sábado, 18 de maio de 2013

O acto revogatório: competência e outros requisitos


O regime geral da revogação de actos administrativos encontra-se regulado nos arts. 138º a 146º do Código do Procedimento Administrativo. A sua génese está no poder de autocontrolo do qual se reveste a administração pública, fundamentado na conjugação do dever de prossecução do interesse público e no princípio da legalidade. Estes dois princípios reflectem-se, pois, nos próprios resultados visados pelo acto revogatório: a reposição da legalidade no caso da revogação de actos inválidos e o maior benefício para os destinatários quando se trate de revogação de actos válidos.

No que respeita à competência revogatória, devemos começar por analisar aquela que cabe ao autor do acto a revogar. Esta é prevista no nº1 do art. 142° do CPA, havendo no entanto divisão na doutrina quanto à extensão desta competência. A principal divergência registada prende-se com a identificação da competência para revogar actos que padeciam do vício de incompetência relativa aquando da sua prática. Uma parte significativa da doutrina, onde se incluem Sérvulo Correia e Paulo Otero, defende que cabe ao órgão competente para a prática do acto (e não ao seu autor efectivo) a competência para a sua revogação, formulando a teoria do "autor legal". Em sentido inverso, pela teoria do "autor efectivo", temos as posições de Diogo Freitas do Amaral e Marcelo Rebelo de Sousa. Sustentam esta posição dois grandes argumentos: primeiro, a competência revogatória, embora remeta muitas vezes para a competência dispositiva, não se encontra num plano estritamente paralelo ao desta; segundo, a adopção da teoria do "autor legal" atribuiria no caso concreto um poder de supervisão de certos órgãos em relação a outros que se revelaria contrário ou até incompatível com o próprio ordenamento jurídico.
Seguidamente, no mesmo art. 142º, nº1, vemos a competência revogatória ser atribuída ao superior hierárquico do autor, decorrente do seu poder de supervisão. Ao ressalvar que o superior não pode revogar os actos que sejam da competência exclusiva do subalterno, este artigo apenas proíbe a livre revogação, não podendo afectar a revogação em sede de recurso hierárquico garantida pelo art. 174º do CPA.
Conjugando os arts. 32º, n°2 e 142, n°2 do CPA verificamos ainda a existência de competência revogatória por parte do delegante e subdelegante em relação aos actos praticados pelo delegado ou subdelegado ao abrigo dessa relação. A dúvida que pode surgir resulta do facto do n°2 do art. 142º balizar o prazo deste poder revogatório pelo período de duração da delegação ou subdelegação. Ora, compreendendo-se que o subdelegante só possa revogar os respectivos actos nesse período, já a mesma restrição quando aplicada ao delegante parece vir fragilizar os poderes deste que se deveriam manter para além do período da delegação.
O CPA refere ainda no n°3 do art. 142º a competência dos órgãos investidos de poderes de tutela revogatória para revogar os actos que os órgãos das pessoas colectivas tuteladas venham a praticar. Contudo, estes poderes estão dependentes da existência de legislação que os preveja, não vindo directamente regulados no CPA.
Por último, e também dependentes de previsão legal expressa, estão os órgãos colegiais habilitados para revogar os actos dos membros que os integrem, sem que isto represente a existência de poderes de supervisão gerais.

Analisado o acto revogatório na óptica dos sujeitos competentes, cabe agora explorar os pressupostos materiais que devem reger esse acto.
O primeiro requisito prende-se com a efectividade do acto revogatório. Deste modo, são-nos elencados no art. 139º do CPA um conjunto de actos não passíveis de revogação, por ser esta redundante nos casos em questão. Tais são os casos dos actos inexistentes, dos actos anulados, dos já revogados com efeitos retroactivos e dos actos nulos. A situação dos actos caducados é distinta já que estes podem ser revogados, mas só na medida em que a revogação produza efeitos retroactivos.
Seguidamente devemos distinguir os fundamentos da revogação de actos inválidos daqueles dos actos válidos. Do art. 141º, n°1 decorre que os actos inválidos só podem ser revogados com fundamento na sua própria invalidade (o que afasta a revogação por mérito desses mesmos actos) e dentro do prazo estabelecido para o recurso contencioso. Esta disposição não impede, todavia, que uma vez excedido esse prazo a revogação se torne impossível, mas tão somente que passa a ser então aplicado o regime de revogação de actos válidos.
Quanto aos actos válidos, também a sua revogabilidade é admitida, neste caso por mérito e com a consideração das excepções do art. 140º. Assim, são irrevogáveis os actos legalmente vinculados como tal, bem como aqueles que constituam direitos irrenunciáveis para a Administração ou lhe atribuam obrigações legais. Já no tocante aos actos que sejam favoráveis aos destinatários, a sua revogação só se pode dar com a concordância destes ou operar parcialmente na parte em que se revelem desfavoráveis para os mesmos.

No que respeita aos efeitos do acto revogatório, é de salientar a regra geral do n°1 do art. 145º, que estabelece que estes só se produzem para o futuro. Ainda assim, pelo n°2 do mesmo artigo, a revogação é revestida de eficácia retroactiva quando assenta no fundamento de invalidade. O n°3 admite ainda que o autor atribua efeitos retroactivos quando tal seja favorável aos interessados ou estes consintam expressamente nesse sentido, acompanhando a lógica sistemática acima referida. O acto pode ainda produzir efeitos repristinatórios em relação a outro acto que fora revogado pelo novo acto a revogar, desde que disponha nesse sentido ou haja uma norma legal com essa orientação: assim aponta o art. 146º.

Por fim, uma referência à forma e às formalidades que devem acompanha o acto revogatório: tanto a primeira como as segundas devem ser idênticas às que revestiram o acto revogado, como dispõem, respectivamente, os arts. 143º e144º. De realçar que, tendo sido o acto revogado praticado com excesso de forma exigida, fica o acto revogatório sujeito a respeitar essa forma excessiva.

João Pires, n°22047

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