terça-feira, 21 de maio de 2013

Alegações iniciais do Ministério Público


Na sequência do que há muito vinha sendo noticiado acerca da obtenção do grau de Doutor do Senhor Ministro da Defesa, Michael von Grass da Silva, a Inspecção-Geral da Educação e Ciência procedeu a uma investigação ao processo de avaliação do aluno, da Universidade Lusitânia Expresso, enviando o respectivo relatório para o Ministério da Educação.
O Ministério da Educação, por sua vez, analisou as provas documentais referentes a um alegado plágio no conteúdo da tese de doutoramento, da atribuição de créditos à quase totalidade das cadeiras e ainda a atribuição da classificação a uma cadeira que não seguiu a forma escrita como dita o Regulamento da Universidade Lusitânia Expresso. 
Deve proceder-se a uma interpretação restritiva do artigo 134.º/ 2 do Código do Procedimento Administrativo, apoiada por toda a doutrina, deste modo,  a nulidade é invocável por qualquer órgão administrativo com competência revisiva, competência que o Ministro da tutela, isto é o Ministro da Educação, não tem. De facto, o Ministro da Educação não tem competência revogatória, isto é, tutela revogatória sobre as Universidades. O processo foi, assim, remetido ao Ministério Público. Posto isto, e ainda em sede de considerações iniciais, compreende-se que seja atribuída a autonomia pedagógica, científica e cultural às instituições de Ensino Superior Privado, como previsto no artigo 143.º /3 e 4 e no artigo 11.º/3 da Lei 62/2007, de 10 de Setembro (RJIES) que fixa o Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior. No entanto, esta autonomia não impede que possa haver lugar a fiscalização governamental nos termos do artigo 11.º/5, fiscalização esta prevista nos artigos 148º e 149º, nem a acreditação e a avaliação externa prevista no artigo 147.º da mesma Lei.
Quanto ao plágio, verifica-se a existência do mesmo, visto que  Michael von Grass da Silva apresenta uma obra intelectual como sua, apesar de serem notórias as páginas transcritas de obra alheia, também ela tese de doutoramento, sem colocar os créditos para o autor original. O plágio é um crime, previsto no Decreto-Lei 63/85, de 14 de Março, mais concretamente nos artigos 10.º/3, 60.º e seguintes, artigos 76.º e 77.º, bem como artigo 202.º; e no Código dos Direitos do Autor e Direitos conexos: artigos 196.º e 197.º.
Face ao exposto, o Ministério Público decidiu chamar a depor a autora da obra plagiada, a Senhora Maria Inês de Albuquerque, que no seu testemunho afirma: “Para concluir o meu doutoramento tive de fazer uma tese, a qual me levou três anos a terminar, três anos de pesquisa e estudo. Considero este plágio, como qualquer outro, inadmissível. Apesar das conclusões do trabalho serem divergentes, existem imensas páginas que foram plagiadas integralmente, razão pela qual o Sr. Ministro deverá sofrer as consequências de tal ato.”
No que respeita à parte escolar, as investigações deram também conta de que Michael von Grass da Silva obteve créditos através do reconhecimento da actividade profissional que desempenha na Administração Pública a quase todas as cadeiras, exceptuando uma. De facto, e após a análise ao  Regulamento da Universidade, este admite a concessão de equivalências, não fixando nenhum limite expresso. Este dita que, as equivalências  “poderiam ser concedidas, desde que sem pôr em causa os procedimentos curriculares e por decisão do Director”. Entende-se, naturalmente, que as referências profissionais são uma mais-valia que enriquecem o conhecimento, mas não se podem substituir na sua quase totalidade à realização das disciplinas pelo método convencional, dado que, poderá mesmo comprometer e pôr em causa os procedimentos curriculares.
Quanto a este facto estão em causa os seguintes princípios: princípio da igualdade e da proporcionalidade, previsto no artigo 5.º/ 1 do Código do Procedimento Administrativo e 266.º/2 da Constituição da República Portuguesa, e ainda o princípio da boa-fé, previsto no artigo 6.º-A do CPA; O primeiro princípio traduz-se na obrigação de dar tratamento igual a situações que sejam juridicamente iguais, e a obrigação de dar tratamento diferenciado a situações que sejam juridicamente diferentes. O segundo princípio em causa, que se enquadra no primeiro, traduz a ideia de limitação do excesso, de modo a que o exercício dos poderes, designadamente discricionários, não ultrapasse o indispensável à realização dos objectivos públicos. Por último, o terceiro princípio remete a Administração Pública para um padrão ético de comportamento na sua relação com os cidadãos, agindo de forma correcta, leal e sem reservas.
Sendo que a situação do Ministro não é juridicamente diferente, há a violação destes princípios que, neste caso se verifica especialmente quanto a facto de o Ministro ter obtido mais equivalências do que a sua colega de curso chamada a testemunhar, e quanto a todos os alunos que seguem seriamente as regras da Universidade.
A testemunha em causa, Maria Vê Tudo afirma que: "(...) sou aluna da Universidade Lusitânia Expresso, na qual frequento o curso de Administração Pública, inclusive sou colega do senhor Michael von Grass da Silva. Mas o que me deixa profundamente revoltada é o facto de tal como o senhor Michael, também eu desempenho uma actividade na Administração Pública, a qual me possibilita a equivalência a algumas cadeiras e tal não ter acontecido. Sinto que existe alguma discriminação e desigualdade entre os alunos e como tal pretendo ver esclarecida esta situação colaborando para a obtenção da verdade!"
Para além do testemunho da referida colega, Maria Vê Tudo, apresentamos ainda como prova um documento assinado pelo Director da Universidade, no qual recusou expressamente conceder tantas equivalências, alegando que, embora a experiência profissional seja muito importante, não contempla outras conhecimentos que também são essenciais, o quais requerem estudo e pesquisa. Apresentado o testemunho e a prova, a pergunta que se impõe, é a seguinte: o porquê de o Senhor Director perante dois alunos em igualdade de circunstâncias, o Senhor Ministro e a Senhora Maria Vê Tudo, tomar decisões tão distintas, sendo que ao primeiro lhe concede a maioria das equivalências e à  segunda recusa atribuir-lhe o mesmo número?
Uma outra ocorrência em causa prende-se com o facto do aluno, entenda-se o Senhor Ministro, se ter submetido a exame oral à única cadeira em que não obteve equivalência, quando o Regulamento da Universidade Lusitânia Expresso exigia a realização de um elemento escrito de avaliação. Quanto a esta situação, destacamos duas questões. Convém analisar, em primeiro lugar, o argumento do Senhor Ministro, que alega um braço partido como justificação para a prestação por via de um exame oral. Apesar de o Regulamento da Universidade não prever avaliações obtidas através da realização de provas orais, contudo, devido ao estado de saúde em que se encontrava, o Director da Universidade abriu a excepção de, o referido aluno poder ser avaliado por meio de prova oral. Mas, tendo em conta que a mesma foi realizada por um professor que é colega de gabinete do Senhor Ministro, o problema que se coloca é saber se este facto não influenciou o desenvolver da prova, bem como a nota por ele obtida.
Entendemos que este facto viola o princípio da igualdade, na medida em que se traduz no tratamento diferenciado que beneficia um aluno relativamente aos restantes. Advertimos que, o próprio Regulamento deveria prever estas situações e fixar um regime excepcional. Entendemos assim, que ao apresentar atestado médico ou prova semelhante que demonstrasse a sua falta de capacidade de escrita temporária, deveria em vez de realizar a título excepcional a prova oral, apresentar-se a exame escrito em época excepcional, ou também chamada de coincidências tal como os restantes alunos. Em segundo lugar, uma vez que,  Michael von Grass da Silva é avaliado por um antigo colega de gabinete, verificamos aqui a violação do princípio da justiça e da imparcialidade, previsto no artigo 6.º, 2º / 5 do CPA e 266.º/2 CRP, que impõe que a Administração Pública actue de forma isenta e equidistante relativamente aos interesses que estejam em confronto ou que sejam postos em causa em resultado da sua actividade. A Administração deve prosseguir apenas o interesse público e abster-se de ter em conta outros interesses, seja de quem e de que natureza for. Nos termos do artigo 48.º/1 alínea d) CPA, o Professor que procedeu à avaliação do Ministro em exame oral devia ter pedido dispensa de intervir no procedimento, uma vez que se verifica circunstância que permite concluir que se possa razoavelmente suspeitar da sua isenção ou rectidão. Deveria ter sido feita uma declaração de suspeição, seguida da substituição do professor em questão com base no disposto no artigo 50º CPA, que remete para o regime do impedimento, mais precisamente para o artigo 45.º nº3 CPA.
Tendo em conta o supra referido, a universidade incorre numa falta disciplinar grave, com base no disposto no artigo 51º nº2 CPA.
Considera-se que, o acto de avaliação do aluno encontra-se inquinado por violação de lei por falta de elementos essenciais, neste caso violação de normas regulamentares, que gera nulidade, integrando a previsão constante da cláusula geral do artigo 133º nº1 do CPA. Aplica-se também o artigo 134º do CPA, referente aos actos nulos, não produzindo efeitos ab initio, nos termos dos artigos 137º, nº1 e 139, nº1, a).
Relativamente ao prazo, entende-se que as situações ocorridas não se convalidaram. Um acto nulo pode ser impugnado a todo o tempo, isto é, a sua impugnação não está sujeita a prazo, nos termos do artigo 134.º número 2 do CPA. O decurso do tempo não permite a superação da nulidade ou a consolidação do acto nulo na ordem jurídica. Nesta medida, o discente não vê concluído o seu grau de Doutor no curso de Administração Pública, por falta de créditos necessários.
Por outro lado, no que toca à questão da investigação realizada pela Inspecção-Geral da Educação e Ciência, o Senhor Ministro alega que esta é ineficaz por não ter sido previamente ouvido. Tendo em conta a razão invocada pelo Ministro, está em causa analisar a questão da audiência prévia, uma das fases do procedimento administrativo prevista nos artigos 100º a 105º do CPA. Antes de avançarmos para desenvolvimentos e conclusões ao nível do caso concreto, é importante ter presente que, a audiência prévia ou dos interessados, é umas das fases mais importantes do procedimento administrativo, na medida em que, assegura aos interessados no procedimento o direito de participarem e serem ouvidos antes da tomada de qualquer decisão que lhes diga respeito. Traduz dois princípios muito importantes presentes no CPA são eles, o princípio da colaboração da Administração com os particulares, vertido no artigo 7º, nº. 1, alínea b); e o princípio da participação presente no artigo 8º do referido código. Para além disto, nos termos do artigo 267º nº.5 da CRP, a audiência prévia é também assegurada a nível constitucional o que reforça a importância desta fase do procedimento.
De acordo com o artigo 100º nº.1 do CPA, a audiência dos interessados ocorre normalmente finda a fase da instrução, e salvo o disposto no artigo 103º, o qual prevê os casos em que a audiência dos interessados pode não ocorrer ou pode ser dispensada pelo órgão instrutor. Assim sendo, após a análise detalhada de todo o regime da audiência prévia, verificamos que face ao caso concreto, não está em casa nenhuma das razões de inexistência ou dispensa presente no referido artigo 103º. Ainda assim, não é razão para o Senhor Ministro, Michael von Grass da Silva, invocar a ineficácia da inspecção realizada por alegada preterição desta fase do procedimento, isto porque, conforme referimos em cima, e tal como resulta do próprio CPA, a audiência dos interessados ocorre antes da decisão final, com isto queremos dizer que no caso concreto, o Senhor Ministro Michael, também será ouvido antes da decisão final acerca da obtenção ou não da declaração de nulidade do seu doutoramento. Não obstante tudo o que acabámos de referir, é preciso ter em atenção o momento em que nos encontramos no processo, que é ainda de investigação e análise de todos os factos e circunstâncias, mais concretamente de inspecção à Universidade Lusitânia Expresso, o estabelecimento de ensino superior, onde o Ministro obtivera o doutoramento, é esta que neste momento tem de ser ouvida em sede de audiência prévia, formalidade que foi devidamente cumprida.
Nesta medida é de concluir que, a inspecção levada a cabo pela Inspecção-Geral da Educação e Ciência é plenamente eficaz, não tendo sido verificada nenhuma irregularidade no decorrer da mesma, concretamente, a formalidade da audiência prévia não foi violada. Por último, no que respeita ao Ministro, também será cumprida antes da decisão final, pelo que nesta fase, a razão por ele invocada não procede.
O Ministério Público, órgão do sistema judicial encarregue de representar o Estado, exercer a acção penal, defender a legalidade democrática e o interesse Público. E que, no processo penal compete-lhe não só a promoção do processo e a direcção do inquérito, como também elaborar da acusação. Nos termos do artigo 262º do Código do Processo Penal, o inquérito é o conjunto de diligências que têm como finalidade investigar se estamos perante a prática de um crime, bem como apurar os seus agentes, as suas responsabilidades e recolher provas que permitam concluir veridicamente da existência de um crime, tudo isto com a finalidade de submeter ou não o arguido a julgamento.
Face ao caso em questão, apurados todos os factos, e após um processo rigoroso e exaustivo, concluímos pela existência do crime de plágio nos termos do Código dos Direitos do Autor e Direitos Conexos, entre outras irregularidades, nomeadamente: a atribuição excessiva de equivalências ao Senhor Ministro e também o facto de ter sido avaliado oralmente por um colega de gabinete. Com base em todos os factos, testemunhos ouvidos e provas apresentadas, razões de interesse público e de legalidade impõem que o Tribunal declare a nulidade do grau de Doutor do Sr. Ministro Michael von Grass da Silva.

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