terça-feira, 21 de maio de 2013

Alegações iniciais do Ministério Público


Na sequência do que há muito vinha sendo noticiado acerca da obtenção do grau de Doutor do Senhor Ministro da Defesa, Michael von Grass da Silva, a Inspecção-Geral da Educação e Ciência procedeu a uma investigação ao processo de avaliação do aluno, da Universidade Lusitânia Expresso, enviando o respectivo relatório para o Ministério da Educação.
O Ministério da Educação, por sua vez, analisou as provas documentais referentes a um alegado plágio no conteúdo da tese de doutoramento, da atribuição de créditos à quase totalidade das cadeiras e ainda a atribuição da classificação a uma cadeira que não seguiu a forma escrita como dita o Regulamento da Universidade Lusitânia Expresso. 
Deve proceder-se a uma interpretação restritiva do artigo 134.º/ 2 do Código do Procedimento Administrativo, apoiada por toda a doutrina, deste modo,  a nulidade é invocável por qualquer órgão administrativo com competência revisiva, competência que o Ministro da tutela, isto é o Ministro da Educação, não tem. De facto, o Ministro da Educação não tem competência revogatória, isto é, tutela revogatória sobre as Universidades. O processo foi, assim, remetido ao Ministério Público. Posto isto, e ainda em sede de considerações iniciais, compreende-se que seja atribuída a autonomia pedagógica, científica e cultural às instituições de Ensino Superior Privado, como previsto no artigo 143.º /3 e 4 e no artigo 11.º/3 da Lei 62/2007, de 10 de Setembro (RJIES) que fixa o Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior. No entanto, esta autonomia não impede que possa haver lugar a fiscalização governamental nos termos do artigo 11.º/5, fiscalização esta prevista nos artigos 148º e 149º, nem a acreditação e a avaliação externa prevista no artigo 147.º da mesma Lei.
Quanto ao plágio, verifica-se a existência do mesmo, visto que  Michael von Grass da Silva apresenta uma obra intelectual como sua, apesar de serem notórias as páginas transcritas de obra alheia, também ela tese de doutoramento, sem colocar os créditos para o autor original. O plágio é um crime, previsto no Decreto-Lei 63/85, de 14 de Março, mais concretamente nos artigos 10.º/3, 60.º e seguintes, artigos 76.º e 77.º, bem como artigo 202.º; e no Código dos Direitos do Autor e Direitos conexos: artigos 196.º e 197.º.
Face ao exposto, o Ministério Público decidiu chamar a depor a autora da obra plagiada, a Senhora Maria Inês de Albuquerque, que no seu testemunho afirma: “Para concluir o meu doutoramento tive de fazer uma tese, a qual me levou três anos a terminar, três anos de pesquisa e estudo. Considero este plágio, como qualquer outro, inadmissível. Apesar das conclusões do trabalho serem divergentes, existem imensas páginas que foram plagiadas integralmente, razão pela qual o Sr. Ministro deverá sofrer as consequências de tal ato.”
No que respeita à parte escolar, as investigações deram também conta de que Michael von Grass da Silva obteve créditos através do reconhecimento da actividade profissional que desempenha na Administração Pública a quase todas as cadeiras, exceptuando uma. De facto, e após a análise ao  Regulamento da Universidade, este admite a concessão de equivalências, não fixando nenhum limite expresso. Este dita que, as equivalências  “poderiam ser concedidas, desde que sem pôr em causa os procedimentos curriculares e por decisão do Director”. Entende-se, naturalmente, que as referências profissionais são uma mais-valia que enriquecem o conhecimento, mas não se podem substituir na sua quase totalidade à realização das disciplinas pelo método convencional, dado que, poderá mesmo comprometer e pôr em causa os procedimentos curriculares.
Quanto a este facto estão em causa os seguintes princípios: princípio da igualdade e da proporcionalidade, previsto no artigo 5.º/ 1 do Código do Procedimento Administrativo e 266.º/2 da Constituição da República Portuguesa, e ainda o princípio da boa-fé, previsto no artigo 6.º-A do CPA; O primeiro princípio traduz-se na obrigação de dar tratamento igual a situações que sejam juridicamente iguais, e a obrigação de dar tratamento diferenciado a situações que sejam juridicamente diferentes. O segundo princípio em causa, que se enquadra no primeiro, traduz a ideia de limitação do excesso, de modo a que o exercício dos poderes, designadamente discricionários, não ultrapasse o indispensável à realização dos objectivos públicos. Por último, o terceiro princípio remete a Administração Pública para um padrão ético de comportamento na sua relação com os cidadãos, agindo de forma correcta, leal e sem reservas.
Sendo que a situação do Ministro não é juridicamente diferente, há a violação destes princípios que, neste caso se verifica especialmente quanto a facto de o Ministro ter obtido mais equivalências do que a sua colega de curso chamada a testemunhar, e quanto a todos os alunos que seguem seriamente as regras da Universidade.
A testemunha em causa, Maria Vê Tudo afirma que: "(...) sou aluna da Universidade Lusitânia Expresso, na qual frequento o curso de Administração Pública, inclusive sou colega do senhor Michael von Grass da Silva. Mas o que me deixa profundamente revoltada é o facto de tal como o senhor Michael, também eu desempenho uma actividade na Administração Pública, a qual me possibilita a equivalência a algumas cadeiras e tal não ter acontecido. Sinto que existe alguma discriminação e desigualdade entre os alunos e como tal pretendo ver esclarecida esta situação colaborando para a obtenção da verdade!"
Para além do testemunho da referida colega, Maria Vê Tudo, apresentamos ainda como prova um documento assinado pelo Director da Universidade, no qual recusou expressamente conceder tantas equivalências, alegando que, embora a experiência profissional seja muito importante, não contempla outras conhecimentos que também são essenciais, o quais requerem estudo e pesquisa. Apresentado o testemunho e a prova, a pergunta que se impõe, é a seguinte: o porquê de o Senhor Director perante dois alunos em igualdade de circunstâncias, o Senhor Ministro e a Senhora Maria Vê Tudo, tomar decisões tão distintas, sendo que ao primeiro lhe concede a maioria das equivalências e à  segunda recusa atribuir-lhe o mesmo número?
Uma outra ocorrência em causa prende-se com o facto do aluno, entenda-se o Senhor Ministro, se ter submetido a exame oral à única cadeira em que não obteve equivalência, quando o Regulamento da Universidade Lusitânia Expresso exigia a realização de um elemento escrito de avaliação. Quanto a esta situação, destacamos duas questões. Convém analisar, em primeiro lugar, o argumento do Senhor Ministro, que alega um braço partido como justificação para a prestação por via de um exame oral. Apesar de o Regulamento da Universidade não prever avaliações obtidas através da realização de provas orais, contudo, devido ao estado de saúde em que se encontrava, o Director da Universidade abriu a excepção de, o referido aluno poder ser avaliado por meio de prova oral. Mas, tendo em conta que a mesma foi realizada por um professor que é colega de gabinete do Senhor Ministro, o problema que se coloca é saber se este facto não influenciou o desenvolver da prova, bem como a nota por ele obtida.
Entendemos que este facto viola o princípio da igualdade, na medida em que se traduz no tratamento diferenciado que beneficia um aluno relativamente aos restantes. Advertimos que, o próprio Regulamento deveria prever estas situações e fixar um regime excepcional. Entendemos assim, que ao apresentar atestado médico ou prova semelhante que demonstrasse a sua falta de capacidade de escrita temporária, deveria em vez de realizar a título excepcional a prova oral, apresentar-se a exame escrito em época excepcional, ou também chamada de coincidências tal como os restantes alunos. Em segundo lugar, uma vez que,  Michael von Grass da Silva é avaliado por um antigo colega de gabinete, verificamos aqui a violação do princípio da justiça e da imparcialidade, previsto no artigo 6.º, 2º / 5 do CPA e 266.º/2 CRP, que impõe que a Administração Pública actue de forma isenta e equidistante relativamente aos interesses que estejam em confronto ou que sejam postos em causa em resultado da sua actividade. A Administração deve prosseguir apenas o interesse público e abster-se de ter em conta outros interesses, seja de quem e de que natureza for. Nos termos do artigo 48.º/1 alínea d) CPA, o Professor que procedeu à avaliação do Ministro em exame oral devia ter pedido dispensa de intervir no procedimento, uma vez que se verifica circunstância que permite concluir que se possa razoavelmente suspeitar da sua isenção ou rectidão. Deveria ter sido feita uma declaração de suspeição, seguida da substituição do professor em questão com base no disposto no artigo 50º CPA, que remete para o regime do impedimento, mais precisamente para o artigo 45.º nº3 CPA.
Tendo em conta o supra referido, a universidade incorre numa falta disciplinar grave, com base no disposto no artigo 51º nº2 CPA.
Considera-se que, o acto de avaliação do aluno encontra-se inquinado por violação de lei por falta de elementos essenciais, neste caso violação de normas regulamentares, que gera nulidade, integrando a previsão constante da cláusula geral do artigo 133º nº1 do CPA. Aplica-se também o artigo 134º do CPA, referente aos actos nulos, não produzindo efeitos ab initio, nos termos dos artigos 137º, nº1 e 139, nº1, a).
Relativamente ao prazo, entende-se que as situações ocorridas não se convalidaram. Um acto nulo pode ser impugnado a todo o tempo, isto é, a sua impugnação não está sujeita a prazo, nos termos do artigo 134.º número 2 do CPA. O decurso do tempo não permite a superação da nulidade ou a consolidação do acto nulo na ordem jurídica. Nesta medida, o discente não vê concluído o seu grau de Doutor no curso de Administração Pública, por falta de créditos necessários.
Por outro lado, no que toca à questão da investigação realizada pela Inspecção-Geral da Educação e Ciência, o Senhor Ministro alega que esta é ineficaz por não ter sido previamente ouvido. Tendo em conta a razão invocada pelo Ministro, está em causa analisar a questão da audiência prévia, uma das fases do procedimento administrativo prevista nos artigos 100º a 105º do CPA. Antes de avançarmos para desenvolvimentos e conclusões ao nível do caso concreto, é importante ter presente que, a audiência prévia ou dos interessados, é umas das fases mais importantes do procedimento administrativo, na medida em que, assegura aos interessados no procedimento o direito de participarem e serem ouvidos antes da tomada de qualquer decisão que lhes diga respeito. Traduz dois princípios muito importantes presentes no CPA são eles, o princípio da colaboração da Administração com os particulares, vertido no artigo 7º, nº. 1, alínea b); e o princípio da participação presente no artigo 8º do referido código. Para além disto, nos termos do artigo 267º nº.5 da CRP, a audiência prévia é também assegurada a nível constitucional o que reforça a importância desta fase do procedimento.
De acordo com o artigo 100º nº.1 do CPA, a audiência dos interessados ocorre normalmente finda a fase da instrução, e salvo o disposto no artigo 103º, o qual prevê os casos em que a audiência dos interessados pode não ocorrer ou pode ser dispensada pelo órgão instrutor. Assim sendo, após a análise detalhada de todo o regime da audiência prévia, verificamos que face ao caso concreto, não está em casa nenhuma das razões de inexistência ou dispensa presente no referido artigo 103º. Ainda assim, não é razão para o Senhor Ministro, Michael von Grass da Silva, invocar a ineficácia da inspecção realizada por alegada preterição desta fase do procedimento, isto porque, conforme referimos em cima, e tal como resulta do próprio CPA, a audiência dos interessados ocorre antes da decisão final, com isto queremos dizer que no caso concreto, o Senhor Ministro Michael, também será ouvido antes da decisão final acerca da obtenção ou não da declaração de nulidade do seu doutoramento. Não obstante tudo o que acabámos de referir, é preciso ter em atenção o momento em que nos encontramos no processo, que é ainda de investigação e análise de todos os factos e circunstâncias, mais concretamente de inspecção à Universidade Lusitânia Expresso, o estabelecimento de ensino superior, onde o Ministro obtivera o doutoramento, é esta que neste momento tem de ser ouvida em sede de audiência prévia, formalidade que foi devidamente cumprida.
Nesta medida é de concluir que, a inspecção levada a cabo pela Inspecção-Geral da Educação e Ciência é plenamente eficaz, não tendo sido verificada nenhuma irregularidade no decorrer da mesma, concretamente, a formalidade da audiência prévia não foi violada. Por último, no que respeita ao Ministro, também será cumprida antes da decisão final, pelo que nesta fase, a razão por ele invocada não procede.
O Ministério Público, órgão do sistema judicial encarregue de representar o Estado, exercer a acção penal, defender a legalidade democrática e o interesse Público. E que, no processo penal compete-lhe não só a promoção do processo e a direcção do inquérito, como também elaborar da acusação. Nos termos do artigo 262º do Código do Processo Penal, o inquérito é o conjunto de diligências que têm como finalidade investigar se estamos perante a prática de um crime, bem como apurar os seus agentes, as suas responsabilidades e recolher provas que permitam concluir veridicamente da existência de um crime, tudo isto com a finalidade de submeter ou não o arguido a julgamento.
Face ao caso em questão, apurados todos os factos, e após um processo rigoroso e exaustivo, concluímos pela existência do crime de plágio nos termos do Código dos Direitos do Autor e Direitos Conexos, entre outras irregularidades, nomeadamente: a atribuição excessiva de equivalências ao Senhor Ministro e também o facto de ter sido avaliado oralmente por um colega de gabinete. Com base em todos os factos, testemunhos ouvidos e provas apresentadas, razões de interesse público e de legalidade impõem que o Tribunal declare a nulidade do grau de Doutor do Sr. Ministro Michael von Grass da Silva.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Alegações iniciais - defesa

Coloca-se amanhã em julgamento a justiça do doutoramento reconhecida a Michael Von Grass da Silva, Ministro da Defesa.
O ministro é acusado de ter sido favorecido pela Universidade Lusitânia, não só na atribuição de equivalencias, como também na avaliação da sua prova oral. O ministro é ainda acusado de ter plagiado a sua tese de doutoramento.
No seguimento das alegações iniciais, cabe-nos demonstrar que Von Gross, procedeu sempre de boa fé e conforme a lei, sendo ele vítima de inúmeras e infundadas criticas por parte dos media.
Primeiramente a atribuição de equivalências deve-se “não só pelo curriculum do ex-ministro, como pela aplicação e trabalho árduo que ele demonstrou em toda a sua vida profissional.

Uma vez que o DL 74/2006 relativo aos "Graus Académicos e diplomas de ensinosuperior", no seu art. 45º/1/c que habilita a possibilidade de concessão de créditos com base na experiência profissional nada refere quanto a limitações, remetendo até o procedimento para os órgãos do estabelecimento do ensino superior, o doutoramento do Ministro não se encontra ferido de qualquer ilegalidade - é uma decisão predominantemente discricionária. 

A Universidade, à luz da margem de livre decisão, esboçou um regime de concessão de créditos dependente de decisão do director, que, certamente valorizando a experiência do Ministro em sede de Administração Pública, favoreceu a atribuição da maioria dos créditos.

Cumpre realçar, ainda, que o doutoramento constitui, pela sua natureza, um reconhecimento pelo mérito e capacidades do doutorado na área - como o comprovam, aliás, os doutormentos honoris causa, atribuídos mesmo a não licenciados ou a personalidades fora da área em causa.
Ora, tendo o Ministro se licenciado e mestrado com todo o sucesso e transparência e ainda chegado ao cargo de Ministro - um dos mais prestigiados cargos na Administração Pública - faz todo o sentido valorizar o seu currículo no processo de doutormaneto na própria área de Ciência da Administração Pública.

Pôr em causa a integridade do processo equivale a pôr em causa os méritos profissionais do próprio Ministro, manchando a sua imagem pública e desacreditando o perante os cidadãos, numa altura em que, exercendo um cargo ministerial, precisa de todo o apoio e consenso.

A defesa argumenta ainda que Von Gross nunca foi ouvido e não teve direito a contar a sua versão da história, direito esse que consiste na audiência prévia dos interessados,e é um direito fundamental dos particulares, consagrado expressamente no Código do Procedimento Administrativo, nos artigos 100º e seguintes. É um direito que encontra protecção constitucional no artigo 267º, nº 5, da nossa Constituição.

Como tal, não se compreende o porquê do Ministro Michael Von Grass da Silva não ter sido chamado nem ter a oportunidade de se pronunciar face à inspecção que foi conduzida pelo IGEC, na sequência de um forte ataque pessoal lançado pela comunicação social. O Ministro Michael Von Grass da Silva tem de ser considerado um interessado nos termos dos artigos 52º e 53º do CPA. É evidente que deveria ter sido ouvido, e a falta de audiência prévia vai resultar na preterição de uma formalidade essencial. Importa referir que para além de ser uma formalidade essencial, a audiência prévia é um direito fundamental e o facto de não ter sido levada a cabo comporta a invalidade da decisão.

Não se verificam nenhuma das situações decorrentes do artigo 103º do CPA, logo não poderia haver inexistência ou dispensa da audiência prévia dos interessados. Estamos perante uma situação na qual se preteriu uma formalidade essencial e se colidiu com um direito fundamental do Ministro Michael Von Grass da Silva, que tinha o direito constitucionalmente protegido a ser ouvido. A Administração Pública deve-se reger pelos princípios da colaboração pelos particulares e de participação (artigos 7º e 8º do CPA) que neste caso foram claramente contornados, através da inexistência de audiência a que o Ministro Michael Von Grass da Silva tinha direito.

No seguimento deste raciocínio atentemos à conduta da IGEC aquando da inspecção por si levada a cabo na ULE:
Tendo esta identificado várias irregularidades, estanha-se o facto de as suas acções se resumirem à declaração de nulidade de grau de Doutor do prezado Dr. Von Grass da Silva; tal cenário constitui o expoente máximo da campanha que tem sido construída contra o ex-Ministro da Defesa e levanta sérias dúvidas quanto às reais motivações da IG. A IGEC deve zelar por um melhor ensino superior que só é possível com um funcionamento exemplar de todas as universidades, porém nem a inspecção nem a declaração de nulidade demonstraram visar a garantia destes valores, tendo apenas o intuito de prejudicar um único indivíduo, o que consubstancia um evidente desvio de poderes do interesse público para um outro interesse que carece até à data de esclarecimento.
A IGEC alega que foram sobretudo alguns elementos formais que estiveram na base da declaração de nulidade do grau de Doutor de MvGdS. Se nos pasma que seja sequer posta em causa a validade do referido grau, mais perplexos ficamos ainda com o desvalor jurídico considerado. Não sendo taxativo, o elenco do n°2 do art. 133º do CPA é ainda assim bastante claro quanto às situações passíveis de nulidade. De forma alguma conseguimos sequer aproximar a situação em causa daquelas que o referido art. apresenta, ficando aqui mais uma questão a dirigir à IG.
A defesa acrescenta que ainda que o acto de atribuição do grau de Doutor fosse anulável, (pois já foi provado anteriormente que nao poderá ter como desvalor a nulidade) este só poderia ser impugnado a pedido do Ministério Público e com fundamento na sua anulabilidade no prazo de 1 ano.
A contagem do prazo obedece ao Codigo de Processo Civil.
A Inspeção-Geral da Educação e Ciência (IGEC) realizou uma inspeção à Universidade Lusitânia Expresso, nos termos dos artigos 148.º e 149.º do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior. No âmbito dessa inspeção, a IGEC, apesar de ter detectado diversas irregularidades em distintos processos, concluiu apenas no sentido da nulidade do doutoramento do Ministro, alegando sobretudo argumentos formais.

Consideramos tambem que a IGEC, ao declarar como nulo apenas o doutoramento do Ministro, apesar de ter detectado outras diversas irregularidades, está claramente a violar o princípio da imparcialidade a que a Administração Pública está adstrita, conforme o artigo 6º do Código do Procedimento Administrativo. 
A Administração Pública deveria ter agido de acordo com critérios próprios, adequados ao cumprimento das suas funções, não deixando o seu julgamento ser toldado pelo facto de o caso do Ministro von Grass ser mais mediático que outros também detectados durante a investigação. Este maior mediatismo do caso von Grass não nos parece um interesse público relevante a considerar, de tal forma que levou a descurar a avaliação dos outros casos.
Desta forma, pensamos que houve a ponderação de um interesse evidentemente parcial, violando esta declaração de nulidade o princípio da imparcialidade, disposto no artigo 6º do CPA e no 266º/2 da CRP.

Quanto às acusações de plágio, que Von Grass foi alvo, embora haja uma transcrição de uma outra tese, a leitura de ambas demonstra que as partes em causa foram utilizadas como premissa para conclusões distintas. A comunidade científica da Administração Pública, nos seus debates e discussões, acaba por se centrar em questões cuja complexidade parte de um consenso em relação a certas matérias, cuja veracidade se dá por comprovada.
Assim, o Ministro ao transcrever excertos da tese do colega de doutoramento está a valorizar o seu respectivo trabalho e a levar o debate mais além, favorecendo uma discussão mais acérrima e rigorosa sobre o tema, como o demonstra o facto de terem chegado a conclusões diferentes. A isto acresce que se o próprio Conselho Científico da Universidade não julgou a tese ferida de qualquer plágio, muito menos caberá a qualquer tribunal, menos apto a entender questões técnicas sobre as lides e a ciência académica, fazê-lo.

Defendemos ainda que a razão da não realização do exame escrito, e, em vez deste, a realização de um exame oral deveu-se à lesão que o ex-ministro teve no braço, e que o impedia de fazer um exame escrito. A prova oral foi realizada não atendendo à pessoa em questão, nem por razões politicas, mas face ao sucedido. E é fácil admitir que perante as circunstâncias tal aconteceria com qualquer outro aluno, não sendo de modo algum violado nem o principio da imparcialidade nem o da igualdade (art 5nº1 CPA e art 13 nº 1 e 2 da CRP), aliás a realização por forma oral é habitual em todos os procedimentos levados a cabo pelo Ministério da Educação para alunos impossibilitados de escrever, como acontece nos exames nacionais.

Conluindo, visto que a actuação do ministro foi sempre realizada dentro dos parâmetros da legalidade, a defesa pretende que o seu doutoramento seja válido. Apelamos ainda que o tribunal não seja influenciado pela forte pressão dos media e tome uma decisão baseada nas verdadeiras questões de facto e direito.

Alegações grupo da Universidade

Caros Colegas, consideremos que ainda estamos na parte da "manhã". Seguem as alegações do grupo da Universiade:

Servem as presentes alegações para, antes de mais, manifestar a nossa perplexidade pela cabala montada contra a prestigiadíssima Universidade que aqui defendemos. Efectivamente, a campanha montada pelos Media, que redundou num clima inaceitável de suspeição e desconfiança para com a nossa boa instituição, não pode ficar sem a justa e merecida resposta.
Nunca pensámos ser possível, num Estado de Direito, ver subvertidas todas as regras básicas de respeito e igualdade. No entanto, e uma vez que estas se viram ferozmente quebradas no âmbito de todo este processo, cumpre-nos a necessária defesa.
Somos uma Universidade que existe em função de uma acreditação que lhe foi atribuída. E, se tal acreditação foi atribuída, isso significa obviamente que cumprimos com todos os requisitos legais para a mesma. Significa que cumprimos, nomeadamente, com o Regulamento nº 504/2009, da A3ES, com o Decreto-Lei nº 74/2006, de 24 de Março, alterado pelo Decreto-Lei nº 107/2008, de 25 de Junho e pelo Decreto-Lei n.º 230/2009, de 14 de Setembro, e que fomos avaliados com base na Lei nº 38/2007, de 16 de agosto. Não é de forma inocente que uma instituição se encontra conforme a todos os requisitos de todos estes diplomas.
O segundo ponto que pretendemos trazer à colação, e vincada a credibilidade da instituição que temos a enorme honra de representar, é entender no que consiste isso de ser uma Universidade. Nos termos do artigo 76º, nº2 da Constituição da República Portuguesa, as Universidades gozam de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira. No mesmo sentido dispõem os artigos 11º, 73º, 74º e 75º da lei nº 62/2007, de 10 de Setembro. Ou seja, à Universidade, uma vez acreditada (isto é, uma vez que lhe foi conferida legitimidade para tal), compete definir o modelo que aplica ao seu plano de estudos, e que procedimentos segue para a atribuição dos graus que lecciona.
Isto dito, cabe partir para a desmontagem das falácias argumentativas que têm pairado na comunicação social, e nos fóruns de opinião.
Desde logo, a famigerada questão das equivalências. Pasma-nos que, à luz da autonomia pedagógica e científica que nos protege, se questione o porquê de serem atribuídas, a um Ministro, equivalências no âmbito de um curso de Administração Pública. Acrescentaríamos até que foi um privilégio para a Universidade poder albergar num curso dessa natureza um aluno com contacto directo e experiência quotidiana nos temas leccionados. Também nesse âmbito, acrescentamos que existe no nosso regulamento discricionariedade quanto à decisão de atribuir ou não os créditos. Cremos, à luz da mesma, que as atribuições que fizemos ao Ministro se situam na zona indefinida do conceito de “sem pôr em causa os procedimentos curriculares e por decisão do director”, isto até tendo em atenção ao quão enriquecedor foi, para os demais colegas, ter a experiência do Ministro como inspiração para a melhor compreensão dos conteúdos.
É ainda a já recorrentemente citada autonomia de que dispomos, que preside ao critério de atribuição de mais ou menos equivalências a uns e outros alunos. Cremos que em nada compromete os “procedimentos curriculares”, especialmente atendendo à vasta experiência do Ministro (olhando com redobrada atenção ao facto do curso em causa ser de Administração Pública), o facto de a um colega seu terem sido atribuídas menos equivalências. No entanto, e porque pugnamos por uma total transparência de todo o processo, questionámos o Reitor da Universidade, que nos assegurou que após consulta de várias opiniões de prestigiados professores da casa, considerou que, efectivamente, inexistiam motivos para considerar em termos idênticos a experiência do Ministro e a do seu colega, e isto atendendo especialmente, sempre, e uma vez mais, ao facto de o curso leccionado ser de Administração Pública.
Esclarecida a temática das equivalências, cumpre analisar a questão da prova oral, realizada em substituição da prova escrita. Efectivamente, o nosso regulamento exige a prova escrita, mas como bem sabemos a lei não pode ser cega, e o princípio da igualdade tem também como corolário tratar de forma desigual o que é, de facto, desigual. Ora, conforme é do conhecimento geral, o Ministro encontrava-se com o braço direito (nota: o Ministro é destro e não consegue escrever com a mão esquerda) partido, logo, sendo impossível realizar a prova escrita (ver Atestado Médico em Anexo). Assim, e embora conheçamos o princípio da inderrogabilidade singular dos regulamentos, sabemos também, e conforme expõe o Professor Freitas do Amaral, que a Administração não pode contraditar em casos singulares “sem justificação material válida”, ou ainda, na senda da obra do mesmo professor, se a inderrogabilidade singular dos regulamentos se justifica “também por força do princípio da igualdade”, mais um ponto surge a dar-nos razão, visto que o princípio da igualdade, que a nossa Constituição descreve no artigo 13º, é certamente estranho a tratamentos iguais de casos diferentes, e parece-nos indubitável ser esta uma situação clara de “justificação material”.
Já, e por fim, quanto à tese de doutoramento, é importante precisar alguns pontos. Desde logo, o facto de o Ministro ter concluído por uma tese diversa da qual, alegadamente, teria plagiado a sua dissertação. Além do mais o plágio que se verificou não consiste numa reprodução de textos, mas sim no alinhamento de ideias com outros autores, o que é normal em teses de doutoramento. Talvez tenha havido uma convicção de que não seria necessário fazer referência a esses autores por serem demasiado conhecidas as suas ideias. Por outro lado, o conceito de plágio é muito polémico e difícil de provar a menos que sejam longas transcrições de textos sem estarem incluídas em aspas, e mesmo neste caso poderá ter havido uma pequena distracção por parte do Doutor em causa, que não tinha certamente qualquer intenção de plagiar. Para demais é de conhecimento geral que os doutoramentos são apreciados por júris, sempre compostos por jurados de tremendo gabarito e de reconhecido mérito. Ora, certamente que seria de uma tese altamente rebuscada crer que um experiente júri presenciaria um plágio e não o denunciaria, enquanto crime que é, ao Ministério Público (que, curiosamente, apenas manifestou interesse no caso após uma intensa pressão mediática). O júri das provas públicas do doutoramento não reprovou o candidato, nem fez quaisquer referências a deficiências no seu aproveitamento escolar e no conteúdo da tese. O júri é, nesta matéria, soberano e as suas decisões não tem recurso, nem apelo nem agravo.
Há neste caso outra questão de grande importância. O Ministro Michael von Grass da Silva não foi em ouvido em sede de audiência prévia, o art. 100.º , nº1 do CPA é bem claro ao dispor que salvo os casos do art.103.º do CPA no qual este caso não se enquadra, os interessados têm o direito de ser ouvidos antes de tomada a decisão final. O direito à audiência prévia, como direito conferido directamente pela Constituição (art. 266.º, nº 1 e 2 da CRP), é um direito fundamental, como tal inerente à dignidade da pessoa humana. Nos nossos dias, perante a importância da actividade administrativa no quotidiano dos cidadãos, a dignidade da pessoa humana necessita de ser garantida não apenas através do Estado-administração, mediante a consagração de direitos económicos e sociais, mas também através da consideração do individuo como sujeito de direito nas relações administrativas, titular de direitos substantivos e procedimentais. Como direito fundamental que é, a inobservância da audiência prévia, como aconteceu neste caso em que foi violado um direito fundamental do Ministro Michael Von Grass que nem teve oportunidade de defender os seus direitos perante a administração, gera nulidade nos termos do art. 133.º, nº2, alínea d) do CPA. Assim sendo a decisão de declarar a licenciatura nula é, ela própria, nula, pois não foi tomado de acordo com o procedimento participado
Como já foi referido foi tomada a decisão de declarar a licenciatura do Ministro Von Grass da Silva nula, isto após a pedido do Ministro da Tutela, a Inspecção Geral da Educação e Ciência ter realizado uma inspecção à Universidade.
A nulidade, desvalor com maior peso no ordenamento jurídico, encontra-se patente no artigo 133º do Código de Procedimento Administrativo. É-nos dado a conhecer que a nulidade abrange actos aos quais falte um elemento essencial, e no nº2 do artigo em questão temos um elenco taxativo das situações que se encontram sob a alçada do regime da nulidade. Após uma revisão do artigo e por exclusão de partes, vemos que nenhuma das alíneas se aplica ao caso concreto, sendo que a única que poderia suscitar uma maior discussão seria a alínea d), que nos remete para o conceito algo indeterminado de “direitos fundamentais”. Aqui procedemos a uma interpretação restritiva da letra da lei, tomando como base os ensinamentos do professor Freitas do Amaral, que nos elucida para que “direitos fundamentais são aqueles que se ligam à dignidade da pessoa humana”. Ora, aqui este assunto não nos é posto em causa.
Assim sendo, não deveria ter sido requerida pela IGEC a nulidade do acto em causa (vulgo, atribuição do grau de doutoramento), visto que no elenco taxativo no nº 2 do art. 133º do CPA não conseguimos enquadrar a situação em causa.
O que poderíamos ter em causa seria, então, o regime da anulabilidade (artigo 135º do CPA), visto que esta, a priori, regula os casos que não sejam enquadrados no regime mais rígido da nulidade. Contudo, os requisitos para os dois desvalores em causa são diferentes e merecem ser elucidados.
Em primeiro lugar, a questão temporal: a invocação da nulidade não é sujeita a prazos (art. 134º/2 CPA), isto é, é invocável a todo o tempo, não sendo relevante o decurso do tempo; já a anulabilidade, que seria o que era relevante para o caso adjacente, necessita de um determinado período de tempo para ser invocada. Assim, quem pretendesse invocar a anulabilidade do acto perante um tribunal administrativo, teria de respeitar o disposto no art. 58º/2/b do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (que dá-nos o caso da impugnabilidade de actos anuláveis noutros casos que não pelo próprio Ministério Público); ou seja, o acto em causa deveria ter sido impugnado no prazo de 3 meses.
Sendo que tal não foi realizado, somos remetidos para uma convalidação do acto, isto é, para uma situação em que o acto anulável é considerado como válido. Os motivos para a dita convalidação prendem-se com o já dito anteriormente: o prazo para a impugnação de um acto administrativo anulável seria de 3 meses, e os actos em causa já tinham mais de 3 anos (uma vez mais, art. 58º/2/b do CPTA).
Para sustentar a posição defendida da convalidação do acto, remetemos para a tese do professor Freitas do Amaral, visto que este autor admite que o decurso de prazo para a impugnação de actos anuláveis opera a sua sanação, isto é, se um acto anulável não for impugnado dentro dos prazos legais, é convalidado, é tornado “válido” face à ordem jurídica (ao contrário do defendido pelos professores Vieira de Andrade, Vasco Pereira da Silva e Marcelo Rebelo de Sousa, que afirmam que não será possível “fazer desaparecer a ilegalidade do acto” pelo mero decurso do tempo. Contudo, no nosso ver, não será justo que um acto sob o regime do desvalor menos rígido, menos propenso a trazer prejuízos tanto na esfera do particular como na esfera da própria Administração, seja submetido, em termos de sanação, ao mesmo regime da nulidade. Será, portanto, de afirmar que a sanação do acto operará aquando a falta de impugnação em tempo real. Não só pelo disposto na própria letra da lei, como numa tentativa de protecção dos interesses dos particulares e de uma economia processual.
Ao longo deste processo sofremos ferozes críticas, nomeadamente de termos sido pouco regulares, de termos facilitado, através de vícios e ilicitudes por parte desta nossa instituição, a aquisição do grau de Doutor por parte de Michael von Grass da Silva. Assim sendo por todos os danos que estas difamações têm causado à nossa prestigiada Universidade, vimos requerer uma indeminização por esta grave e injusta acusação ao bom nome e reputação desta nobre instituição que é a Universidade Lusitânia Expresso.
Temos em crer que houve, de facto, culpa por parte da acusação que se trata de um caso de responsabilidade subjectiva como passaremos a explicar:
A Inspecção - Geral da Educação e Ciência teve total controlo do acto que estava a tomar ao declarar a ilegalidade da obtenção do grau de Doutor à pessoa singular de Michael von Grass da Silva, através da verificação de irregularidades nesse processo e esse dano à reputação da competência da nossa Universidade não foi provocado nem por causas de força maior nem por uma qualquer actuação irresistível de circunstâncias fortuitas mas sim como facto voluntário dessa Administração.
No artigo 9º/1 da Lei nº 67/2007, temos a qualificação de ilicitude e, como podemos constatar, enquadra-se neste caso pois houve uma ilicitude da qual resultou uma ofensa à nossa Instituição e à nossa reputação perante o público que o artigo 70º do Código Civil claramente protege. Para tal baseamos o nosso raciocínio no artigo 22º da Constituição da República Portuguesa na qual está bem explícito a responsabilização civil do “Estado e demais entidades públicas (…) por acções (…) de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízos para outrem”.
Seguindo a nossa demonstração admitimos a culpa do agente, leia-se da entidade pública da Inspecção - Geral da Educação e Ciência, há pelo menos, presunção de culpa leve como está disposto no número 2 e 3 do artigo 10º da Lei 67/2007, visto ter ocorrido um acto jurídico ilícito.
Relativamente aos danos devemos colocar bem em evidência a dimensão dos mesmos. Uma difamação como esta que ocorreu directamente contra a nossa instituição afectou não apenas a nossa credibilidade de ensino actual como também a passada e, estamos em crer, ainda a futura. Uma reputação universitária demora tempo a construir e nós fomo-nos equipando com os melhores professores a adquirimos os melhores programas de ensino e avaliação para poder oferecer a melhor preparação a quem nos procura e para que esses mesmos se consigam realizar profissionalmente e sejam reconhecidos por isso. Ora, esta anulação de licenciatura veio derrubar toda a nossa estrutura de uma maneira ilícita e sem qualquer legitimidade pois, como já explicamos, nada fizemos para merecer tal acusação, quanto mais sermos penalizados pela mesma.
Concluíndo, visto que a actuação da Inspecção - Geral da Educação e Ciência foi manifestamente adequada para causar todos os prejuízos de que fomos, injustamente, acusados pedimos a condenação dessa entidade pública por esses danos causados à nossa Universidade Lusitânia Expresso.

sábado, 18 de maio de 2013

Poder discricionário da Administração



A Administração está subordinada à lei por força do princípio da legalidade.
A regulamentação legal da actividade administrativa umas vezes é precisa e outras vezes é imprecisa. Quando é imprecisa, não associa à situação jurídica uma única consequência jurídica, mas habilita a Administração a determinar ela própria essa mesma consequência.
Primeiro exemplo: acto tributário – em matéria de impostos, as leis definem tudo. A Administração, aqui, desempenha tarefas puramente mecânicas, até chegar a um resultado que é o único legalmente possível. Ou seja, a Administração fiscal apenas tem de apurar o rendimento da pessoa segundo o método que a lei definir, fazer os descontos legais que a lei determinar e, sobre o montante que daí resultar, aplicar a percentagem correspondente à taxa do imposto em causa.
Trata-se, sem dúvida, de um acto de autoridade, de uma manifestação de poder administrativo, porque é uma decisão unilateral que define o direito no caso concreto, e o define em termos que são obrigatórios, mas é um acto vinculado.
Segundo exemplo: nomeação de um governador civil - De acordo com a disposição legal, o Governo pode escolher qualquer cidadão português. Ou seja, a nomeação é um acto discricionário em bastantes aspectos; no entanto, não o é em todos, porque o governo não pode, por exemplo, nomear estrangeiros.
Neste caso, a lei praticamente nada diz, nada regula, atribuindo uma significativa margem de autonomia à Administração Pública. É esta que tem de decidir segundo os critérios que, em cada caso, entender que são mais adequados à prossecução do interesse público.
Em suma, temos num caso actos vinculados e no outro actos discricionários. Vinculação e discricionariedade são, assim, as duas formas típicas pelas quais a lei modela a actividade da Administração Pública. 

O poder é discricionário quando a lei relega a escolha dos termos do seu exercício para o arbítrio do respectivo titular. Assim, ele deve escolher o procedimento a adoptar em cada caso, consoante o que seja mais ajustado à realização do interesse público protegido pela norma que o confere.
Os actos são vinculados quando praticados pela Administração no exercício de uma instrução legal específica (poder vinculado, poder para praticar aquele acto específico naqueles termos concretos), e são discricionários quando praticados no exercício de poderes discricionários.

 Contudo, em bom rigor não há actos totalmente discricionários, nem actos totalmente vinculados. É por isso que, em relação a um poder em concreto, faz sentido perguntar se ele é um poder vinculado ou um poder discricionário, mas já em relação aos actos da Administração não faz grande sentido perguntar se são vinculados ou discricionários. O que faz sentido perguntar é em que medida é que são vinculados e discricionários?
Nota: Exemplo 1: no caso do acto tributário, a vinculação é quase total, mas mesmo assim ainda há uma pequena zona em que existe discricionariedade: é que a lei dá normalmente um prazo à Administração Pública para praticar esses actos e, dentro desse prazo, a Administração pode escolher livremente o momento (dia/hora) em que pratica o acto.
Exemplo 2: a autonomia conferida ao Governo é bastante ampla, mas a lei estabelece diversas condicionantes, por exemplo: dispõe que a competência para nomear Governadores Civis pertence ao Conselho de Ministros, sob proposta do Ministro da Administração Interna (a competência é sempre vinculada, MESMO nos actos discricionários).

Também o fim do acto administrativo é sempre vinculado. Se o acto for praticado com um fim diverso daquele para que a lei conferiu o poder discricionário, o acto é ilegal. Finalmente, a decisão administrativa tem de respeitar as directivas dimanadas de certos princípios gerais de Direito, que vinculam a actividade da Administração, e que Freitas do Amaral indica como sendo os princípios da proporcionalidade, da igualdade e da imparcialidade.

Quanto à sua natureza, coloca-se a questão de saber se pode o órgão competente escolher livremente qualquer uma das várias soluções conformes com o fim da lei?
A resposta é não. O processo de escolha a cargo do órgão administrativo não está apenas condicionado pelo fim legal, mas também condicionado e orientado por ditames que flúem dos princípios e regras gerais que vinculam a Administração Pública (igualdade, proporcionalidade e imparcialidade), estando assim o órgão administrativo obrigado a encontrar a melhor solução para o interesse público. Ou seja, o poder discricionário não é um poder livre, dentro dos limites da lei, mas um poder jurídico. Portanto, a lei, ao conferir a determinado órgão um poder discricionário, não se satisfará com qualquer escolha que respeite o seu fim. Pelo contrário, antes pretende e espera deliberadamente que seja procurada aquela solução que, ponderados todos os factos e as circunstâncias que apenas in casu podem ser observadas, bem como os imperativos que decorrem dos princípios da proporcionalidade, da igualdade, da boa fé e da imparcialidade, o órgão administrativo tiver por a mais “certa”, a mais adequada, a que melhor serve o interesse público.

Qual o fundamento e o significado deste poder discricionário?
Há casos em que a lei pode regular todos os aspectos e, nesses casos, a actuação da Administração Pública é uma actuação que se traduz na mera aplicação mecânica da lei abstracta ao caso concreto, por meio de operações lógicas de subsunção. Porém, na maioria dos casos, o legislador reconhece que não lhe é possível prever antecipadamente todas as circunstâncias em que a Administração vai ter de actuar, não lhe sendo possível, consequentemente, dispor acerca das melhores soluções para prosseguir o interesse público em concreto.
 Mais ainda, o poder discricionário visa, antes de tudo, assegurar o tratamento equitativo dos casos individuais. Juridicamente, o poder discricionário fundamenta-se, afinal, quer no princípio da separação dos poderes, quer na própria concepção do Estado Social de Direito (enquanto Estado prestador e constitutivo de deveres positivos para a Administração), que postulam uma certa margem de autonomia jurídica.
É a conjugação desta dupla ordem de razões que justifica, pois, uma abertura no grau de densidade das normas, através do qual se confere à Administração competência para assegurar uma melhor adequação da decisão às circunstâncias concretas.
O poder discricionário não é um poder arbitrário, é um poder derivado da lei. O poder discricionário só pode ser exercido por aqueles a quem a lei o atribuir, só pode ser exercido para o fim para que a lei o confere, e deve ser exercido de acordo com certos princípios jurídicos de actuação.
Há meios jurisdicionais para controlar o exercício do poder discricionário. O poder discricionário não é uma excepção ao princípio da legalidade, mas sim uma das formas possíveis de estabelecer a subordinação da Administração à lei.

Quais os aspectos que a discricionariedade pode abranger, na actuação da Administração pública? Qual o seu âmbito? 
Em primeiro, o momento da prática do acto; e antes, a decisão de praticar ou não um certo acto administrativo; a determinação dos factos e interesses relevantes para a decisão; o conteúdo concreto da decisão; a forma e as formalidades; a fundamentação ou não da decisão; a faculdade de apor, ou não, ao acto administrativo condições, termos, modos ou outras cláusulas acessórias.

Por fim, quais os seus limites? Em primeiro, os limites legais e constitucionais. Depois, temos os limites que decorram de auto-vinculação
Contudo, a possibilidade de auto-vinculação da Administração não é ilimitada. A Administração não pode auto–vincular-se com desrespeito peloo artigo 112.º, n.º 5 da CRP. Quer isto dizer que o instrumento normativo através do qual se auto-vincula não pode cumulativamente ter eficácia externa e interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos preceitos legais que conferem um poder discricionário.
Depois, pode haver casos em que a lei queira que a Administração exerça efectivamente caso a caso o seu poder de apreciação das circunstâncias concretas – aqui a auto-vinculação é ilegal.

Como garantir a observância e o respeito pelos limites do poder discricionário?
A actividade da Administração está sujeita a vários tipos de controlos. Por um lado, controlos de legalidade, que podem ser feitos tanto pela Administração, como pelos tribunais. Por outro lado, está sujeita a controlos de mérito, que visam avaliar os motivos pelos quais se praticou o acto, bem como o seu conteúdo, o fim que se pretende atingir com ele, e a sua adequação para prosseguir da melhor forma possível o interesse público em nome do qual a lei concedeu ao autor do acto competência para o praticar. Este controlo só pode ser feito pela Administração.
Podemos, ainda, falar de controlos jurisdicionais (efectuam-se através dos tribunais) e de controlos administrativos (são realizados por órgãos da Administração).

Natureza Jurídica do Acto Administrativo, segundo Freitas do Amaral


A estrutura do acto administrativo é composto por quatro ordens de elementos:

a)    Elementos subjectivos

O acto administrativo típico põe em relação dois sujeitos de direito: a Administração Pública e um particular ou, em alguns casos, duas pessoas colectivas públicas (autorizações ou aprovações tutelares, por exemplo) ou duas pessoas colectivas privadas.
Existem, no entanto, várias excepções a esta regra, como é o caso dos actos administrativos multipolares, direccionados erga omnes, com eficácia em relação a terceiros.(exemplo: classificação de um bem como sendo do domínio público).
Assim, um dos sujeitos que o acto relaciona é uma pessoa colectiva pública que integra a Administração ou, por vezes, uma pessoa colectiva privada titular de poderes de autoridade que com ela colabora.

b)    Elementos formais

Todo o acto administrativo tem sempre necessariamente uma “forma”, isto é, um modo pelo qual se exterioriza ou manifesta a conduta voluntária em que o acto consiste. Não se deve, no entanto, confundir a forma do acto administrativo com a forma dos documentos em que se contenha a redução a escrito de actos administrativos (decreto, portaria, despacho, etc.).
Além da forma do acto administrativo, há, ainda, a assinalar as formalidades prescritas pela lei para serem observadas na fase de preparação da decisão ou na própria fase da decisão. São todos os trâmites que a lei manda observar com vista a garantir a correcta formação da decisão administrativa, bem como o respeito pelos direitos subjectivos e interesses legítimos dos particulares.
As formalidades, ao contrário da forma, não fazem parte do acto administrativo, em si mesmo considerado. No entanto, a lei apenas permite aos particulares atacar contenciosamente a inobservância de formalidades através da impugnação do acto administrativo a que elas respeitem. Por isso, tudo se passa na prática como se as formalidades fizessem parte do próprio acto.

c)    Elementos objectivos: o conteúdo e o objecto.

O conteúdo é a substância da conduta voluntária em que o acto consiste. Fazem parte do conteúdo do acto administrativo: a decisão essencial tomada pela Administração, as cláusulas acessórias e os fundamentos da decisão tomada.
O objecto do acto administrativo consiste na realidade exterior sobre que o acto incide (uma pessoa, uma coisa ou um acto administrativo primário).

d)    Elementos funcionais: Existem três elementos funcionais na estrutura do acto administrativo:
        Causa
É um elemento que tem sido muito discutido na doutrina e sobre o qual não há consenso entre os autores. Para o Professor Diogo Freitas do Amaral, a causa de um acto administrativo é a sua função jurídico-social (vertente objectiva) ou, numa perspectiva, o seu motivo típico imediato (vertente subjectiva).
        Motivos
São todas as razões de agir que impelem o órgão da Administração a praticar um certo acto administrativo ou a dotá-lo de um determinado conteúdo.
        Fim
É o objectivo ou finalidade a prosseguir através da prática do acto.

Ainda dentro da estrutura dos actos administrativos, podemos também distinguir entre:

a)    Elementos
São as realidades que integram o próprio acto, em si mesmo considerado. Dividem-se em elementos essenciais (sem os quais o acto não existe ou não pode produzir efeitos) e elementos acessórios (podem ou não ser introduzidos no acto).

b)    Requisitos
São as exigências que a lei formula em relação a cada um dos elementos do acto administrativo, para garantia da legalidade e do interesse público ou dos direitos subjectivos e dos interesses protegidos dos particulares. Dividem-se em requisitos de validade e requisitos de eficácia.

c)    Pressupostos
São as situações de facto de cuja ocorrência depende a possibilidade legal de praticar um certo acto administrativo ou de o dotar com determinado conteúdo.

Midnight Cowboy

Porque a hora mágica se aproxima, fica aqui uma música inspiradora para os derradeiros instantes.

Vícios do acto administrativo


Quando nos pronunciamos sobre os vícios do acto administrativo, o que está em causa é a forma como a ilegalidade deste é manifestada. No presente, a doutrina portuguesa classifica cinco vícios-tipo susceptíveis de se revelarem nos actos administrativos. São eles: violação de lei; usurpação de poderes; desvio de poder; incompetência; e vício de forma, que merecem uma abordagem individualizada.

Violação de lei:
O próprio significado do termo sugere que este é o vício mais abrangente. Atendendo ao facto de os restantes vícios consubstanciarem também eles grande parte das vezes uma violação da lei, devemos tomá-los como tendo uma relação de especificidade em relação a este, que identificamos subsidiariamente.
Posto isto, o vício de violação de lei englobará aquelas situações nas quais o acto administrativo não se conforme com as imposições legais no âmbito dos pressupostos de facto, do objecto e do conteúdo.

Usurpação de poderes:
Englobam-se neste vício os casos em que se verifica uma violação do princípio da separação de poderes. O exercício da função jurisdicional por parte de um órgão somente habilitado para o exercício da função administrativa traduz o exemplo clássico de um acto viciado de usurpação de poder, sendo que se reconduzem ao mesmo vício o exercício dos poderes legislativo e executivo em semelhantes moldes.

Desvio de poder:
O presente vício resulta da discrepância entre os fins legalmente estipulados para o acto e os fins efectivamente prosseguidos pelo mesmo. Apesar desta definição poder ter uma ampla interpretação, a doutrina tem-se pronunciado pela necessidade do motivo desviante se revelar determinante para a prática do acto, isto é, que sem esse motivo o acto não seria praticado. Ainda dentro deste vício, podemos distinguir entre o desvio para um interesse privado e o desvio para outro interesse público que não o definido para o acto.

Incompetência:
Caem neste vício os actos administrativos praticados por um órgão ao qual não é atribuída a respectiva competência legal.
A incompetência é entendida em duas vertentes, com consequências legais marcadamente distintas. Temos assim, por um lado, as situações de incompetência relativa, nas quais o órgão que pratica o acto, não tendo competência para tal, está inserido na pessoa colectiva à qual cabe a atribuição relativa ao acto praticado. Por outro lado, constituem casos de incompetência absoluta os actos praticados por actos não pertencentes à pessoa colectiva detentora da necessária atribuição, bem como aqueles que evidenciem o exercício de um poder não atribuído no ordenamento jurídico a pessoa colectiva alguma.

Vício de forma:
Havendo regulação quanto à forma e às formalidades que devem acompanhar um acto administrativo, o desrespeito desses requisitos reflecte um vício de forma. São denominados, conforme o caso, de vício de forma por preterição de forma legal ou por preterição de formalidades essenciais.

A identificação dos vícios reveste-se de grande utilidade para a compreensão da invalidade dos actos administrativos, tendo ainda reflexos significativos no apuramento dos desvalores jurídicos (nulidade e anulabilidade) que afectam os diversos casos.
Numa breve observação do art. 133º do CPA, verificamos que o vício de usurpação de poderes conduz automaticamente à nulidade [n°2, a)]; assim como a incompetência absoluta [b)] ou a preterição de forma [f)] e certas formalidades [g)]. Aos demais vícios que se revelem, aplicar-se-á, na falta de estipulação de outra sanção, o regime da anulabilidade do art. 136º, como decorre do art. 135º.

João Pires, n°22047

O percurso e os desafios da Responsabilidade Extracontratual do Estado



O percurso e os desafios da Responsabilidade Extracontratual do Estado

Começámos a estudar em Direito Administrativo II o instituto da responsabilidade extracontratual do Estado, referida também por responsabilidade civil do Estado. A primeira expressão talvez seja mais feliz, no entanto, uma vez que se trata duma figura de Direito Público e não de Direito Privado, como o emprego do termo Civil parece sugerir. No estudo desta figura temos vindo a abordar as suas origens e a forma como se transformou em face dos obstáculos que lhe eram colocados. O caminho percorrido trouxe frutos, como espero conseguir agora demonstrar, mas ainda se colocam alguns desafios que, a serem resolvidos, podem contribuir para uma melhoria do instituto. Para tal é necessário descobrir a teoria por trás do instituto e analisar os seus fundamentos, estudar o regime à luz do tratamento constitucional que lhe é dado e  averiguar quais as suas deficiências para ver que forma pode ser melhorado. 

As construções jurídicas que servem hoje de base à figura não foram estabelecidas da noite para o dia, mas sim trabalhadas ao longo do tempo com uma profunda ligação às ideias segundo as quais o Estado e as suas funções eram conceptualizados em cada momento, tendo ele próprio sofrido um processo de transformação ao longo da História. A teoria que imperava no momento prévio à origem da responsabilidade do Estado era a chamada teoria da irresponsabilidade do Estado, derivada da  ideia do Estado Absoluto no qual o poder, de inspiração divina, se concentrava no monarca e em virtude do qual se definia as relações com os particulares no sentido em que não lhes eram reconhecidos quaisquer direitos face ao Estado, pelo menos direitos que merececem a protecção deste, sendo consequentemente pautado pela ausência de qualquer responsabilidade extracontratual do Estado.  Numa fase seguinte, o Estado Absoluto encontrou um fundamento para o exercício do seu poder diferente do fundamento da origem do mesmo. O monarca já não actuava apenas porque sim, mas com justificação na prossecução do interesse público, ou seja, embora o Rei o fosse por força divina, a Coroa tinha o dever de trabalhar para o bem comum. Mas porque os particulares ainda se encontravam numa posição desprotegida e porque o Estado Absoluto, sendo absoluto, não estava sujeito ao Direito, surgiu a teoria do Fisco, segundo a qual se ficcionaria uma pessoa colectiva de direito privado assumida pelo Estado e chamada Fisco, de modo que apesar da actuação do Estado à margem do Direito os lesados poderiam ser recompensados pelo Fisco, com o qual se relacionariam segundo as regras do Direito Privado, em virtude da dupla personalidade do Estado. Com o aparecimento do Fisco forma-se a dicotomia da “gestão pública” e “gestão privada”, segundo a qual a actuação do Estado seria feita sob a forma de gestão pública quando fosse uma expressão da sua soberania e a forma de gestão privada quando se relacionasse com outros sujeitos como se de um ente privado se tratasse.  O Fisco seria chamado a responder pelos danos causados nos particulares apenas no segundo caso, e quando agisse com culpa. Embora o aparecimento da responsabilidade do Estado seja já uma vitória, mas abriu a porta a uma distinção que ainda hoje subsiste, bem como os problemas a ela subjacentes. Esta construção foi denominada de responsabilidade subjectiva do Estado.
 
O surgimento do Estado Liberal trouxe ideias de limitação ao poder do Estado e protecção dos particulares, pelo que era apenas natural começar a pensar-se na aplicação de algum tipo de Direito Público à responsabilização do Estado. Esta necessidade decorria das incompatibilidades que o Direito Privado tinha com a natureza da pessoa do Estado e a sua actuação. O ponto de viragem foi o caso de Agnès Blanco, muito referenciado por VASCO PEREIRA DA SILVA nas suas aulas teóricas de Direito Administrativo, I e II, e por várias vezes referindo-se a ele como um  caso infeliz, com uma sentença ainda mais infeliz, fruto da infância traumática do Direito Administrativo”. Neste caso, em que a criança de 5 anos foi atropelada por um vagão do Estado, o Tribunal de Conflitos francês determinou que as regras de direito público não eram aplicadas ao Estado mas sim regras especiais, tendo sido assim que o Direito Administrativo afirmou a sua autonomia. Desta forma abriram-se as portas para o aparecimento de uma responsabilidade do Estado pública, formando-se a ideia da culpa do serviço na qual era dispensada a identificação do agente causador do dano, mas bastava um funcionamento anormal do serviço (faute du service) que, segundo PAUL DUEZ, era caracterizado por um mau funcionamento, funcionamento tardio, ou simples inexistência de um serviço da Administração que deveria existir. Isto pautou uma queda da distinção entre gestão pública e gestão privada, mas começou a abranger uma maior amplitude de situações, podendo dizer que foi mais uma vitória para os particulares.

Com o aparecimento do Estado Social, em que se exigia ao Estado que tivesse uma intervenção mais ampla na vida do quotidiano, sobretudo na actividade económica, no seguimento da sua importante função de visar o bem comum. Por outro lado, os próprios particulares começam a controlar a actuação do estado, num processo a que JORGE REIS NOVAIS chama de “estadualização da sociedade e recíproca socialização do Estado”. Mas se o Estado passou  a ter um grau de intervenção maior, o risco de actos lesivos dos particulares aumentou da mesma forma, pelo que surgiu uma nova necessidade de proteger os particulares desses mesmos riscos. Estes fundamentaram a ideia de que a ocorrer danos nos particulares devido a actuações do Estado, impunha-se a este a obrigação de indemnizar por via de uma responsabilização objectiva assente na demonstração de um dano, de uma actuação do Estado, e de um nexo de causalidade entre ambos. Mais uma vez ficou alargado o espectro de domínios em que os particulares teriam os seus danos reparados pelo Estado.
Hoje, o nosso ordenamento jurídico dá importância constitucional à responsabilidade do Estado, estabelecendo no artigo 22º da Constituição  um princípio geral de responsabilidade do Estado: “O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem”. Não só o nosso Direito ultrapassou a necessidade da construção do Fisco, ao admitir a responsabilidade directa do Estado, incluiu também a responsabilidade subjectiva (delitual), por referência À “violação dos direitos, liberdades e garantias”, e a responsabilidade objectiva (ou por facto lícito), por referência ao “prejuízo para outrem”) com valor jurídico constitucional. Esta foi uma grande evolução por si só neste domínio. Contra a inclusão da responsabilidade objectiva manifesta-se RUI MEDEIROS, mas JORGE MIRANDA é claro e convicente na interpretação que faz deste artigo, lembrando que a norma prevê casos em que haja apenas prejuizo para outrem em alternativa à violação de direitos. Esta norma integra a constituição em sentido material (JORGE MIRANDA), e por isso constitui um princípio geral do nosso Estado de Direito, o que representa um progresso significativo.

O desenvolvimento legal deste princípio consitucional era feito, até 2007, pelo DL 48051/67 que dispunha sobre as regras de responsabilidade do Estado no exercío de actividades de gestão privadas, deixando que os actos de gestão privada do Estado se submetessem ao regime do Código Civil, o que introduziu uma dualidade de regimes. Esta construção trazia desde logo dificuldades que decorriam da fluidez dos próprios critérios de delimitação da actuação do Estado. Como distinguir gestão privada de gestão pública? As inseguranças e os problemas desta solução eram óbvias, e a dificuldade de determinação do regime aplicável bem como da competência jurisdicional para julgar os casos, resultava em processos judiciais que duravam décadas a ser decididos, muitas vezes tendo de se atribuir as indemnizações aos sucessíveis do lesado, como referiu o Sr. Professor Vasco Pereira da Silva nas suas aulas teóricas de Direito Administrativo II. Esperava-se que a entrada em vigor do Regime da Responsabilidade Civil do Estado e Demais Entidades Públicas (RRCEC), aprovado pela Lei 67/2007, pusesse fim a esta dualidade, mas a solução encontrada pelo legislador manteve o problema em aberto, ao definir o âmbito de aplicação do Regime de duas formas: uma como “actuação regulada por disposições ou princípios de direito administrativo” e outra como “exercício de prerrogativas de poder público” (art. 1º/2). E assim recomeça a discussão doutrinária, sobre como interpretar esta norma. Sem querer alongar este tema, que já foi tratado noutros artigos especificamente dedicados a isto, a maioria da doutrina defende a manutenção da dualidade de regimes com base na expressão “exercício de prerrogativas de poder público”. Por outro lado, VASCO PEREIRA DA SILVA recorre a uma interpretação extensiva do termo “actuações reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo” para sustentar o fim da dualidade e a aplicação do RRCEC a toda a actividade administrativa. Esta última posição, do Sr. Professor, parece-me mais adequada à protecção dos particulares, em face dos problemas que a dualidade dos regimes, acima analisados, levantam. Este é mais uma evolução do instituto, que apesar de tudo, apresenta ainda dificuldades.

O RRCEC dispõe diferentes regras consoante o Estado actue no exercício da função administrativa, da função jurisdicional, ou da função político-legislativa, sendo com esta que me quero ocupar, devido aos problemas que levanta. O art. 15º prevê uma responsabilidade delitual no exercício da função político-legislativa, exigindo um acto (15º/1) ou omissão (15º/3) ilegais (lato sensu 15º/1 e 2), um dano anormal causado por estes (15º/1) e culpa do Estado, na forma de “omissão de diligências susceptíveis de evitar a situação de ilicitude” (15º/4). Este último pressuposto causa problemas que na responsabilidade por danos decorrentes de outras funções não existe, uma vez que em casos como aqueles em que a Administração pratica actos sem ter competência para o efeito a entidade ou o órgão autor do acto ilegal podem eximir-se da culpa demonstrando que dado a complexidade do ordenamento jurídico bem como o facto de este estar em constante mudança tornam demasiado difícil apurar o quadro legal aplicável. Torna-se ainda mais fácil demonstrar que não houve culpa fazendo referência à escassez de meios dessa entidade, o que significa que muitas vezes, os danos sofridos pelos particulares não podem ser imputados ao Estado. De facto, nenhuma das partes tem culpa, mas coloca-se a questão: não será demasiado injusto que seja o particular a responder pelos danos, quando o Estado tem uma capacidade financeira infinitamente maior (talvez hoje já não tanto, mas ainda assim, considerável) em relação ao particular? Este problema adensa-se quando se tem em conta que não basta a verificação de um dano qualquer para que haja lugar à responsabilidade delitual do Estado. É necessário que seja um dano anormal, o que remete para um critério demasiado fluído, que oscila com tantos factores que chega a causar grandes injustiças comparativas uma vez que o que hoje é anormal amanha pode não o ser. A insegurança e a desprotecção do particular são evidentes, nos casos de responsabilidade pelo exercício de funções político-legislativas, o que torna indispensável uma revisão no sentido de incluir a responsabilidade objectiva, por um lado, e uma modificação do pressuposto “dano anormal”. 

Apesar do caminho percorrido, subsistem ainda problemas a resolver.

Bibliografia:
Direito Público Sem Fronteiras - VASCO PEREIRA DA SILVA
        A responsabilidade civil extracontratual da Administração Pública
        nos sistemas jurídicos brasileiro e português - uma análise comparada

 Tomás Tudela, nº 20658