sábado, 18 de maio de 2013


A distinção entre Lei e Regulamento

Em primeiro lugar, quando pretendemos realizar uma distinção entre a lei e o regulamento administrativo, é da maior importância salientar que, tal diferença não é ditada por postulados técnico-jurídicos de valor absoluto, pelo que, irá resultar, em cada momento histórico, do tipo de organização político-administrativa de cada Estado.

Não descurando esta particularidade, na opinião do professor Diogo Freitas do Amaral, conseguimos encontrar na doutrina três critérios de grande importância para a resolução desta questão:

Um primeiro critério, com origem na escola clássica francesa (Carré de Malberg), que tem por base a diferença entre princípios e pormenores, sendo que à lei cabe a formulação dos princípios e ao regulamento a disciplina dos pormenores. No entanto, este é um critério que acaba por suscitar diversas críticas. Por um lado, não permite uma distinção rigorosa entre princípios e pormenores, por outro, nada impede que se encontrem presentes pormenores numa lei e princípios num regulamento.

De seguida, deparamo-nos com um segundo critério, defendido por Marcello Caetano, e utilizado inicialmente pela escola alemã de direito público. Aqui são reconhecidas algumas afinidades no plano material entre regulamento e lei, sendo que, é possível distingui-los porque ao regulamento falta a novidade, que é característica própria da lei. Contudo, este não se apresenta também como um critério perfeito, uma vez que, se tivermos em atenção os regulamentos independentes ou autónomos, depreendemos que estes não pressupõem na sua base nenhuma lei, a não ser a lei de habilitação. Quer isto dizer, que são eles próprios inovadores, até ao ponto de existir a possibilidade em serem diferentes de município para município.

Finalmente, um terceiro e último critério que assenta na identidade material entre lei e regulamento. Diz-nos esta teoria, que substancialmente, os regulamentos são leis, pelo que, a sua distinção apenas se pode concretizar no plano formal e orgânico. Lei e regulamento, ambos são materialmente normas jurídicas. Ainda assim, a diferença tem lugar, quanto à posição hierárquica dos órgãos de onde emanam, e consequentemente do seu respectivo valor formal, o que acaba por se traduzir em a lei poder revogar o regulamento, e este não poder fazer o mesmo com a lei. Se, por acaso, o regulamento contrariar a lei, será ilegal.

Expostos os critérios tidos em consideração para esta distinção entre lei e regulamento, frisar que, a utilidade prática da mesma é notada essencialmente em três pontos:

1-Fundamento jurídico: a lei, normalmente, tem por base unicamente a Constituição. O regulamento só    será válido se uma lei de habilitação atribuir competência para a sua emissão, artigo 112º/7 CRP

2-Ilegalidade: uma lei contrária a outra revoga-a, havendo ainda a possibilidade de coexistirem ambas na ordem jurídica com diversos domínios de aplicação. Um regulamento contrário a uma lei é ilegal.

3-Impugnação contenciosa: a lei, salvo raras excepções só pode ser impugnada contenciosamente com fundamento em inconstitucionalidade. O regulamento ilegal é, em regra impugnável contenciosamente com fundamento em ilegalidade propriamente dita, ou com fundamento na violação de um regulamento que devia ter sido respeitado.

Para o professor Marcelo Rebelo de Sousa, a lei é a principal fonte primária do direito administrativo português, abrangendo a lei da Assembleia da República, o decreto-lei e o decreto legislativo regional, artigo 112º/1 CRP. É assim a lei que desenvolve e torna possíveis os interesses públicos definidos na Constituição e estabelece os termos concretos da sua prossecução, ou seja, pode-se também dizer, que é a lei que confere à Administração a habilitação normativa de que ela necessita para poder agir. Os regulamentos, por sua vez, são actos normativos emitidos por órgãos administrativos no exercício da função administrativa. Tanto podem complementar, desenvolver ou concretizar actos legislativos anteriores, como também podem ser inovadores, mais uma vez nos já referidos regulamentos independentes ou autónomos. Estando sujeitos ao princípio da legalidade, os regulamentos têm de que se fundamentar numa lei habilitante e ter como limite a Constituição.

Por fim, dizer que o professor Diogo Freitas do Amaral é defensor do terceiro critério acima referido, afirmando que a nossa Constituição não fornece qualquer tipo de fronteira entre o critério legislativo e o critério regulamentar, pelo que, apenas por aspectos orgânicos e formais é possível estabelecer a diferença entre lei e regulamento. Assim sendo, à luz do direito vigente, é lei todo o acto que provenha de um órgão com competência legislativa e que assuma a forma de lei, ainda que o seu alcance seja estritamente individual e concreto. É regulamento todo o acto dimanado de um órgão com competência regulamentar e que revista a forma de regulamento, ainda que seja independente e autónomo e, por conseguinte, inovador.


Gonçalo Furtado
Nº 21441 

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