11. Introdução
O acto administrativo é uma das modalidades
do exercício da função administrativa, ao lado do regulamento administrativo,
do contrato administrativo e de certas operações materiais ou actividades
técnicas.
Segundo Cabral de Moncada (A relação
jurídica administrativa, Coimbra Editora, 2009, pág.369), “ na
caracterização da actividade administrativa do ponto de vista “relacional”, tem
particular importância… a delimitação dos poderes de execução da Administração
perante os particulares”. Ora, há uma modalidade de delimitações desses poderes
que opera juridicamente em casos concretos – o acto administrativo. Este produz
imediatamente os seus efeitos: “são logo exequíveis”…, embora a maioria, “sobretudo
dos que lesam directamente os particulares”, requeira “a realização de
operações subsequentes para garantir a plenitude dos respectivos efeitos”
(pág.370). Ou seja: são exequíveis, mas necessitam de exercício, …”mormente se
não houve cumprimento voluntário do particular” (pág.370).
A
concepção do acto administrativo como simples conceito de relação jurídica,
retirando-o de figura central da dogmática de Direito Administrativo, foi
exposta pelo Professor Vasco Pereira da Silva na sua dissertação de doutoramento
Em busca do acto administrativo perdido. Neste momento, porém, vou
limitar-me à teoria clássica do acto administrativo, sem referências
desenvolvidas à “transformação e novas funções desempenhadas pelo acto
administrativo” e à crítica dessa concepção clássica.
O Professor Freitas do Amaral (obr.cit., págs.
238 e 239) apresenta a seguinte noção de acto administrativo:
“Acto
jurídico unilateral praticado, no exercício do poder administrativo, por um
órgão da Administração ou por outra entidade pública ou privada para tal
habilitada por lei, e que traduz a decisão de um caso considerado pela
Administração, visando produzir efeitos jurídicos numa situação individual e
concreta.”
De uma forma mais sucinta, o art.120º do
Código do Procedimento Administrativo refere a mesma coisa: são “actos
administrativos as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas
de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e
concreta.”
Com exepção do que adiante
observaremos, estas disposições não diferem essencialmente da de Marcello
Caetano (Manual de Direito Administrativo, 9º.ed., Tomo I, 1970, Coimbra
Editora, pág.410): “conduta voluntária de um
órgão da Administração que, no exercício de um poder público e para prossecução
de interesses postos por lei a seu cargo, produza efeitos jurídicos num caso
concreto”.
De notar, no entanto, que João Caupers (Direito
Administrativo, guia de estudo, Editorial Notícias, 1995, pág.167) critica
o termo “decisão”, utilizado no art.120º do CPA, uma vez que ela lhe parece
mais adequada para a definição da modalidade acto administrativo definitivo e
não para a de qualquer acto administrativo. O Professor Freitas do Amaral,
porém, defende o conceito de acto administrativo com acto decisório, excluindo
os não decisórios desse conceito (obr.cit, pág.249 e
sgts).
No que respeita à referência do Professor
Freitas do Amaral a entidades privadas habilitadas por lei à prática de actos
administrativos, a sua justificação encontra-se no art.2º, nº3 do CPA.
Quanto à definição apresentada por Marcello
Caetano, em que se faz referência à produção de efeitos jurídicos “num caso
concreto”, Freitas do Amaral (obr.cit., pág.254) prefere “situação individual e
concreta”, expressão também usada pelo art.120º do CPA. Assim “individual”
refere-se aos destinatários, caracterizando o acto administrativo,
distinguindo-o da norma que é geral; por sua vez, “concreto” tem a ver não com
os destinatários, mas com a situação da vida visada pelo acto administrativo,
distinguindo-o da norma que é abstracta. Também em vez de se falar em produção
de efeitos jurídicos se prefere visando a produção de efeitos jurídicos, uma
vez que, por exemplo, um acto jurídico sujeito a condição suspensiva não produz
os seus efeitos enquanto não se verificar essa condição.
2.Acto
definitivo e executório
Segundo o critério da resolução de uma situação
jurídica individual e concreta, o acto administrativo pode ser definitivo e não
definitivo, executório e não executório.
Trata-se
da classificação mais importante dos actos administrativos, embora tenha
perdido muito da sua relevância perante o novo regime constitucional,
nomeadamente mediante a garantia jurisdicional contemplada no art.268º, nº4 da
CRP, respeitante à lesão dos direitos e interesses legalmente protegidos dos
cidadãos. Além disto, desapareceram da Constituição a norma do nº2 do artigo 269º,
em que se garantia aos interessados recurso contencioso, com fundamento em
ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos definitivos e executórios.
Considera-se que o acto administrativo é
definitivo quando o órgão competente decide, sob o ponto de vista material, a
situação jurídica final dos particulares, fixando os direitos e os deveres
entre eles e a administração pública.
A definitividade do acto administrativo encontra-se
relacionada com a sua eficácia, podendo ser encarada, segundo o Professor
Freitas do Amaral (obr.cit., págs.315 e sgts) sob dois pontos de vista:
horizontal e vertical.
O acto administrativo é definitivo, quando
se localiza na conclusão uma sequência de outros actos preparatórios, inseridos
na “marcha” de um procedimento (artigo 74º e segts do CPA), que se extingue por
uma “tomada de decisão final…” (art.106º) – acto administrativo horizontalmente
definitivo.
Além dos referidos actos administrativos
preparatórios (não definitivos), o acto administrativo definitivo pode ainda
ser precedido por outras formalidades, tais como estudos, pareceres, projectos…
Por sua vez, a definitividade vertical
verifica-se quando o órgão que decidir no fim do procedimento administrativo
possui competência própria e exclusiva, ou porque situado num grau superior de
uma hierarquia, ou porque é independente (não integrado em qualquer
hierarquia), ou porque, embora subalterno, tem competência reservada ou
exclusiva quanto à matéria de decisão.
Tendo isto em consideração, o Professor
Freitas do Amaral (obr.cit., pág.318) apresenta a seguinte definição de actos
definitivos:
“…
são os actos administrativos que têm por conteúdo uma decisão horizontal e
verticalmente final.”
Será neste sentido que deve ser interpretada
a noção de Marcello Caetano (obr.cit., pág.424): “resolução final que define a
situação jurídica da pessoa cujo órgão se pronunciou ou de outra que com ela
está ou pretende estar em relação administrativa”.
Por seu turno, actos não definitivos são,
nas palavras do Professor Freitas do Amaral, “todos aqueles que não contenham
uma resolução final ou que não sejam praticados pelo órgão máximo de certa
hierarquia ou por órgão independente.”
Estes
actos, segundo Marcello Caetano (pág.475), são “todos aqueles que não contenham
resolução final ou que não definem situações jurídicas”.
Assim, segundo a doutrina elaborada pelo
Professor Freitas do Amaral, apenas se considera acto administrativo definitivo
aquele no qual se verifica uma tripla definitividade: material, horizontal e
vertical.
No que respeita à executoriedade, ou seja,
ao poder da Administração para obrigar os particulares, independentemente de
decisão judicial, exercendo para isso, meios coercitivos, no caso de recusa de
cumprimento, o Professor Freitas do Amaral (pág.319) considera “actos
executórios” “os actos administrativos que sejam simultaneamente exequíveis e
eficazes e cuja execução coerciva por via administrativa seja permitida ou não
seja vedada por lei”.
A respeito da executoriedade, o Professor
Freitas do Amaral adverte para a necessidade de não a confundir com execução. A
primeira significa uma mera possibilidade jurídica; a segunda um facto real – o
acto de realizar a executoriedade.
A regra geral da executoriedade encontra-se no
art.149º, nº1: “os actos administrativos são executórios logo que eficazes”. A
eficácia pode ser imediata, quando se trate de actos administrativos desde logo
obrigatórios e susceptíveis de execução – exequibilidade. Assim, por exemplo,
quando o órgão competente decide que um particular deve demolir um muro que
ameaça ruina, o acto administrativo é não só obrigatório, mas também exequível:
impõe o cumprimento de um dever (obrigatoriedade) e é possível de execução forçada
pela Administração, se o particular não o acatar espontaneamente.
Casos há, no entanto, em que a eficácia, ou
seja, a susceptibilidade de produzir os efeitos jurídicos legalmente derivados
do acto administrativo, não é i mediata. Assim, por exemplo, os actos sujeitos
a aprovação (alínea c) do art.150º do CPA) não são executórios, uma vez que a
sua eficácia está dependente de um outro acto administrativo. Porém, se forem
aprovados adquirem obrigatoriedade e exequibilidade.
3.Conclusão
O art.149º, nº1 do CPA apenas faz depender a
executoriedade do acto administrativo da sua eficácia, não fazendo referência à
definitividade.
Assim,
embora o Professor Freitas do Amaral continue a considerar a modalidade dos
actos definitivos e não definitivos, acrescentando mesmo (obr.cit., pág.320)
que “a regra geral é esta: todo o acto administrativo definitivo é executório”,
exeptua desta regra:
-Actos
que, embora definitivos, não são executórios;
-Actos
que, embora executórios não são definitivos.
No primeiro caso, temos por exemplo, o acto
sujeito a aprovação – é definitivo, mas não executório (se for aprovado adquire
executoriedade; se não for, perde a obrigatoriedade). No segundo caso,
encontram-se certos actos preparatórios destacáveis que, embora não constituindo
uma decisão final, fazem parte do procedimento administrativo que conduz a essa
decisão, comprometendo-a.
O
princípio fundamental que preside à executoriedade dos actos administrativos é
o do art.149º, nº2 do CPA.
Sofia Pires
Nº20822
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