O DIREITO DOS INTERESSADOS À INFORMAÇÃO
UBI IUS, IBI REMEDIUM
O
Cap. II do CPA, que compreende os arts.61.º,62.º,63.º,64.º,65.º, consagra a liberdade de acesso,
por parte dos interessados, aos documentos administrativos não confidenciais, assim se procurando
melhorar o relacionamento entre a Administração e os administrados, tornando
mais transparente a acção
administrativa. Este direito faz remeter para o passado o princípio de que,
salvo em casos pontuais, o processo administrativo, era secreto. Agora, a regra
é oposta. Todos os interessados directos têm o direito de saber o estado de
procedimento e tudo quanto possa repercutir-se na sua esfera de direitos
subjectivos e interesses legalmente protegidos. Este direito à informação tem que ser exercitado. O interessado
tem de ser directo. Há, no entanto, um outro grupo de situações em que o interesse não é directo e, apesar disso, a
Administração não pode subtrair-se ao dever de
informar. São os casos
do art.º 64.
Estamos
aqui perante uma manifestação
de transparência
do processo e também
em face de um instrumento necessário
para tornar operativo no procedimento o princípio do contraditório. Esta é a
posição de Barone, in “L’intervento del privato
nel processo amministrativo”. Já segundo Allegretti, o direito à informação administrativa decorre dos princípios
constitucionais da imparcialidade da Administração e da igualdade, sendo aliás um
dos corolários do princípio da imparcialidade.
A
particular extensão,
aliás
louvável,
do direito à
informação parece
aconselhar uma alteração
às
leis processuais relacionadas com o direito a obter informações.
Para
Giovanni Virga, o direito à informação administrativa tem uma natureza
instrumental e uma função
ambivalente:” de um lado são
meios previstos para permitir a participação
dos particulares no procedimento e uma adequada ponderação dos interesses, por outro lado”, tal
“direito deve ser concedido como um instrumento de controlo da actividade da
Administração Pública,
necessário
para uma tutela eficaz”.
Esta segunda função
tem particular relevância,
já
que torna possível
aos interessados, efectuar um controlo sobre a actividade administrativa e
tutelar as posições
jurídicas
de vantagem de que são
titulares. O direito à informação
e concretamente o direito de acesso aos documentos integrados no processo
constitui a expressão
do direito a prova. O autor deu assim, uma amplitude maior ao direito à informação. Denomina esta tónica como
sendo o comportamento activo da Administração
e que se traduz no dever de fornecer informações solicitadas, já não se estando apenas naquela
vertente passiva de deixar o particular examinar e consultar o processo.
No
Acórdão do
Tribunal Constitucional de 21/05/92, o direito de informação apresenta-se como uma das
vertentes ao direito de informação
consagrado no artº37º CRP, no qual é possível
distinguir três
níveis
diferenciados: 1)o direito de informar; 2) o direito de se informar e 3) o
direito de ser informar. Relativamente a isto, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA
referem um “direito à transparência documental”.
A
recusa na prestação
das informações
referidas coloca a Administração
sob a alçada da
responsabilidade civil em relação
aos prejuízos
sofridos pelos particulares. SÉRVULO CORREIA realça que, tratando-se de um direito
que resulta directamente da CRP, a sua violação integrará vício de
forma do acto final.
Face
ao disposto nos arts. 61.º
a 65.º do actual
Código
de Procedimento Administrativo, concretizadores do direito de informação dos administrados, consagrado no
nº1 do art.º 268 da C.R.P, encontra-se
revogado, implicitamente, o art.º
82.º nº1 da L.P.T.A, correspondente a
expressão “ a fim de
permitir o uso de meios administrativos ou contenciosos”, pelo que o requerente
não necessita
de invocar tal fim no requerimento apresentado junto da autoridade requerida e
em que peticiona a consulta do processo administrativo ou a passagem de certidões.
Quer
pela aplicação directa
das normas dos arts. 37.º,n.ºs 1 e 3, e 61.º n.1 e 62.º, do Estatuto Disciplinar,
interpretadas conjugadamente, quer pela aplicação imediata, ou supletiva, das
disposições nos arts
61.º e 62.º do C.P.A., é de
concluir que o direito à
informação no âmbito do processo disciplinar
engloba, não só, a
consulta do processo, mas também,
a passagem de certidão,
relativamente a qualquer dos seus documentos.
O
direito à informação
exclui qualquer direito ao segredo por parte da Administração, a não ser no que se refere às questões de defesa nacional, à segurança interna e política
externa, à
investigação criminal
e à
tutela de direitos fundamentais dos cidadãos,
em especial o respeito pela intimidade da sua vida privada e familiar.
Na
minha opinião,
poderemos até considerar que o direito à informação tem natureza e regimes análogos aos “direitos,
liberdades e garantias”
enunciados no Título
II da Parte I da Lei Fundamental e está
subordinado ao mesmo regime (arts. 17.º
e 18.º da C.R.P)
O
princípio geral é o de que, a todo o direito corresponde uma acção destinada a fazê-lo
coactivamente. O direito à
informação não é excepção, pelo que o meio processual
adequado para efectuá-lo
é
o dos arts. 82.º
a 85.º da
L.P.T.A.
O
direito à informação
procedimental é
conferido a “pessoas directamente interessadas no procedimento”, devendo
entender-se como directamente interessados, para esse efeito, todas as pessoas
cuja esfera jurídica resulta alterada pela própria instauração do procedimento ou aquelas que
saiam (ou sairão
provavelmente) beneficiadas ou desfavorecidas nessa sua esfera pela respectiva
decisão final.
Quer no regime procedimental, quer no não
procedimental, a titularidade do direito à
informação é sempre
aferida pela existência
de um interesse nos elementos pretendidos, que deve ser alegado pelo
requerente. Tal interesse na obtenção
dos elementos pretendidos, deve-se aferir em função de uma situação de vantagem pretendida, alegada
pelo requerente, único
requisito subjectivo exigido pela lei de procedimento administrativo para
legitimar o exercício do direito à informação
por parte dos administrados.
Faço
agora uma referência ao Acordão
do Supremo Tribunal Administrativo de 02.5.1996, da qual poderemos retirar
conclusões bastante pertinentes.
A
questão de
direito decidida neste acórdão é a de saber se o meio processual
intimação para a
consulta de documentos ou passagem de certidões, gizado nos arts. 82 a 85º da Lei de Processo dos Tribunais
Administrativos, pode ser utilizado para efectivar o direito dos particulares
de ser informados pela Administração,
sempre que o requeiram, sobre o andamento dos procedimentos em que sejam
directamente interessados, tal como consagrado no art.º 61º. Do CPA. O referido acórdão decidiu em sentido afirmativo.
Com efeito, diversos acórdãos decidiram no sentido em que o
meio processual do art. 82º.
Da LPTA se destina apenas, de acordo com a sua letra, a garantir a consulta de
documentos ou processos e passagem de certidões mas não a simples prestação de informações solicitadas. É o caso dos acórdãos do STA de 14.05.1987 e de
14.11.1989. Na minha opinião, estes últimos decidiram em sentido inverso ao de
uma boa e justa decisão.
Detenhamo-nos
sobre o facto de, nos nºos
1 e 2 do art. 268º,
configura a Constituição
um direito fundamental dos administrados à
informação, o qual,
no n.º1, se
apresenta sob a modalidade do direito à
informação
procedimental, ou seja, de um direito dos directamente interessados num
procedimento administrativo a uma conduta normativa por parte da Administração sobre os momentos e o acto decisório que
sucessivamente integram o procedimento. O CPA tipifica as condutas através das quais
pode a Administração
satisfazer o direito à
informação
procedimental. São
elas a informação
directa (nº2 do
art.61), a consulta de processo (art. 62.º)
e a passagem de certidão,
reprodução ou
declaração
autenticada de documentos ( art. 62º
e 63º).
É a aparente disfunção entre a tríade
plasmada nos art. 61º
a 63º do CPA e a
dicotomia do art. 82º
da LPTA que gera a interrogação,
à
qual pretendo encontrar reposta neste artigo! No fundo, veremos que tudo passa
por uma interpretação
conforme à
Constituição do artº 82 da LPTA.
Suscita-se
em primeiro lugar a questão
de saber se, no plano de Direito processual, se pode identificar uma lacuna de
lei a propósito da tutela jurisdicional do direito enunciado no art.61º do CPA. Se fosse localizável ta lacuna,
dir-se-ia que, contemplando o art. 82º
da LPTA a protecção
jurisdicional de direitos análogos
ao direito à prestação
de informações do art.
61º do CPA,
razões de coerência
normativa e de justiça
relativa imporiam o tratamento processual semelhante na protecção deste ultimo direito. Porém, penso
que é
de afastar a hipótese
de lacuna de lei processual na tutela do direito à informação directa, ou seja, à prestação de informações. Para que a lacuna ocorresse,
necessário
seria que, em caso de inaplicabilidade do art. 82º da LPTA, nenhuma outra norma
deferisse ao direito em causa a protecção
de uma diferente forma de processo. A eventual inaplicabilidade do artº 82 da LPTA não significaria que o interessado
ficasse desprovido de qualquer meio processual, visto que sempre lhe restaria
(em abstracto) o recurso contencioso do acto denegatório ou, em
caso de comprovada a inefectividade deste, a acção para o reconhecimento de um
direito.
Há
que ter em conta que, no contexto sistemático do nosso Direito processual
administrativo, a intimação
para a consulta de documentos ou passagem de certidões é um processo especial que se
distingue desde logo pelo tipo de providência requerida: trata-se de uma intimação, isto é, uma condenação numa prestação de facto, mas não numa prestação qualquer mas sim numa prestação que consista numa facultação da consulta de documentos ou
processos ou na passagem de certidões.
Ao conteúdo
específico da decisão,
acresce um segundo factor distintivo: reside na celeridade.
Para
além disso, o processo especial denominado de intimação para a consulta de documentos ou
passagem de decisões
particulariza-se ainda pelo efeito suspensivo desencadeado pela sua pendência
sobre os prazos para os meios administrativos ou outros meios contenciosos que
o requerente pretenda usar na utilização
das informações
pretendidas. Em primeiro lugar, consistindo a conduta administrativa pretendida
numa prestação de facto
directo de um direito subjectivo do particular e, portanto, de um poder vinculado
da Administração, a sua
tutela é
mais efectiva se houver desde logo uma ordenação de facere. Em segundo lugar, mesmo quando a informação se não destine a ser empregue em outro
meio administrativo ou processual, a sua não
obtenção com
celeridade privá-la-á de uma boa
parte do seu interesse. Daí
que, sejam quais forem as finalidades do caso concreto, não faça sentido uma tutela jurisdicional
do direito à informação
que não assegure
resultados expeditos. Em terceiro e último
lugar, cabe presente que, embora sem a isso se destinar necessariamente, uma
grande maioria dos processos de intimação
para a consulta dos documentos ou passagem de certidões têm por real razão de ser a obtenção de informações de que o requerente precisa
para usar em outro meio administrativo ou processual.
A
tarefa de interpretação
do artº 82ºº da LPTA não pode ser levada a cabo em situação de desenquadramento com o artº 268º, nº1 da CRP e com o artº 61 do CPA. Este último
preceito opera uma densificação
do direito fundamental à
informação
procedimental, enunciado no texto constitucional. Importa sublinhar que os
referidos preceitos do CPA especificam, em termos harmónicos com os da ratio da norma constitucional, os modos
comos os particulares podem ver satisfeito esse direito por parte da Administração.
Há
hoje um desenvolvido tratamento doutrinário no campo dos direitos fundamentais,
entre o direito material e o direito processual. Não se trata de uma interrelação meramente estática, mas de uma
interacção à luz,
nomeadamente, das virtualidades do processo como meio de garantir um resultado
adequado aos direitos fundamentais, quer efectivando estes como um conjunto de
directivas que emanam da Constituição
para todo o ordenamento jurídico, impondo, uma organização justa do processo, quer como
definição directa
de situações
jurídicas subjectivadas, que integram pretensões conexas a efeitos de direito
substantivo e de direito processual. Esta é a posição do prf. GOMES CANOTILHO, com a
qual eu concordo. Noto ainda que, o direito fundamental à informação processual é um direito
material, não obstante
a sua conexão com o
procedimento.
Hoje,
a protecção material
exercida pelos direitos fundamentais e a conformação do processo à luz dos
imperativos do Estado de Direito condicionam-se reciprocamente. Perante a
exigência de uma efectiva tutela jurisdicional dos direitos em geral e dos
direitos fundamentais em particular, a conformação do processo não pode surgir como neutral em face
dos direitos fundamentais. O processo tem de ser estruturado de forma a que
possa servir os direitos fundamentais. Para o referido, alerta o prof.
DENNINGER, dizendo ainda que, é incompatível com um direito fundamental e viola
desse modo a Constituição
uma estruturação do
processo que suscite o risco sério de um esvaziamento da situação jurídica substantiva qualificável
como direito fundamental.
Nos
termos em que abordei a questão
até
aqui, resulta que a extensão
ou não extensão do mecanismo processual
protector do artº
82 LPTA ao direito fundamental à informação
directa- reconhecido pelo art.º61º do CPA em densificação do artº 268º, nº1 da lei Fundamental- nos obriga a
uma opção entre o
reconhecimento de uma situação
de inconstitucionalidade por omissão
e a interpretação
em conformidade com a Constituição
do artº 82º da LPTA. A meu ver, a aptidão do meio processual delineado nos
artºs 82 a 85º da LPTA para proporcionar uma
tutela jurisdicional efectiva ao direito fundamental à informação directa é-
precisamente porque só
aquele meio a possui- bastante para justificar uma interpretação do artº 82º no sentido de abranger o direito
entre as relações
materiais controvertidas susceptíveis de ser omitidas por esta forma de
processo.
Refira-se
ainda que, dada a sua natureza de núcleos irradiantes de todo o ordenamento
jurídico, os direitos fundamentais são
auxiliares de interpretação
das restantes normas jurídicas. Designadamente, as normas processuais devem ser
interpretadas, no plano do elemento sistemático da interpretação, de acordo com os parâmetros da sua capacidade de satisfação dos direitos fundamentais. Este
modo de interpretação
encontra a sua razão
de ser na necessidade de adequar as estruturas do processo às
exigências da sua funcionalidade relativamente à concretização jurisdicional dos valores
materiais da Constituição.
Em
conclusão,
interessa reter o seguinte: o artº82
da LPTA deve pois ser entendido como meio processual do direito fundamental à
informação
procedimental em todas as suas modalidades reconhecidas, que são delineadas nos artsº 61 a 63º do CPA. Para esse efeito, a
expressão “ a fim
de permitir o uso de meios administrativos contenciosos” deve ser interpretada
no sentido de impor ao particular, como pressuposto processual especifico, tão só a identificação do processo em que está
interessado e a que respeita a informação
solicitada- artsº
268º nº1, da CRP, 61º nº1 e 3 do CPA. Como ensinou
BAPTISTA MACHADO, a interpretação
extensiva não fica
precludida quando da ratio legis
decorre que, querendo referir-se a um género, o legislador “porventura fechado
numa perspectiva casuística, apenas se referiu a uma espécie desse género”. A
letra do artº82 da LPTA
explicita aquilo que, à
altura, aparecia como os modos de exercício do direito fundamental à informação procedimental. Convém recordar
que a lei data de 1985, ao passo que o CPA apenas foi publicado em 1991.
Certamente que o legislador de 1985 quis estabelecer uma forma de processo
adequada à garantia jurisdicional do direito fundamental consignado no 268º CRP. E, em 1985, os modos
evidentes de satisfação
desse direito eram aqueles que a letra do artº 82º LPTA contempla. Mas o legislador
de 1991 foi mais além na densificação
das faculdades múltiplas incluídas no direito constitucionalmente consagrado.
Em
suma, a letra do artº
82º aponta
para o direito à
informação
procedimental e este abrange, como se tornou indiscutível a partir de 1991, o
direito à informação
directa. Assim, defendo que, para efeitos de interpretação extensiva o pensamento
legislativo considerado pelo Acórdão
dp STA de 02.05.1996 encontra na letra da lei o necessário mínimo de
correspondência verbal. E se, nesse plano literal, há alguma dificuldade que,
no entanto, não se
afigura incontornável,
a interpretação conforme
com o direito fundamental impõe
iniludivelmente o sentido defendido neste
artigo!
Raquel
Frazão Vaz Nº 22097
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