quinta-feira, 9 de maio de 2013

O DIREITO DOS INTERESSADOS À INFORMAÇÃO

                         UBI IUS, IBI REMEDIUM


O Cap. II do CPA, que compreende os arts.61.º,62.º,63.º,64.º,65.º, consagra a liberdade de acesso, por parte dos interessados, aos documentos administrativos não confidenciais, assim se procurando melhorar o relacionamento entre a Administração e os administrados, tornando mais transparente a acção administrativa. Este direito faz remeter para o passado o princípio de que, salvo em casos pontuais, o processo administrativo, era secreto. Agora, a regra é oposta. Todos os interessados directos têm o direito de saber o estado de procedimento e tudo quanto possa repercutir-se na sua esfera de direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos. Este direito à informação tem que ser exercitado. O interessado tem de ser directo. Há, no entanto, um outro grupo de situações em que o interesse não é directo e, apesar disso, a Administração não pode subtrair-se ao dever de informar. São os casos do art.º 64.

Estamos aqui perante uma manifestação de transparência do processo e também em face de um instrumento necessário para tornar operativo no procedimento o princípio do contraditório. Esta é a posição de Barone, in “L’intervento del privato nel processo amministrativo”. Já segundo Allegretti, o direito à informação administrativa decorre dos princípios constitucionais da imparcialidade da Administração e da igualdade, sendo aliás um dos corolários do princípio da imparcialidade.

A particular extensão, aliás louvável, do direito à informação parece aconselhar uma alteração às leis processuais relacionadas com o direito a obter informações.

Para Giovanni Virga, o direito à informação administrativa tem uma natureza instrumental e uma função ambivalente:” de um lado são meios previstos para permitir a participação dos particulares no procedimento e uma adequada ponderação dos interesses, por outro lado, tal “direito deve ser concedido como um instrumento de controlo da actividade da Administração Pública, necessário para uma tutela eficaz. Esta segunda função tem particular relevância, já que torna possível aos interessados, efectuar um controlo sobre a actividade administrativa e tutelar as posições jurídicas de vantagem de que são titulares. O direito à informação e concretamente o direito de acesso aos documentos integrados no processo constitui a expressão do direito a prova. O autor deu assim, uma amplitude maior ao direito à informação. Denomina esta tónica como sendo o comportamento activo da Administração e que se traduz no dever de fornecer informações solicitadas, já não se estando apenas naquela vertente passiva de deixar o particular examinar e consultar o processo.

No Acórdão do Tribunal Constitucional de 21/05/92, o direito de informação apresenta-se como uma das vertentes ao direito de informação consagrado no artº37º CRP, no qual é possível distinguir três níveis diferenciados: 1)o direito de informar; 2) o direito de se informar e 3) o direito de ser informar. Relativamente a isto, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA referem um “direito à transparência documental”.

A recusa na prestação das informações referidas coloca a Administração sob a alçada da responsabilidade civil em relação aos prejuízos sofridos pelos particulares. SÉRVULO CORREIA realça que, tratando-se de um direito que resulta directamente da CRP, a sua violação integrará vício de forma do acto final.

Face ao disposto nos arts. 61.º a 65.º do actual Código de Procedimento Administrativo, concretizadores do direito de informação dos administrados, consagrado no nº1 do art.º 268 da C.R.P, encontra-se revogado, implicitamente, o art.º 82.º nº1 da L.P.T.A, correspondente a expressão a fim de permitir o uso de meios administrativos ou contenciosos”, pelo que o requerente não necessita de invocar tal fim no requerimento apresentado junto da autoridade requerida e em que peticiona a consulta do processo administrativo ou a passagem de certidões.

Quer pela aplicação directa das normas dos arts. 37.º,n.ºs 1 e 3, e 61.º n.1 e 62.º, do Estatuto Disciplinar, interpretadas conjugadamente, quer pela aplicação imediata, ou supletiva, das disposições nos arts 61.º e 62.º do C.P.A., é de concluir que o direito à informação no âmbito do processo disciplinar engloba, não só, a consulta do processo, mas também, a passagem de certidão, relativamente a qualquer dos seus documentos.

O direito à informação exclui qualquer direito ao segredo por parte da Administração, a não ser no que se refere às questões de defesa nacional, à segurança interna e política externa, à investigação criminal e à tutela de direitos fundamentais dos cidadãos, em especial o respeito pela intimidade da sua vida privada e familiar.

Na minha opinião, poderemos até considerar que o direito à informação tem natureza e regimes análogos aos direitos, liberdades e garantias enunciados no Título II da Parte I da Lei Fundamental e está subordinado ao mesmo regime (arts. 17.º e 18.º da C.R.P)

O princípio geral é o de que, a todo o direito corresponde uma acção destinada a fazê-lo coactivamente. O direito à informação não é excepção, pelo que o meio processual adequado para efectuá-lo é o dos arts. 82.º a 85.º da L.P.T.A.

O direito à informação procedimental é conferido a “pessoas directamente interessadas no procedimento”, devendo entender-se como directamente interessados, para esse efeito, todas as pessoas cuja esfera jurídica resulta alterada pela própria instauração do procedimento ou aquelas que saiam (ou sairão provavelmente) beneficiadas ou desfavorecidas nessa sua esfera pela respectiva decisão final. Quer no regime procedimental, quer no não procedimental, a titularidade do direito à informação é sempre aferida pela existência de um interesse nos elementos pretendidos, que deve ser alegado pelo requerente. Tal interesse na obtenção dos elementos pretendidos, deve-se aferir em função de uma situação de vantagem pretendida, alegada pelo requerente, único requisito subjectivo exigido pela lei de procedimento administrativo para legitimar o exercício do direito à informação por parte dos administrados.

Faço agora uma referência ao Acordão do Supremo Tribunal Administrativo de 02.5.1996, da qual poderemos retirar conclusões bastante pertinentes.

A questão de direito decidida neste acórdão é a de saber se o meio processual intimação para a consulta de documentos ou passagem de certidões, gizado nos arts. 82 a 85º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, pode ser utilizado para efectivar o direito dos particulares de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos procedimentos em que sejam directamente interessados, tal como consagrado no art.º 61º. Do CPA. O referido acórdão decidiu em sentido afirmativo. Com efeito, diversos acórdãos decidiram no sentido em que o meio processual do art. 82º. Da LPTA se destina apenas, de acordo com a sua letra, a garantir a consulta de documentos ou processos e passagem de certidões mas não a simples prestação de informações solicitadas. É o caso dos acórdãos do STA de 14.05.1987 e de 14.11.1989. Na minha opinião, estes últimos decidiram em sentido inverso ao de uma boa e justa decisão.

Detenhamo-nos sobre o facto de, nos nºos 1 e 2 do art. 268º, configura a Constituição um direito fundamental dos administrados à informação, o qual, no n.º1, se apresenta sob a modalidade do direito à informação procedimental, ou seja, de um direito dos directamente interessados num procedimento administrativo a uma conduta normativa por parte da Administração sobre os momentos e o acto decisório que sucessivamente integram o procedimento. O CPA tipifica as condutas através das quais pode a Administração satisfazer o direito à informação procedimental. São elas a informação directa (nº2 do art.61), a consulta de processo (art. 62.º) e a passagem de certidão, reprodução ou declaração autenticada de documentos ( art. 62º e 63º). 

É a aparente disfunção entre a tríade plasmada nos art. 61º a 63º do CPA e a dicotomia do art. 82º da LPTA que gera a interrogação, à qual pretendo encontrar reposta neste artigo! No fundo, veremos que tudo passa por uma interpretação conforme à Constituição do artº 82 da LPTA.

Suscita-se em primeiro lugar a questão de saber se, no plano de Direito processual, se pode identificar uma lacuna de lei a propósito da tutela jurisdicional do direito enunciado no art.61º do CPA. Se fosse localizável ta lacuna, dir-se-ia que, contemplando o art. 82º da LPTA a protecção jurisdicional de direitos análogos ao direito à prestação de informações do art. 61º do CPA, razões de coerência normativa e de justiça relativa imporiam o tratamento processual semelhante na protecção deste ultimo direito. Porém, penso que é de afastar a hipótese de lacuna de lei processual na tutela do direito à informação directa, ou seja, à prestação de informações. Para que a lacuna ocorresse, necessário seria que, em caso de inaplicabilidade do art. 82º da LPTA, nenhuma outra norma deferisse ao direito em causa a protecção de uma diferente forma de processo. A eventual inaplicabilidade do artº 82 da LPTA não significaria que o interessado ficasse desprovido de qualquer meio processual, visto que sempre lhe restaria (em abstracto) o recurso contencioso do acto denegatório ou, em caso de comprovada a inefectividade deste, a acção para o reconhecimento de um direito.

Há que ter em conta que, no contexto sistemático do nosso Direito processual administrativo, a intimação para a consulta de documentos ou passagem de certidões é um processo especial que se distingue desde logo pelo tipo de providência requerida: trata-se de uma intimação, isto é, uma condenação numa prestação de facto, mas não numa prestação qualquer mas sim numa prestação que consista numa facultação da consulta de documentos ou processos ou na passagem de certidões. Ao conteúdo específico da decisão, acresce um segundo factor distintivo: reside na celeridade.

Para além disso, o processo especial denominado de intimação para a consulta de documentos ou passagem de decisões particulariza-se ainda pelo efeito suspensivo desencadeado pela sua pendência sobre os prazos para os meios administrativos ou outros meios contenciosos que o requerente pretenda usar na utilização das informações pretendidas. Em primeiro lugar, consistindo a conduta administrativa pretendida numa prestação de facto directo de um direito subjectivo do particular e, portanto, de um poder vinculado da Administração, a sua tutela é mais efectiva se houver desde logo uma ordenação de facere. Em segundo lugar, mesmo quando a informação se não destine a ser empregue em outro meio administrativo ou processual, a sua não obtenção com celeridade privá-la-á de uma boa parte do seu interesse. Daí que, sejam quais forem as finalidades do caso concreto, não faça sentido uma tutela jurisdicional do direito à informação que não assegure resultados expeditos. Em terceiro e último lugar, cabe presente que, embora sem a isso se destinar necessariamente, uma grande maioria dos processos de intimação para a consulta dos documentos ou passagem de certidões têm por real razão de ser a obtenção de informações de que o requerente precisa para usar em outro meio administrativo ou processual.

A tarefa de interpretação do artº 82ºº da LPTA não pode ser levada a cabo em situação de desenquadramento com o artº 268º, nº1 da CRP e com o artº 61 do CPA. Este último preceito opera uma densificação do direito fundamental à informação procedimental, enunciado no texto constitucional. Importa sublinhar que os referidos preceitos do CPA especificam, em termos harmónicos com os da ratio da norma constitucional, os modos comos os particulares podem ver satisfeito esse direito por parte da Administração.

Há hoje um desenvolvido tratamento doutrinário no campo dos direitos fundamentais, entre o direito material e o direito processual. Não se trata de uma interrelação meramente estática, mas de uma interacção à luz, nomeadamente, das virtualidades do processo como meio de garantir um resultado adequado aos direitos fundamentais, quer efectivando estes como um conjunto de directivas que emanam da Constituição para todo o ordenamento jurídico, impondo, uma organização justa do processo, quer como definição directa de situações jurídicas subjectivadas, que integram pretensões conexas a efeitos de direito substantivo e de direito processual. Esta é a posição do prf. GOMES CANOTILHO, com a qual eu concordo. Noto ainda que, o direito fundamental à informação processual é um direito material, não obstante a sua conexão com o procedimento.

Hoje, a protecção material exercida pelos direitos fundamentais e a conformação do processo à luz dos imperativos do Estado de Direito condicionam-se reciprocamente. Perante a exigência de uma efectiva tutela jurisdicional dos direitos em geral e dos direitos fundamentais em particular, a conformação do processo não pode surgir como neutral em face dos direitos fundamentais. O processo tem de ser estruturado de forma a que possa servir os direitos fundamentais. Para o referido, alerta o prof. DENNINGER, dizendo ainda que, é incompatível com um direito fundamental e viola desse modo a Constituição uma estruturação do processo que suscite o risco sério de um esvaziamento da situação jurídica substantiva qualificável como direito fundamental.

Nos termos em que abordei a questão até aqui, resulta que a extensão ou não extensão do mecanismo processual protector do artº 82 LPTA ao direito fundamental à informação directa- reconhecido pelo art.º61º do CPA em densificação do artº 268º, nº1 da lei Fundamental- nos obriga a uma opção entre o reconhecimento de uma situação de inconstitucionalidade por omissão e a interpretação em conformidade com a Constituição do artº 82º da LPTA. A meu ver, a aptidão do meio processual delineado nos artºs 82 a 85º da LPTA para proporcionar uma tutela jurisdicional efectiva ao direito fundamental à informação directa é- precisamente porque só aquele meio a possui- bastante para justificar uma interpretação do artº 82º no sentido de abranger o direito entre as relações materiais controvertidas susceptíveis de ser omitidas por esta forma de processo.

Refira-se ainda que, dada a sua natureza de núcleos irradiantes de todo o ordenamento jurídico, os direitos fundamentais são auxiliares de interpretação das restantes normas jurídicas. Designadamente, as normas processuais devem ser interpretadas, no plano do elemento sistemático da interpretação, de acordo com os parâmetros da sua capacidade de satisfação dos direitos fundamentais. Este modo de interpretação encontra a sua razão de ser na necessidade de adequar as estruturas do processo às exigências da sua funcionalidade relativamente à concretização jurisdicional dos valores materiais da Constituição.

Em conclusão, interessa reter o seguinte: o artº82 da LPTA deve pois ser entendido como meio processual do direito fundamental à informação procedimental em todas as suas modalidades reconhecidas, que são delineadas nos artsº 61 a 63º do CPA. Para esse efeito, a expressão “ a fim de permitir o uso de meios administrativos contenciosos” deve ser interpretada no sentido de impor ao particular, como pressuposto processual especifico, tão só a identificação do processo em que está interessado e a que respeita a informação solicitada- artsº 268º nº1, da CRP, 61º nº1 e 3 do CPA. Como ensinou BAPTISTA MACHADO, a interpretação extensiva não fica precludida quando da ratio legis decorre que, querendo referir-se a um género, o legislador “porventura fechado numa perspectiva casuística, apenas se referiu a uma espécie desse género”. A letra do artº82 da LPTA explicita aquilo que, à altura, aparecia como os modos de exercício do direito fundamental à informação procedimental. Convém recordar que a lei data de 1985, ao passo que o CPA apenas foi publicado em 1991. Certamente que o legislador de 1985 quis estabelecer uma forma de processo adequada à garantia jurisdicional do direito fundamental consignado no 268º CRP. E, em 1985, os modos evidentes de satisfação desse direito eram aqueles que a letra do artº 82º LPTA contempla. Mas o legislador de 1991 foi mais além na densificação das faculdades múltiplas incluídas no direito constitucionalmente consagrado.

Em suma, a letra do artº 82º aponta para o direito à informação procedimental e este abrange, como se tornou indiscutível a partir de 1991, o direito à informação directa. Assim, defendo que, para efeitos de interpretação extensiva o pensamento legislativo considerado pelo Acórdão dp STA de 02.05.1996 encontra na letra da lei o necessário mínimo de correspondência verbal. E se, nesse plano literal, há alguma dificuldade que, no entanto, não se afigura incontornável, a interpretação conforme com o direito fundamental impõe iniludivelmente o sentido defendido neste artigo!

Raquel Frazão Vaz Nº 22097

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