sábado, 18 de maio de 2013

A limitação da liberdade de escolha no procedimento de ajuste directo: breve reflexão


 por Nuno Miguel Igreja Matos

            O ajuste directo surge regulado no 112º e seguintes do CCP, sendo aí definido como o procedimento em que a entidade adjudicante convida directamente uma ou várias entidades à sua escolha a apresentar proposta, e constitui o procedimento a que as entidades adjudicantes mais recorrem, dada a ampla liberdade de escolha que lhe está subjacente. Em geral, o seu regime traduz uma orientação segundo a qual o procedimento em causa se poderá caracterizar como restrito e variável, uma vez que o universo concorrencial está logo delimitado pela própria entidade adjudicante.
Esta liberdade de escolha da identidade dos convidados, reforçada pelo 114º CCP, é contudo, limitada pelo 113º/2 CCP, que obstaculiza ao convite de entidades que hajam já sido adjudicadas no ano económico em curso e nos dois anos anteriores (…) para contratos cujo objecto seja constituído por prestações do mesmo tipo ou idênticas às do contrato a celebrar, e cujo preço seja igual ou superior aos limites do 19º/a, 20º/1 e/ou do 21º/1/a CCP e pelo 113º/5 CCP, ao dispor uma outra limitação sempre que, no mesmo prazo, uma entidade haja executado obras, fornecido bens ou prestado serviços a título gratuito à entidade adjudicante. Este artigo procura assim promover a alternância dos agentes económicos no acesso ao mercado público, vinculando o ente público a uma alternância de carácter obrigatório.
            Vieira de Almeida destaca nesta limitação do 113º CCP uma concretização dos princípios gerais da actividade administrativa (em concreto, dos princípios próprios da contratação pública, designadamente a igualdade de tratamento, concorrência, transparência e imparcialidade). Procura-se, sobretudo, evitar parceiros privilegiados e a emergência de relações de dependência ente o ente público e a empresa em causa.
            A questão assume, todavia, contornos peculiares, uma vez que um procedimento caracterizado, na sua essência, pela liberdade de escolha, é depois dobrado por limitações exigentes, baseadas nos princípios supra referenciados, que poderão em certos cenários estar a debilitar a prossecução óptima do interesse público, ao impedir a escolha pelo ente adjudicante da melhor empresa, em nome da alternância económica. Este paradoxo, refira-se, será sempre difícil ultrapassagem, precisamente porque encontramos no seu âmago um conflito de princípios típicos da função administrativa: optimização da prossecução do interesse pública versus garantias de igualdade, transparência e de um mercado concorrencial. Optar pelo primeiro implica, desde logo, perpetuar as tais situações de empresas privilegiadas e relações de dependência, bem como fornecer um mecanismo legal para “contornar” o princípio da imparcialidade; optar pelas limitações rígidas, um pouco nos termos do já consagrado no 113º CCP, pode pôr em causa a prossecução eficiente e eficaz do interesse público, ao impedir a entidade adjudicante de favorecer a empresa que, para determinado projecto, oferece de facto as melhores condições e preços, pela simples razão de já ter sido escolhida em anos recentes.
            Uma outra questão levantada por Miguel Raimundo prende-se com a conformidade do regime decorrente do 113º CCP com o Direito da União Europeia. Sendo a política comunitária particularmente focada no funcionamento eficiente das empresas, favorecendo a liquidação das que se revelarem ineficiente, ao impedir-se o ente público de contratar com as melhores pode-se estar a perpetuar um prolongamento artificial (porque baseado em contratos públicos) de pessoas colectivas que, de outra forma, já haveriam desaparecido no mercado. O Autor afirma mesmo que o 113º acaba por se revelar “mais papista que o papa”, acabando por distorcer a própria ideia de concorrência que procura proteger.
            Face ao exposto, faz assim todo o sentido promover no 113º/2 CCP uma interpretação mais restrita, para assegurar a coerência com as orientações comunitárias e a defesa da optimização da prossecução do interesse público. Ou seja, e de novo com Miguel Raimundo, à entidade adjudicante estará vedada a possibilidade de fazer um convite individual à entidade na situação do citado artigo, mas nada obstará que o faça em conjunto com outras, para apresentar a proposta em ajuste directo.
Esta é, de resto, a solução que melhor conjuga uma política de contratação assente no factor qualidade-preço com o respeito pelos principais princípios da actividade de contratação pública.
                

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