos regulamentos de organização, de funcionamento e
os de polícia.
Regulamentos de Organização: procedem à distribuição das funções pelos vários
departamentos e unidades de uma pessoa colectiva pública, bem como à repartição
de tarefas pelos diversos agentes que aí trabalham.
Regulamentos de Funcionamento: disciplinam a vida quotidiana dos serviços públicos.
Regulamentos de Polícia: impõem limitações à liberdade individual com vista a
evitar que, em consequência da conduta perigosa dos indivíduos, se produzam
danos sociais.
c.
Âmbito da sua aplicação
Os regulamentos podem
ser classificados ainda como: gerais (vigorando em todo o território continental), locais (tendo o seu
domínio de aplicação limitado a uma dada circunscrição territorial) e
institucionais (sendo emanados de institutos públicos ou associações públicas, para
terem aplicação apenas às pessoas que se encontram sob a sua jurisdição).
d.
Projecção da sua eficácia
Podemos ainda dividir os regulamentos em: internos e externos.
Os
primeiros, produzem os seus efeitos jurídicos unicamente no interior
da esfera jurídica da pessoa colectiva de que emanam.
Os
segundos, produzem efeitos jurídicos em relação a outros
sujeitos de direito diferentes,ou seja, em relação a outras pessoas colectivas
públicas ou em relação a particulares.
Esta
classificação levanta, dois problemas fulcrais:
O
primeiro, consiste em se perceber se os regulamentos institucionais que visam
disciplinar o comportamento dos utentes de um serviço público são regulamentos
internos ou externos. Existe quem entenda que são internos por não se dirigirem a
todos os cidadãos em geral, mas apenas a alguns em especial. O Professor DFA
não concorda com tal opinião. Para o Professor referido, são externos, pois não projectam a sua eficácia apenas na
esfera jurídica de uma pessoa colectiva pública, produzem também sim efeitos em
relação a pessoas que são sujeitos de direito distintos da pessoa colectiva em
causa. Daí que estes
regulamentos possam, por eles, ser impugnados contenciosamente, se forem
ilegais ou inconstitucionais.
O
segundo problema, prende-se em saber se são internos ou externos os regulamentos que a
Administração elabora para disciplinar a actuação dos seus próprios
funcionários. O Professor DFA entende que se impõe distinguir se se tratam de
regulamentos aplicáveis aos funcionários na sua qualidade de funcionários, com
o fim de disciplinar apenas a organização ou o funcionamento do serviço (serão,
então, internos); ou se, contrariamente, se tratam de regulamentos aplicáveis
aos funcionários na sua qualidade de cidadãos, sujeitos a uma relação jurídica
de emprego com a Administração, com o fim de disciplinar essa relação e os
direitos ou os deveres recíprocos que a integram (são, então, externos).
Distinção
entre regulamento e lei
Um primeiro critério,
de que partiu a escola clássica francesa, assenta na diferenciação entre
princípios e pormenores, ou seja, que à lei caberia a formulação dos princípios e ao
regulamento a disciplina dos pormenores. No entanto este é um critério vago.
Um segundo critério
(sustentado por Marcello Caetano), reconhecendo haver algumas
afinidades no plano material entre os dois, considera possível distingui-los
porque ao regulamento falta a novidade, que é a característica da lei. Mas este
critério cria o problema dos regulamentos independentes ou autónomos, pois
estes não pressupõem na sua base nenhuma lei.
Um terceiro critério
baseia-se na identidade material entre os dois, a distinção entre ambos só pode
ser feita no plano formal e orgânico. Ela está na diferente posição hierárquica
dos órgãos de onde emanam e, consequentemente, do diferente valor formal de um
e de outro.
O Professor
DFA, concorda com este último critério. A nossa CRP não fornece qualquer
critério de definição de fronteira material entre o domínio legislativo e o
regulamentar. Em cada área normativa deverá haver uma parte legislativa e uma
regulamentar, mas a proporção em que isso acontece depende da lei; ela tanto
pode esgotar a regulamentação da matéria, consumindo o regulamento (pois não há
reserva de regulamento) como pode, igualmente, limitar-se a diferir para
regulamento de certa entidade a tarefa de regulamentação material do assunto.
À luz do direito
positivo vigente, entende-se como lei todo o acto que provenha de um órgão com competência
legislativa e que assuma a forma de lei, ainda que o seu alcance seja
estritamente individual ou contenha disposições de carácter regulamentar; entende-se como regulamento
todo o acto dimanado de um órgão com competência regulamentar e que revista a
forma de regulamento, ainda que seja independente ou autónomo e, por
conseguinte, inovador.
Qual é a importância
prática desta distinção?
Funciona como
fundamento jurídico pois, a lei, em regra, baseia-se unicamente na CRP; o
regulamento só será válido se uma lei de habilitação atribuir competência para
a sua emissão. Uma lei contrária a outra lei, por exemplo, revoga-a. Enquanto
que um regulamento contrário à lei é ilegal. Quanto à impugnação contenciosa, a
lei só pode ser impugnada contenciosamente com fundamento em
inconstitucionalidade, enquanto que o regulamento ilegal é, em regra,
impugnável contenciosamente.
Distinção
entre regulamento e acto administrativo:
Tanto um como outro se caracterizam como comandos jurídicos unilaterais emitidos por um órgão competente no
exercício de um poder público de autoridade. Mas, o regulamento, como norma
jurídica, é uma regra geral e abstracta, ao passo que o acto administrativo,
como acto jurídico, é uma decisão individual e concreta. Na maioria dos casos, a distinção entre estes termos é fácil. No entanto, há três casos excepcionais
que levam a dificuldades:
1.
Comando relativo a um órgão singular
Por
exemplo, ao Presidente da República. É norma (não é acto) se dispuser em função
das características da categoria abstracta e não da pessoa concreta titular do
cargo.
2.
Comando relativo a um grupo restrito de pessoas, todas
determinadas ou determináveis:
Por
exemplo, a disposição que promove ao posto imediato todos os actuais
funcionários da Direcção Geral X. É norma (e não acto) desde que disponha por
meio de categorias abstractas tais como promoção, actuais, funcionários, etc.
Será acto, se contiver a lista nominativa dos indivíduos abrangidos,
identificados.
3. Comando geral dirigido a uma pluralidade indeterminada de
pessoas, mas para ter aplicação imediata numa única situação concreta:
Por
exemplo, a ordem dada por certa Câmara Municipal aos habitantes de certa
povoação para que hoje, por ter nevado, limpem a sua rua. Grande parte da
doutrina considera haver aqui acto administrativo, mas o Professor DFA pensa
que há norma pois existe a generalidade, o que não há é vigência sucessiva.
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