sexta-feira, 17 de maio de 2013


Crítica aos critérios de distinção entre contratos administrativos e contratos de direito privado da administração

No âmbito da distinção entre contratos administrativos e contratos de direito privado da administração, a Doutrina procurou identificar um vasto leque de critérios que evidenciassem as diferenças entre ambos. Contudo, quer pela alteração dos regimes legais em vigor no ordenamento jurídico que vieram a esvaziar esses critérios, quer pela existência já intrínseca de uma "área cinzenta", a distinção em causa veio a mostrar-se falível sobretudo nos casos de fronteira.
O professor Marcelo Rebelo de Sousa elenco-nos alguns dos critérios mais acolhidos pela doutrina, critérios esses que avaliaremos de seguida.

A taxatividade legal dos contratos administrativos: segundo esta orientação seriam considerados contratos administrativos todos (e somente esses) aqueles que a lei expressamente identificasse como tal. Os demais contratos seriam, em sentido inverso, tomados como sendo de direito privado. O critério em causa permitia fazer com clareza a distinção pretendida, proporcionando uma elevada certeza jurídica com grandes vantagens sobretudo ao nível da jurisdição correspondente. Contudo, falamos aqui de uma realidade passada (extinta, aliás, já em 1984), e a sua aplicação no presente seria claramente contrária ao teor meramente exemplificativo que encontramos no Código dos Contratos Públicos.

A natureza dos sujeitos: segundo este critério, são administrativos os contratos em que a administração seja parte e não administrativos os restantes.
Este critério procedeu em tempos, quando não era geralmente aceite a integração de privados na administração pública em sentido orgânico.
No entanto, sendo actualmente aceite esta integração, critica-se esta distinção, pois em consequência da sua aplicação todos os contratos da administração seriam contratos administrativos.
Mesmo chegando a esta conclusão não seria através deste critério, uma vez que a capacidade jurídica de direito privado não é incompatível com a pertença à administração pública, ou com a personalidade jurídica pública.

As cláusulas de sujeição do contraente particular: a adopção deste critério pressupõe a existência, num contrato administrativo, de um conjunto de cláusulas que atribuam ao contraente administrativo poderes superiores ao do contraente particular, ou seja, seriam administrativos os contratos que criassem uma desigualdade nas partes, favorável à Administração. Compreende-se, assim, que tais contratos não poderiam ser de direito privado, uma vez que a sua própria natureza se revelava contrária aos princípios que regem desse Direito. Apontam-se a este critério duas falhas essenciais: por um lado, ele conduz-nos a uma visão já ultrapassada da Administração Pública na qual esta se encontra num plano superior aos demais sujeitos nas suas relações jurídicas; por outro, ignora o facto de grande parte das vantagens concedidas à Administração nos contratos resultar do próprio regime geral aplicável aos mesmos e não de cláusulas adicionadas individualmente a cada contrato.

O regime da sujeição: são administrativos aqueles contratos em virtude dos quais, por força do regime jurídico que lhes é aplicável, o contraente administrativo fica colocado numa posição de supremacia em relação ao seu co-contratante particular. Determinante para a qualificação como administrativo de um contrato seria a aplicação a este dos poderes de autoridade da administração previstos no artigo 302º CCP.
A natureza administrativa dos contratos distinguir-se-ia claramente em relação aos contratos de direito privado, cujo regime legal reconhece a igualdade das partes.
Este critério ultrapassa algumas das dificuldades do critério das cláusulas de sujeição, mas não é satisfatório. Por 3 razões:
- Nem todos os contratos consensualmente considerados como administrativos envolvem necessariamente a potencialidade de exercício de poderes de autoridade por parte da administração sobre o seu co-contratante.
- os poderes de autoridade não são um exclusivo do direito administrativo, sendo a sua existência admissível no regime de determinados contratos de direito privado celebrados entre particulares.
- a determinação do regime aplicável a um contrato é necessariamente uma consequência e não a causa da sua qualificação como administrativo ou de direito privado.

O direito estatutário: aqui tomamos em conta o direito aplicável a cada contrato, sendo, portanto, contratos administrativos aqueles aos quais é aplicado o direito administrativo e contratos de direito privado da administração aqueles aos quais se aplica o direito privado. A questão é, todavia, colocada numa perspectiva de grau, uma vez que, estando ambos os tipos sujeitos ao regime do direito administrativo pelo menos em matéria procedimental, o abdicar desta perspectiva levaria automaticamente a considerar todos os contratos como administrativos. Assim, ao termos de avaliar o nível de sujeição de um contrato ao direito administrativo, deparamos-nos com um critério pouco objectivo que deixaria sempre dúvidas por esclarecer nos casos de fronteira.

O objecto do contrato: são administrativos aqueles contratos que incidam sobre relações jurídicas administrativas; são contratos de direito privado aqueles que incidam sobre relações jurídicas de direito privado. A formulação é aparentemente simples, mas limita-se a substituir o problema de saber o que é um contrato administrativo por saber o que é uma relação jurídica administrativa. Como só seria possível resolver o novo problema com um outro critério, considera-se este insuficiente.

A finalidade do contrato: sendo certo que a administração pública deve prosseguir o interesse público, o critério não se baseia na existência ou não desse interesse, mas na manifestação imediata do mesmo. Teríamos assim, por um lado, os contratos administrativos que reflectiam no imediato o interesse público, e por outro lado os contratos de direito privado nos quais esse mesmo interesse só se vislumbrava num prazo mais largo. Para além de não parecer revestir-se de grande utilidade a aplicação de diferentes ramos do direito pela mera diferença temporal da manifestação do interesse público, estamos perante mais um critério que peca pela sua pouca clareza fruto da larga zona de dúvida que deixa em aberto, prejudicando a segurança jurídica.

O grau de intensidade do interesse público prosseguido: são administrativos aqueles contratos que visem a prossecução do interesse público mais intensamente que os interesses privados com ele eventualmente conflitantes, do que decorre a aplicação de um regime de direito público; são de direito privado aqueles contratos em que o interesse público é prosseguido em termos de paridade com os interesses privados conflitantes, do que decorre a aplicação de um regime predominantemente de direito privado.
Trata-se, no fundo, na aplicação do critério geral de distinção entre os actos de gestão pública e de gestão privada ao domínio da contratação administrativa.
Este critério tem a vantagem de ser aceitável à luz da teoria geral da actividade administrativa. No entanto, culmina num dilema que se aproxima do do critério do direito estatutário, na medida em que toda a actividade administrativa deve necessariamente prosseguir o interesse público, ou este critério conduz em linha recta à qualificação de todos os contratos da administração como contratos administrativos ou, então, tal qualificação depende de uma graduação da intensidade do interesse público concretamente prosseguido, que não é possível aferir com objectividade.

O contexto factual e normativo: da interpretação dos contratos e do seu relacionamento com a realidade na qual se inserem surgiria a possibilidade de lhes aplicar o direito administrativo ou o direito privado, classificando-os então em função disso mesmo. Esta interpretação carece, tal como ocorre em muitos dos outros critérios identificados, de um nível de objectividade suficientemente elevado que marque com clareza a distinção e com isso garanta a segurança jurídica de todas as partes envolvidas.

Em suma, verificamos que, qualquer que seja o critério de distinção adoptado, ou mesmo pela conjugação de vários, será sempre deixado lugar à existência de dúvidas, até por se demostra haver mais pontos de semelhança do que de diferença entre os fictícios contratos públicos e contratos de direito privado da administração. Assim, é natural que a evolução doutrinária aponte cada vez mais para uma convergência dos conceitos que anteriormente se procuravam distinguir, havendo cada vez menos lugar para o debate e cada vez mais uma posição unânime.

João Pires, nº 22047
Tomás Jonet, nº 21930

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