quinta-feira, 16 de maio de 2013

O acto administrativo definitivo e executório


11.      Introdução
   O acto administrativo é uma das modalidades do exercício da função administrativa, ao lado do regulamento administrativo, do contrato administrativo e de certas operações materiais ou actividades técnicas.
   Segundo Cabral de Moncada (A relação jurídica administrativa, Coimbra Editora, 2009, pág.369), “ na caracterização da actividade administrativa do ponto de vista “relacional”, tem particular importância… a delimitação dos poderes de execução da Administração perante os particulares”. Ora, há uma modalidade de delimitações desses poderes que opera juridicamente em casos concretos – o acto administrativo. Este produz imediatamente os seus efeitos: “são logo exequíveis”…, embora a maioria, “sobretudo dos que lesam directamente os particulares”, requeira “a realização de operações subsequentes para garantir a plenitude dos respectivos efeitos” (pág.370). Ou seja: são exequíveis, mas necessitam de exercício, …”mormente se não houve cumprimento voluntário do particular” (pág.370).
    A concepção do acto administrativo como simples conceito de relação jurídica, retirando-o de figura central da dogmática de Direito Administrativo, foi exposta pelo Professor Vasco Pereira da Silva na sua dissertação de doutoramento Em busca do acto administrativo perdido. Neste momento, porém, vou limitar-me à teoria clássica do acto administrativo, sem referências desenvolvidas à “transformação e novas funções desempenhadas pelo acto administrativo” e à crítica dessa concepção clássica.
    O Professor Freitas do Amaral (obr.cit., págs. 238 e 239) apresenta a seguinte noção de acto administrativo:
“Acto jurídico unilateral praticado, no exercício do poder administrativo, por um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei, e que traduz a decisão de um caso considerado pela Administração, visando produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.”
   De uma forma mais sucinta, o art.120º do Código do Procedimento Administrativo refere a mesma coisa: são “actos administrativos as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.”
   Com exepção do que adiante observaremos, estas disposições não diferem essencialmente da de Marcello Caetano (Manual de Direito Administrativo, 9º.ed., Tomo I, 1970, Coimbra Editora, pág.410): “conduta voluntária de um órgão da Administração que, no exercício de um poder público e para prossecução de interesses postos por lei a seu cargo, produza efeitos jurídicos num caso concreto”.
   De notar, no entanto, que João Caupers (Direito Administrativo, guia de estudo, Editorial Notícias, 1995, pág.167) critica o termo “decisão”, utilizado no art.120º do CPA, uma vez que ela lhe parece mais adequada para a definição da modalidade acto administrativo definitivo e não para a de qualquer acto administrativo. O Professor Freitas do Amaral, porém, defende o conceito de acto administrativo com acto decisório, excluindo os não decisórios desse conceito (obr.cit, pág.249 e sgts).
   No que respeita à referência do Professor Freitas do Amaral a entidades privadas habilitadas por lei à prática de actos administrativos, a sua justificação encontra-se no art.2º, nº3 do CPA.
   Quanto à definição apresentada por Marcello Caetano, em que se faz referência à produção de efeitos jurídicos “num caso concreto”, Freitas do Amaral (obr.cit., pág.254) prefere “situação individual e concreta”, expressão também usada pelo art.120º do CPA. Assim “individual” refere-se aos destinatários, caracterizando o acto administrativo, distinguindo-o da norma que é geral; por sua vez, “concreto” tem a ver não com os destinatários, mas com a situação da vida visada pelo acto administrativo, distinguindo-o da norma que é abstracta. Também em vez de se falar em produção de efeitos jurídicos se prefere visando a produção de efeitos jurídicos, uma vez que, por exemplo, um acto jurídico sujeito a condição suspensiva não produz os seus efeitos enquanto não se verificar essa condição.

2.Acto definitivo e executório

   Segundo o critério da resolução de uma situação jurídica individual e concreta, o acto administrativo pode ser definitivo e não definitivo, executório e não executório.
Trata-se da classificação mais importante dos actos administrativos, embora tenha perdido muito da sua relevância perante o novo regime constitucional, nomeadamente mediante a garantia jurisdicional contemplada no art.268º, nº4 da CRP, respeitante à lesão dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos. Além disto, desapareceram da Constituição a norma do nº2 do artigo 269º, em que se garantia aos interessados recurso contencioso, com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos definitivos e executórios.
   Considera-se que o acto administrativo é definitivo quando o órgão competente decide, sob o ponto de vista material, a situação jurídica final dos particulares, fixando os direitos e os deveres entre eles e a administração pública.
   A definitividade do acto administrativo encontra-se relacionada com a sua eficácia, podendo ser encarada, segundo o Professor Freitas do Amaral (obr.cit., págs.315 e sgts) sob dois pontos de vista: horizontal e vertical.
   O acto administrativo é definitivo, quando se localiza na conclusão uma sequência de outros actos preparatórios, inseridos na “marcha” de um procedimento (artigo 74º e segts do CPA), que se extingue por uma “tomada de decisão final…” (art.106º) – acto administrativo horizontalmente definitivo.
   Além dos referidos actos administrativos preparatórios (não definitivos), o acto administrativo definitivo pode ainda ser precedido por outras formalidades, tais como estudos, pareceres, projectos…
   Por sua vez, a definitividade vertical verifica-se quando o órgão que decidir no fim do procedimento administrativo possui competência própria e exclusiva, ou porque situado num grau superior de uma hierarquia, ou porque é independente (não integrado em qualquer hierarquia), ou porque, embora subalterno, tem competência reservada ou exclusiva quanto à matéria de decisão.
   Tendo isto em consideração, o Professor Freitas do Amaral (obr.cit., pág.318) apresenta a seguinte definição de actos definitivos:
“… são os actos administrativos que têm por conteúdo uma decisão horizontal e verticalmente final.”
   Será neste sentido que deve ser interpretada a noção de Marcello Caetano (obr.cit., pág.424): “resolução final que define a situação jurídica da pessoa cujo órgão se pronunciou ou de outra que com ela está ou pretende estar em relação administrativa”.
   Por seu turno, actos não definitivos são, nas palavras do Professor Freitas do Amaral, “todos aqueles que não contenham uma resolução final ou que não sejam praticados pelo órgão máximo de certa hierarquia ou por órgão independente.”
Estes actos, segundo Marcello Caetano (pág.475), são “todos aqueles que não contenham resolução final ou que não definem situações jurídicas”.
   Assim, segundo a doutrina elaborada pelo Professor Freitas do Amaral, apenas se considera acto administrativo definitivo aquele no qual se verifica uma tripla definitividade: material, horizontal e vertical.
   No que respeita à executoriedade, ou seja, ao poder da Administração para obrigar os particulares, independentemente de decisão judicial, exercendo para isso, meios coercitivos, no caso de recusa de cumprimento, o Professor Freitas do Amaral (pág.319) considera “actos executórios” “os actos administrativos que sejam simultaneamente exequíveis e eficazes e cuja execução coerciva por via administrativa seja permitida ou não seja vedada por lei”.
   A respeito da executoriedade, o Professor Freitas do Amaral adverte para a necessidade de não a confundir com execução. A primeira significa uma mera possibilidade jurídica; a segunda um facto real – o acto de realizar a executoriedade.
   A regra geral da executoriedade encontra-se no art.149º, nº1: “os actos administrativos são executórios logo que eficazes”. A eficácia pode ser imediata, quando se trate de actos administrativos desde logo obrigatórios e susceptíveis de execução – exequibilidade. Assim, por exemplo, quando o órgão competente decide que um particular deve demolir um muro que ameaça ruina, o acto administrativo é não só obrigatório, mas também exequível: impõe o cumprimento de um dever (obrigatoriedade) e é possível de execução forçada pela Administração, se o particular não o acatar espontaneamente.
   Casos há, no entanto, em que a eficácia, ou seja, a susceptibilidade de produzir os efeitos jurídicos legalmente derivados do acto administrativo, não é i mediata. Assim, por exemplo, os actos sujeitos a aprovação (alínea c) do art.150º do CPA) não são executórios, uma vez que a sua eficácia está dependente de um outro acto administrativo. Porém, se forem aprovados adquirem obrigatoriedade e exequibilidade.

3.Conclusão

   O art.149º, nº1 do CPA apenas faz depender a executoriedade do acto administrativo da sua eficácia, não fazendo referência à definitividade.
Assim, embora o Professor Freitas do Amaral continue a considerar a modalidade dos actos definitivos e não definitivos, acrescentando mesmo (obr.cit., pág.320) que “a regra geral é esta: todo o acto administrativo definitivo é executório”, exeptua desta regra:
-Actos que, embora definitivos, não são executórios;
-Actos que, embora executórios não são definitivos.
   No primeiro caso, temos por exemplo, o acto sujeito a aprovação – é definitivo, mas não executório (se for aprovado adquire executoriedade; se não for, perde a obrigatoriedade). No segundo caso, encontram-se certos actos preparatórios destacáveis que, embora não constituindo uma decisão final, fazem parte do procedimento administrativo que conduz a essa decisão, comprometendo-a.
O princípio fundamental que preside à executoriedade dos actos administrativos é o do art.149º, nº2 do CPA.


Sofia Pires
Nº20822

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