A actuação da Administração, além de todos os benefícios que
efectivamente traga, tanto a particulares como a entes públicos, pode
igualmente causar prejuízos a particulares. Tendo em conta o Princípio do
Respeito pelas Posições Subjectivas dos Particulares, há que haver uma forma de
responder por tais prejuízos, sendo que a forma habitual é através do instituto
da Responsabilidade Civil da Administração.
De acordo com o professor Diogo
Freitas do Amaral, esta consiste na “obrigação de responder a danos causados por
outrem”, isto é, de ressarcir os prejuízos causados através da atribuição de
uma indemnização a determinado sujeito, de forma a reconstituir a situação que
existiria caso o dano não tivesse ocorrido (tal como estipulado, para o Direito
Privado, no artigo 562º do Código Civil).
Atendendo especialmente ao Direito de Regresso, este prende-se
fundamentalmente com a indemnização. Imaginemos o seguinte exemplo: se órgão X
(servidor público), cometer um acto doloso para com um particular no âmbito das
suas funções administrativas, será a Administração responsabilizada
exclusivamente ou em solidariedade com o ente? Se assim for, e se se provar que
o acto for realizado dentro das funções, mas fora de uma conduta lícita e de
boa fé, poderá a Administração exigir uma qualquer forma de ser igualmente
recompensada daquilo que efectivamente pagou ao particular?
Ora, analisemos atentamente os
regimes correspondentes.
O artigo 22º da Constituição
A responsabilidade das entidades públicas tem assento constitucional
no artigo 22º.
Este estipula um princípio da responsabilidade civil do Estado e das
demais entidades públicas, baseando-se num conceito de solidariedade entre os
titulares dos órgãos e os funcionários, seja por acções ou omissões praticadas
no âmbito do exercício das suas funções. Podemos aqui ainda admitir, dado a
falta de elucidação do preceito, que tal se aplica tanto a actividades por
gestão pública ou por gestão privada, e seja por factos ilícitos ou por factos
lícitos que violem a esfera jurídica dos particulares.
Tal funciona, na relação externa (Administração-Particular), como um
garante no pagamento da indemnização, independentemente de culpa. Isto
aplica-se, fundamentalmente, nos casos de culpa leve, isto é, cujo dano não
seja manifestamente prejudicial na esfera do particular; se tal pressuposto se
verificar, a Administração responde directa e exclusivamente perante o
particular.
Na relação interna (Administração-Servidor Público), em regra não será
este a responder pelos danos causados por condutas ilegais praticadas.
O artigo 271º da Constituição
Este preceito estipula a Responsabilidade dos funcionários e agentes
do Estado e das demais entidades públicas. Estes poderão ser directa e
pessoalmente responsáveis, tanto no plano civil, criminal ou meramente
disciplinar, assim como respondem pelos actos efectivamente praticados (acções)
como por aqueles que deveria ter realizado e não realizou (omissões).
O Direito de regresso aparece-nos no nº4 do artigo em questão, onde se
afirma um princípio geral de Direito de Regresso do Estado e das entidades
públicas contra os titulares dos órgãos, funcionários e agentes. Ou seja,
assegura-se a efectiva responsabilização nas relações internas dos titulares de
órgãos e funcionários para com a Administração, vulgo, não existe nenhuma regra
de desresponsabilização/ impunidade dos mesmos.
O professor Fausto de Quadros, em análise ao artigo em causa, admite em
termos bastante sucintos, o seguinte: no plano geral (no âmbito externo) estamos
perante uma responsabilização solidária da Administração e dos seus órgãos, e
num plano mais restrito, nomeadamente, nas relações internas, estaremos perante
a existência de um Direito de Regresso, tanto da Administração contra os seus
órgãos, como o contrário. Apesar de certos autores não admitirem que seja
viável a existência de um Direito de Regresso dos entes públicos contra a
Administração, a maioria da doutrina admite que, face ao princípio da igualdade
(art. 13ºCRP) e o princípio da justiça (decorrente do princípio do Estado de
Direito em sentido material), será de admitir que os servidores públicos se
possam ressarcir junto da Administração através do exercício de um Direito de
Regresso.
A lei 67/2007, 31 de Dezembro de 2007
- a Repartição da Responsabilidade e o Direito de Regresso
Esta legislação tem em vista a consolidação dos preceitos
constitucionais anteriormente referidos, ou seja, estipula igualmente a
necessidade de responsabilização do Estado e de entidades públicas face a
prejuízos causados a particulares, no pressuposto de tais danos terem sido
praticados no âmbito da relação de funções atribuídas.
No artigo 7º/1 da presente lei estipula-se a Responsabilidade
Exclusiva da Administração. O articulado elucida-nos sobre as situações em
que tal ocorre: aquando a existência de culpa leve no acto praticado, isto é,
quando a diligência é moderada, e o particular poderá razoavelmente suportá-la
sem grandes prejuízos (sendo que, o artigo 10º/2 da mesma lei estipula a
presunção legal de culpa leve), isto é, dá-se uma cláusula de
desresponsabilização do ente público, o que leva a que não possa, portanto,
existir um qualquer direito de regresso da Administração para com este.
A Responsabilidade Solidária da Administração é estipulada no art.
8º/1 da mesma lei, onde se afirma que haverá solidariedade da Administração
com os funcionários no caso destes agirem com dolo (seja eventual, necessário
ou directo). Aqui, o particular pode optar entre demandar directamente a Administração,
o ente público em causa ou ambos conjuntamente. Aqui existe, portanto, Direito
de Regresso, seja para a Administração-Funcionário, seja no pólo inverso,
consoante a situação concreta.
O Artigo 6º estipula que o Direito de Regresso passa a ser
obrigatório nos casos previstos na lei, sem prejuízo do procedimento
disciplinar a que haja lugar.
O âmbito positivo da existência deste Direito será estipulado quando:
- A Administração for demandada pelo particular e for obrigada a
satisfazer-lhe uma determinada indemnização;
- Quando os servidores públicos forem externamente demandados pelo
particular, e não hajam que responder, visto que estavam na prática de actos
lícitos e /ou praticados com culpa leve.
Este preceito articula-se igualmente com o artigo 8º, que
estipula a existência de Regresso no caso de dolo ou culpa grave. Ou seja: a
Administração é chamada a responder totalmente por danos que os servidores
tenham praticado com dolo ou culpa grave. Esta “resposta” pela Administração é
dada externamente, ou seja, aquando a relação com o particular; internamente,
com o servidor público em causa, haverá Direito de Regresso.
E o que acontece quando exista concorrência de culpas entre a
Administração e o servidor público? Haverá Direito de Regresso?
Sim. Se a Administração, num caso de concorrência de culpas, tiver
respondido perante o particular num valor manifestamente superior ao que lhe
era devido, terá direito de Regresso para com o ente público – por via do
art. 10º/4 da presente lei e do artigo 497º/1 e 2 do Código Civil,
que estipula a responsabilidade solidária e o direito de regresso na Responsabilidade
Civil no campo privado. E o mesmo acontece quando tenha sido o servidor público
a responder perante o particular num valor superior ao que lhe era devido: terá
igualmente direito a Regresso contra a Administração.
O exercício judicial do Direito de Regresso
O artigo 8º/4 da lei em questão admite o seguinte: a acção judicial deverá prosseguir se o Estado tiver sido condenado com base numa actuação ilícita praticada por um servidor público, mesmo que não tenham sido apurados os graus de culpa de cada um deles, sendo que não será necessária a apuração da culpa em si, mas apenas a existência de um pressuposto legal, vulgo, a presunção de culpa. Isto aplica-se nos casos de solidariedade.
Tal preceito pretende, de uma forma simples, solucionar o litígio no
seu todo, isto é, na vertente interna e na vertente externa. Sendo que a
Administração está a ser responsabilizada, pode esta pedir a intervenção do
servidor público durante o processo; se não o fizer, nada a impede de,
posteriormente, intentar uma acção de regresso contra o mesmo.
Contudo, é de afirmar que tal mecanismo é de cariz facultativo e não
obrigatório, ou seja, o problema em causa poderá ser resolvido de acordo com as
leis de processo civil ou através da instauração de uma acção de regresso (art.
37º/2/f do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, onde se
estipula o seguinte: “Seguem a forma de acção administrativa comum… a
responsabilidade civil das pessoas colectivas, bem como dos titulares dos seus
órgãos, funcionários ou agentes, incluindo acções de regresso.”
O que acontece, ainda, se houver culpa colectiva ou não se
identificar o autor efectivo da culpa?
Nos casos enunciados, presume-se que a culpa será exclusiva da Administração, visto que não se consegue identificar o autor efectivo do acto em causa, sendo portanto afastada a solidariedade e claro, o Direito de Regresso.
Em suma:
O Direito de Regresso é um instituto bastante relevante para os casos de Responsabilidade Civil da Administração.
Sem este, haveria uma violação directa do princípio da justiça e da
igualdade, sendo que ou a Administração ou o servidor público seriam demandados
a responder em casos em que a culpa não fosse exclusivamente sua, ou quando
esta coubesse em toda à outra parte que não respondeu perante o particular.
Apesar de sua pouca discussão doutrinária e inclusive jurisprudencial,
o Direito de Regresso, dada a sua importância fulcral para o problema em
questão, tem assento Constitucional nos artigos 22º e 271º da Constituição da
República Portuguesa.
Será então de admitir que o Direito de Regresso é a ponte essencial
entre os princípios constitucionalmente consagrados, entre o respeito pelas
pretensões dos particulares e ainda sobre os direitos da Administração individualmente
consagrada.
Patrícia Felício Silva
nº21940
Patrícia Felício Silva
nº21940
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