terça-feira, 14 de maio de 2013

O relevo do silêncio da Administração; a condenação à prática de acto devido


A acção de condenação à prática de um acto devido traduz-se numa acção administrativa especial. Tem como finalidade a possibilidade de o particular obter a condenação da entidade administrativa no sentido de praticar um determinado acto administrativo, ilegalmente omitido ou recusado. Tudo isto, dentro de um determinado prazo. Encontramos esta solução no artigo 66.º nº1 do CPTA.
Os seus pressupostos, encontramo-los nos artigo 67.º do mesmo diploma. A saber: apresentação do requerimento que constitua o órgão competente no dever de decidir, não tendo sido proferida a decisão no prazo legalmente estabelecido (alínea a)); a recusa da prática do acto devido (al. b)) e por fim, a recusa da apreciação dirigida à prática do acto (al. c))

No caso de existir um indeferimento expresso do acto requerido pelo particular, não há necessidade/possibilidade de intentar o recurso de anulação. Tal via de reacção será para além de inútil, inexistente, devendo passar-se a uma acção condenatória.
Com o pedido de condenação à prática de acto devido, quando procedente, permite-se ao particular conseguir a eliminação do acto de indeferimento do ordenamento jurídico, assim como a condenação da Administração à prática do acto legalmente exigido. Assim, face a um “não” da Administração, deverá existir um “sim”, eliminado o “não” anterior.
A condenação à prática de acto devido substitui a pronúncia anulatória, não podendo sustentar-se mais que o indeferimento ainda subsiste.
Na alínea c) do artigo 67.º estamos perante uma recusa de apreciação do requerimento dirigido à prática do acto administrativo. Cabe demonstrar que difere da situação da alínea a) do mesmo artigo, onde se verifica apenas uma omissão. Para que tal inércia seja relevante, é necessário um dever de decidir, uma obrigação de o fazer, de dar uma resposta, segundo a lei. O artigo 9.º do CPA, abrange, situações de incumprimento por parte da Administração do dever de decisão, quando accionada pelo particular. 
Será importante citar o seu número 1 “Os órgãos administrativos têm, nos termos regulados neste código, o dever de se pronunciar sobre todos os assuntos da sua competência que lhes sejam apresentados pelos particulares e, nomeadamente:
a) Sobre os assuntos que lhes disserem directamente respeito;
b) Sobre quaisquer petições, representações, reclamações ou queixas formuladas em defesa da Constituição, das leis e do interesse geral.”

Até aqui, a solução passaria pelas figuras dos artigos 108.º e 109.º do CPA, do deferimento e indeferimento tácito. Não podemos prosseguir sem ter em conta do que falamos: o relevo do silêncio por parte da Administração.
O silêncio da Administração é entendido como a ausência de uma decisão expressa da Administração relativamente a uma petição, dirigida por um particular. Tem a sua matriz no Direito francês e está relacionada com o sistema contencioso Administrativo fundado na regra da decisão prévia.
O silêncio poderá ter dois significados, o deferimento ou o indeferimento. A primeira situação está prevista no artigo 108.º do CPA, consagrando situações em que o silêncio resulta de uma decisão favorável. O seu n.º3 contém um elenco taxativo, mas note-se, sem prejuízo do disposto em lei especial. Já do artigo 109.º resultam situações em que do silêncio resulta um indeferimento tácito. O professor Marcelo Rebelo de Sousa considera que estamos numa situação de silêncio juridicamente relevante e não de um acto. É importante ter ainda em conta que os artigo 108.º e 109.º não se contradizem, o 109.º é especial face ao 108.º.
O deferimento tácito deve ser visto como um ficção de que o silêncio administrativo equivale a um acto positivo, favorável à pretensão do particular. Tal é aplicável a situações em que o legislador entende que a regra é a da concessão da pretensão. Se considerarmos que este ainda subsiste, não terá razão de ser, neste caso, a acção de condenação à prática de acto devido, pois o efeito pretendido pelo particular, o dito “sinal verde” para a sua actuação, estará na presunção legal de deferimento tácito.
Quanto à figura do indeferimento tácito, será sempre aplicada quando haja um incumprimento pela Administração do dever geral de decidir que a lei especial não qualifique como deferimento tácito, ou seja, que caiam nas regras do indeferimento tácito. Assim sendo, o silêncio da Administração, quando convocada a decidir e extinto o prazo de decisão legalmente previsto, é valorizado como uma recusa da pretensão do particular.
O novo CPTA põe esta figura em causa, face à previsão na lei ordinária da acção de condenação da Administração em actos legalmente devidos, pois esta nova acção vem responder às necessidade dos indeferimento tácito (51.º nº4 e 71.º1 do CPTA).

Outra questão a ter em conta, será a dos prazos, artigo 69.º o primeiro prazo diz respeito ao tempo legalmente permitido à Administração para responder ao particular; o segundo prazo dirá respeito ao tempo permitido para intentar a acção. O prazo da Administração é, sem prejuízo de regra especial, de 90 dias, tal como dispõem os artigos 109.º e 72.º do CPA. O segundo prazo referido, é de um ano a contar do termo do prazo legal estabelecido para a emissão do acto ilegalmente omitido (69.º nº1 CPTA).

Até ao momento, a comunidade jurídica, numa situação de silêncio da Administração, estava forçada a ficcionar a existência de um acto tácito como única via de reacção contra essa mesma inércia.
Torna-se possível agora, uma outra via judicial.
Deverá entender-se que o artigo 109.º foi derrogado, tácita e parcialmente, devendo ser interpretado de forma a que a falta de decisão administrativa permita ao interessado a possibilidade de lançar mão do meio adequado à satisfação dos seus interesses. No entanto, apesar da esmagadora maioria da doutrina nacional ter concluído pelo desaparecimento da figura do indeferimento tácito, o Supremo Tribunal Administrativo veio contrariar esta posição, em 2004, quando afirma que “nada impede que, ao lado do regime geral, a lei consagre, para casos pontuais, algumas excepções de formação de indeferimento no procedimento, desde que se mostre necessário à eficácia e prontidão das decisões a proferir em matéria, garantindo a segurança jurídica, a efectividade da tutela e quando dirigidos à obtenção de valores superiores aos sacrificados”. Assim, acabou por ficar aberto um caminho a “regimes especiais” de indeferimento tácito.
Situação bastante complexa para os particulares, uma vez que, perante o silêncio da Administração, estes ficarão em dúvida, se se estará ou não perante um “regime especial”. Posto isso, poderão mesmo vir a perder acções, pela consequente intempestividade, atendendo à grande diferença entre os prazos: o direito de acção caduca no prazo de um ano, ao passo que, havendo indeferimento, o seu prazo é de três meses.

Maria Joana Martins Rodrigues
nº22093

Sem comentários:

Enviar um comentário