Os
limites à autonomia contratual da Administração são, por nós, agrupados em 4:
1-
decisão de contratar
2-
quanto à sua forma
3-
escolha do co-contratante
4-
fixação do conteúdo (que não será tratado
tão exaustivamente)
Quanto
à decisão de contratar, manifesta-se no exercício de uma “liberdade de
determinar-se ao negócio” que não é ainda uma liberdade de determinar o
conteúdo do negócio.
O exercício da autonomia de celebração dos
contratos administrativos não se esgota apenas no momento da decisão de contratar
– representa apenas, diz-nos o Professor Sérvulo Correia, o exercício da pessoa
colectiva pública da faculdade de formular com alguma autonomia as suas
posições contratuais. Também nesta fase, pode haver uma adesão com um maior ou
menor grau de autodeterminação às propostas que outros lhe apresentem.
Este
acto inicial envolve a apreciação de um ou mais interesses públicos cuja
prossecução represente a atribuição à pessoa colectiva pública, assim como a
escolha da realização de um contrato com uma determinada causa ou até função,
como o meio mais idóneo para atingir aquele ou aqueles fins.
A
decisão ou deliberação de contratar limitar-se-ia à especificação sumária dos
elementos essenciais do contrato, assim como de eventuais cláusulas especiais
que se considerem condições imprescindíveis.
Nos limites da decisão ou deliberação de
contratar, importa analisar especialmente os limites positivos que se possam
colocar no plano do fim e dos pressupostos da decisão assim como da
conformidade entre o conteúdo e o fim.
-
se o contrato administrativo é atípico
com objecto passível de acto administrativo, tais questões não se
verificam: o contrato serve de forma ao exercício da discricionariedade
concedida por lei, com vista à realização de um certo interesse público, na
base da situação concreta de um mínimo de pressupostos que a norma inventaria.
A direcção positiva que a Administração contratante recebe das normas jurídicas
vigentes é a mesma que incidiria se a conformação adoptada fosse pelo acto
administrativo.
Dessa
forma, a decisão ou deliberação de contratar será válida se:
1- ocorrerem
no caso concreto os pressupostos de que depende o exercício da
discricionariedade
2- se o fim prosseguido pelo contrato for o
fim visado pelo Legislador ao conceder o poder conformador à Administração
3-
não escapar ao tipo mínimo que teria de
se conformar o acto administrativo emitido, numa situação concreta idêntica.
Nos
contratos atípicos com objecto passível de direito privado, os limites serão a
coerência dos pressupostos necessários, assim como a existência material dos
pressupostos considerados.
Em
vez de uma faculdade limitada pelo principio da tipicidade dos actos
administrativos, vinculada aos elementos essenciais da tipicidade, bastando
apenas completá-los e dimensionar o seu alcance, a decisão ou deliberação de
contratar neste tipo de contratos envolve uma autonomia de escolha dos efeitos
de direito, com duas limitações: a primeira resulta do principio de legalidade
material, aplicado aos actos concretos que produzam efeitos próprios de um
direito da Administração; a segunda, diz respeito à escolha dos efeitos em si
mesmos, de que eles se deverão relacionar com o fim escolhido para o contrato
com a observância do principio da proporcionalidade.
Quando
a decisão de contratar não preveja de certa forma a fixação do texto do
contrato, as limitações mencionadas aplicam-se apenas no plano dos elementos
essenciais do contrato.
No
campo da autonomia privada, o mecanismo da liberdade de celebração é
irrelevante, quando comparada com a situação que se verifica no direito
administrativo.
Outro
limite a apontar seria a existência de uma “directiva normativa positiva” que
incide sobre a escolha do fim da decisão: o fim do contrato (simultaneamente).
Resulta da racionalização dos meios a utilizar, que preside à escolha, sendo o
contrato típico com pluralidade de fins, ou atípico, nas qualificações
já referidas. Quando a “causa-função” (nas palavras do Autor) não se articula
com qualquer uma das atribuições da pessoa colectiva contratante, existe um
limite externo: que se consubstancia na incompetência objectiva, ou por falta
de atribuições.
Pode
ainda dar origem a situações de abuso de poder, uma vez que a autonomia
contratual é utilizada com um fim diferente aquele que o legislador procura,
quando a concede. Este, traduz-se essencialmente na racionalização dos meios a
utilizar, como já aqui foi referido algumas vezes. Sem grande exaustão, basta
explicar que o desvio contratual de poder significa que foi através de um
contrato administrativo que se deu a desvirtuação do fim.
Pode
ainda dizer-se que este é apenas alvo de um controlo jurisprudencial negativo,
não podendo este colocar-se na posição da Administração para decidir,
sobrepondo-se a esta.
Nos
contratos atípicos com objecto passível de direito privado, não existe
qualquer predeterminação normativa da decisão ou deliberação. Sucede que é o
órgão a elencá-los.
Esta
decisão ou deliberação de contratar individualiza o contrato como um meio
indicado para satisfazer o fim estabelecido. Poderá sê-lo através de um
contrato administrativo nas três categorias já elencadas.
Por
fim, quando a decisão de contratar não se gera no quadro das normas de
estrutura condicional pela ausência de indicação normativa de pressuposto,
assim como um tipo de efeitos, aumenta a importância do principio da
proporcionalidade como parâmetro de juridicidade do acto administrativo
pré-contratual.
O
juízo da proporcionalidade em geral pode ser entendido como um juízo negativo
no sentido em que a única constatação que poderá relevar é o facto de o meio
não ser o mais adequado ou razoável para a satisfação do fim.
Outro
limite importante é o principio da imparcialidade administrativa na sua
vertente de igualdade de tratamento. Assim, o contrato administrativo não se
deve identificar com um tratamento desigual face a situações concretas
idênticas, e por isso, a decisão de contratar será ilegal se não tomar em
devida conta a existência de antecedentes em que em que se opte por soluções
diversas em situações idênticas, assim como se não tiver razões objectivas para
o afastamento da prática dita habitual.
Quanto
à forma, vigora no Direito Administrativo o principio geral do recurso à forma
jurídica do contrato. No entanto, este está sujeito a limites. São critérios
sobre tipos de relações, que, por algumas características da sua própria
natureza, ou mesmo por imperativo legal, não admitem essa natureza.
Diz-nos
Sérvulo Correia que, em princípio, o recurso à forma para constituição dos
efeitos jurídicos pretendidos é um elemento da decisão ou deliberação de
contratar. No entanto, não o será quando o objecto do contrato for passível de
contrato privado, quando a decisão inicial se limitar a uma indicação meramente
genérica, sem qualquer especificação das suas cláusulas.
O
limite da autonomia de adopção da forma pode ser positivo sempre que, para a
produção de alguns efeitos jurídico-administrativos, a lei prevê a forma de um
contrato típico. O professor dá-nos o exemplo dos contratos de reequilíbrio
financeiro dos municípios.
No
entanto, o problema pode ainda surgir ao contrário. Aí estaríamos perante uma
situação de inviabilidade do emprego da forma jurídica do contrato quanto à sua
forma, para modificação ou extinção das relações jurídicas.
Autores
como bosse e schimpf, separam a permissibilidade do
contrato administrativo do seu conteúdo, por duas razões:
1.
a permissibilidade da forma não legitima
todo o seu conteúdo, quando as cláusulas forem ilegais por serem contrárias à
lei expressa, ou por estatuírem efeitos sem base normativa. Aqui a invalidade
não provém da natureza contratual do acto;
2.
inadmissibilidade da forma para a
regulação de algumas matérias não advém da ilegalidade do conteúdo, mas da
incompatibilidade da forma e o conteúdo. Note-se que daqui advém algumas
excepções.
Excepcionando
casos de forma obrigatória, o problemas dos limites à adopção da forma
contratual prendem-se com a opção entre o contrato administrativo e o acto
administrativo, ou entre o acto administrativo e o contrato de direito privado.
A este poder de escolha, de adoptar a forma, dá-se o nome de facultas alternativa.
Os
limites na autonomia da escolha de forma consistem no caso de forma vinculada
de acto administrativo e de incompatibilidades entre a “causa-função” de alguns
contratos típicos de direito privado e a introdução de princípios gerais de
direito administrativo, nas suas cláusulas.
O
Professor considera que “é da lei que resulta a incompatibilidade entre a
determinação do conteúdo e a conformação através de contrato administrativo.”
Remata ainda que, a delimitação negativa tem normalmente a sua fonte num regime
procedimental que impõe o emprego de actos administrativos ou de vigência de
princípios que valoram negativamente a participação do destinatário na decisão
de algumas matérias.
Quanto
a esta ultima situação referida, o legislador pode enquadrar a decisão de certa
matéria num procedimento, onde tanto os actos como as formalidades são
minuciosas.
Não
é fácil interpretar algumas normas na parte em que eventualmente disponham
sobre a forma do acto conformador, mas será ainda mais complexo quando se
pretende extrair dos fins os critérios abstractos onde se possa detectar uma
valoração negativa da participação do destinatário na decisão administrativa de
matérias que lhe respeitam.
Cabe-nos
ainda ter em conta o problema dos princípios gerais que traduzem limites à
liberdade de escolha da forma de contrato administrativo. Esta tem de ser
isolada das limitações à autonomia de fixação do conteúdo do contrato
administrativo.
A
questão dos limites da permissibilidade de contrato administrativo diz respeito
à idoneidade dos instrumento contratual para a conformação de efeitos jurídicos
em si mesmos, válidos.
O
primeiro critério será o da pertença da matéria do foro interno da
Administração, principalmente em relação aos desempenho dos seus poderes de
auto-organização. A estrutura das organizações administrativas, dos
procedimentos administrativos de conteúdo organizatório, poderão constituir
matéria de contratação entre duas pessoas colectivas pertencentes a administração
para efeito de cooperação mútua no desempenho das suas atribuições, mas não de
contrato entre a Administração e os particulares.
Perderia
a legitimidade se a Administração andasse unicamente ao sabor dos particulares
e dos seus interesses.
No
entanto, não são admissíveis contratos administrativos entre a Administração e
os particulares quando o seu objecto não é de interesse directo do
particular: este não tem legitimidade para estipular com a Administração
situações jurídicas de que não seja parte. Assim, procura-se uma certa
protecção de terceiros: quando para além do particular e da Administração são
produzidos efeitos para terceiros, é necessário o seu consentimento.
A
igualdade de tratamento enquanto principio da imparcialidade também oferece aqui
uma função delimitadora. Não esta aqui em causa a forma escolhida, mas um
perigo especial, no que diz respeito à igualdade de tratamento associado à
utilização do contrato para determinadas matérias. Deve obedecer-se a uma
absoluta igualdade de critérios.
Por
fim, cabe dizer que o Professor não concorda com a doutrina que liga o
exercício de poderes de autoridade em matéria insusceptível de contratação
administrativa. No direito português, é facto que a Administração se vincula
mais fortemente à manutenção da situação jurídica constituído através de
contrato administrativo. No entanto, o que a Administração não pode, é
vincular-se para o futuro, num plano a que o Professor chama de
"abstracção extra-normativa" quanto ao exercício dos poderes
discricionários de forma a que o impeça de ponderar os interesses em causa,
modulando as situações especificas de situações concretas.
No
que respeita à escolha do contratante quando é feita através de concurso,
estamos perante limites na autonomia de adesão as propostas dos eventuais co-contratantes.
Quando
são uma forma alternativa do acto administrativo, essa necessidade só surge
quando a discricionariedade de escolha de efeitos de direito compreende a
escolha do destinatário do acto.
No
entanto, nos contratos típicos de atribuição tal não nasce de uma necessidade
sentida pela administração, mas de uma situação concreta que suscita a
necessidade e a possibilidade de contrato - o contratante está individualizado
desde o principio.
O
acto propulsivo ao procedimento é frequentemente um pedido ou uma proposta,
apresentado pelo co-contratante.
A
Administração necessita de organizar certos meios com vista à prossecução de
uma finalidade, necessitando de entrar em relação com outra entidade que lhe
possa prestar um serviço, alienar uma coisa, etc.
Podendo
ser múltiplos os interessados, entra o principio da imparcialidade na vertente
de igualdade de tratamento. A escolha do co-contratante envolve diversos graus
de vinculação. Respeita sobretudo ao procedimento que a ela conduz, o modo mais
eficaz de assegurar a igualdade de tratamento, através de requisitos de
publicidade e concorrência.
Na
escolha do co-contratante a realização do concurso pode ser imposta por lei,
regulamento de execução permanente ou deliberada facultativamente pela
Administração.
Poderá
ainda ser importante a posição do professor Freitas do Amaral: a regra, diz-nos
"é que todos os contratos Administrativos têm de ser celebrados precedendo
de concurso publico, a menos que a lei autorize esse processo".
O
professor Sérvulo Correia tem em conta as vantagens do concurso, que são óbvias,
mas não considera que seja este um principio geral dos contratos
administrativos. Mesmo quando o co-contratante é fungível, outros motivos podem
haver que justifiquem a utilização de um outro procedimento.
Por
fim, há que ter em conta os limites postos pela lei a autonomia de fixação do
conteúdo dos contratos administrativos típicos, incidentes a longo de todo o
procedimento.
O
professor considera que a existência de um regime legal de contrato não
dispensa a estipulação de cláusulas que não se limitem a produzir ou aplicar a
norma concreta. O contrato administrativo tem ainda uma forma que não seria
passível de contratação privada, mesmo que o seu objecto o permitisse, cai na
clausula suplementar.
Esta
cláusula destina-se a submeter certas situações a uma disciplina não prevista
na lei, mas necessária, face ao caso concreto, para pormenorizar determinações
contidas em preceitos ou até mesmo de forma a integrar lacunas. No entanto, há
que ter em conta o preenchimento de espaços deixados livres pela natureza supletiva
de algumas normas que compõem o regime dos contratos.
As
normas injuntivas aplicam-se haja ou não declaração de vontade dos sujeitos
nesse sentido, já as normas supletivas tem entre os seus pressupostos uma
posição de vontade das partes quanto a essa aplicação. Estas regras fornecem um
regime normal de dada situação, que se aplicará sempre que as partes nada
disponham em contrário.
Grande
parte da doutrina aplica esta distinção aos contratos administrativos. Embora,
no Direito Público, predominem as normas injuntivas, ao contrário do que
acontece no Direito Privado, onde reinam as regras supletivas.
O
problema que se coloca diz respeito a saber que critérios deverá o interprete
ter em conta para determinar a natureza injuntiva ou facultativa de normas que
se subordinam em última análise ao principio da legalidade administrativa e não
da autonomia privada. O elemento decisivo será a valoração do preceito,
embora tal possa, em muitos casos suscitar dúvidas. No Direito Administrativo, a superintendência do principio
da legalidade conduz a presunção do carácter injuntivo, como critério de
interpretação.
A
inaplicação de uma norma própria de um contrato administrativo típico conduz à
sua "atipização", pois as partes induzem efeitos que o legislador não
previu.
Cabe
fazer uma conclusão: quando uma norma de direito administrativo é supletiva, é
porque concede um poder discricionário: a convenção alternativa das partes não
será totalmente livre, mas contida nos limites de que a própria norma supletiva
a rodeia.
Quando
esta se declara expressamente supletiva, as dúvidas quanto à sua natureza
deverão ser resolvidas a luz de uma presunção de injuntividade. Não tendo directivas mínimas de
discricionariedade, quanto à conformação de efeitos distintos dos que
primariamente prevê, será inconstitucional quando qualificada como supletiva.
Maria Joana Rodrigues
nº22093
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