A distinção entre Lei e
Regulamento
Em primeiro lugar, quando
pretendemos realizar uma distinção entre a lei e o regulamento administrativo,
é da maior importância salientar que, tal diferença não é ditada por postulados
técnico-jurídicos de valor absoluto, pelo que, irá resultar, em cada momento histórico,
do tipo de organização político-administrativa de cada Estado.
Não descurando esta
particularidade, na opinião do professor Diogo Freitas do Amaral, conseguimos
encontrar na doutrina três critérios de grande importância para a resolução desta
questão:
Um primeiro critério, com origem
na escola clássica francesa (Carré de Malberg), que tem por base a diferença
entre princípios e pormenores, sendo que à lei cabe a formulação dos princípios
e ao regulamento a disciplina dos pormenores. No entanto, este é um critério
que acaba por suscitar diversas críticas. Por um lado, não permite uma distinção
rigorosa entre princípios e pormenores, por outro, nada impede que se encontrem
presentes pormenores numa lei e princípios num regulamento.
De seguida, deparamo-nos com um
segundo critério, defendido por Marcello Caetano, e utilizado inicialmente pela
escola alemã de direito público. Aqui são reconhecidas algumas afinidades no
plano material entre regulamento e lei, sendo que, é possível distingui-los
porque ao regulamento falta a novidade, que é característica própria da lei. Contudo,
este não se apresenta também como um critério perfeito, uma vez que, se
tivermos em atenção os regulamentos independentes ou autónomos, depreendemos
que estes não pressupõem na sua base nenhuma lei, a não ser a lei de
habilitação. Quer isto dizer, que são eles próprios inovadores, até ao ponto de
existir a possibilidade em serem diferentes de município para município.
Finalmente, um terceiro e último critério
que assenta na identidade material entre lei e regulamento. Diz-nos esta teoria,
que substancialmente, os regulamentos são leis, pelo que, a sua distinção apenas
se pode concretizar no plano formal e orgânico. Lei e regulamento, ambos são
materialmente normas jurídicas. Ainda assim, a diferença tem lugar, quanto à posição
hierárquica dos órgãos de onde emanam, e consequentemente do seu respectivo
valor formal, o que acaba por se traduzir em a lei poder revogar o regulamento,
e este não poder fazer o mesmo com a lei. Se, por acaso, o regulamento
contrariar a lei, será ilegal.
Expostos os critérios tidos em consideração
para esta distinção entre lei e regulamento, frisar que, a utilidade prática da
mesma é notada essencialmente em três pontos:
1-Fundamento
jurídico: a lei, normalmente, tem por base unicamente a Constituição. O regulamento só será válido se uma lei de habilitação atribuir competência para a sua emissão,
artigo 112º/7 CRP
2-Ilegalidade:
uma lei contrária a outra revoga-a, havendo ainda a possibilidade de
coexistirem ambas na ordem jurídica com diversos domínios de aplicação. Um
regulamento contrário a uma lei é ilegal.
3-Impugnação
contenciosa: a lei, salvo raras excepções só pode ser impugnada
contenciosamente com fundamento em inconstitucionalidade. O regulamento ilegal
é, em regra impugnável contenciosamente com fundamento em ilegalidade
propriamente dita, ou com fundamento na violação de um regulamento que devia
ter sido respeitado.
Para o professor
Marcelo Rebelo de Sousa, a lei é a principal fonte primária do direito
administrativo português, abrangendo a lei da Assembleia da República, o
decreto-lei e o decreto legislativo regional, artigo 112º/1 CRP. É assim a lei
que desenvolve e torna possíveis os interesses públicos definidos na
Constituição e estabelece os termos concretos da sua prossecução, ou seja,
pode-se também dizer, que é a lei que confere à Administração a habilitação
normativa de que ela necessita para poder agir. Os regulamentos, por sua vez, são
actos normativos emitidos por órgãos administrativos no exercício da função administrativa.
Tanto podem complementar, desenvolver ou concretizar actos legislativos
anteriores, como também podem ser inovadores, mais uma vez nos já referidos
regulamentos independentes ou autónomos. Estando sujeitos ao princípio da
legalidade, os regulamentos têm de que se fundamentar numa lei habilitante e
ter como limite a Constituição.
Por fim, dizer
que o professor Diogo Freitas do Amaral é defensor do terceiro critério acima
referido, afirmando que a nossa Constituição não fornece qualquer tipo de
fronteira entre o critério legislativo e o critério regulamentar, pelo que,
apenas por aspectos orgânicos e formais é possível estabelecer a diferença
entre lei e regulamento. Assim sendo, à luz do direito vigente, é lei todo o
acto que provenha de um órgão com competência legislativa e que assuma a forma
de lei, ainda que o seu alcance seja estritamente individual e concreto. É regulamento
todo o acto dimanado de um órgão com competência regulamentar e que revista a
forma de regulamento, ainda que seja independente e autónomo e, por conseguinte,
inovador.
Gonçalo Furtado
Nº 21441
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