quinta-feira, 2 de maio de 2013

Limites à Autonomia Contratual da Administração


Os limites à autonomia contratual da Administração são, por nós, agrupados em 4:
1-    decisão de contratar
2-    quanto à sua forma
3-    escolha do co-contratante
4-    fixação do conteúdo (que não será tratado tão exaustivamente)

Quanto à decisão de contratar, manifesta-se no exercício de uma “liberdade de determinar-se ao negócio” que não é ainda uma liberdade de determinar o conteúdo do negócio.
O exercício da autonomia de celebração dos contratos administrativos não se esgota apenas no momento da decisão de contratar – representa apenas, diz-nos o Professor Sérvulo Correia, o exercício da pessoa colectiva pública da faculdade de formular com alguma autonomia as suas posições contratuais. Também nesta fase, pode haver uma adesão com um maior ou menor grau de autodeterminação às propostas que outros lhe apresentem.  
Este acto inicial envolve a apreciação de um ou mais interesses públicos cuja prossecução represente a atribuição à pessoa colectiva pública, assim como a escolha da realização de um contrato com uma determinada causa ou até função, como o meio mais idóneo para atingir aquele ou aqueles fins.
A decisão ou deliberação de contratar limitar-se-ia à especificação sumária dos elementos essenciais do contrato, assim como de eventuais cláusulas especiais que se considerem condições imprescindíveis.
Nos limites da decisão ou deliberação de contratar, importa analisar especialmente os limites positivos que se possam colocar no plano do fim e dos pressupostos da decisão assim como da conformidade entre o conteúdo e o fim.
-       se o contrato administrativo é atípico com objecto passível de acto administrativo, tais questões não se verificam: o contrato serve de forma ao exercício da discricionariedade concedida por lei, com vista à realização de um certo interesse público, na base da situação concreta de um mínimo de pressupostos que a norma inventaria. A direcção positiva que a Administração contratante recebe das normas jurídicas vigentes é a mesma que incidiria se a conformação adoptada fosse pelo acto administrativo. 
Dessa forma, a decisão ou deliberação de contratar será válida se:
1-    ocorrerem no caso concreto os pressupostos de que depende o exercício da discricionariedade
2-    se  o fim prosseguido pelo contrato for o fim visado pelo Legislador ao conceder o poder conformador à Administração
3-    não escapar ao tipo mínimo que teria de se conformar o acto administrativo emitido, numa situação concreta idêntica.
Nos contratos atípicos com objecto passível de direito privado, os limites serão a coerência dos pressupostos necessários, assim como a existência material dos pressupostos considerados.

Em vez de uma faculdade limitada pelo principio da tipicidade dos actos administrativos, vinculada aos elementos essenciais da tipicidade, bastando apenas completá-los e dimensionar o seu alcance, a decisão ou deliberação de contratar neste tipo de contratos envolve uma autonomia de escolha dos efeitos de direito, com duas limitações: a primeira resulta do principio de legalidade material, aplicado aos actos concretos que produzam efeitos próprios de um direito da Administração; a segunda, diz respeito à escolha dos efeitos em si mesmos, de que eles se deverão relacionar com o fim escolhido para o contrato com a observância do principio da proporcionalidade.

Quando a decisão de contratar não preveja de certa forma a fixação do texto do contrato, as limitações mencionadas aplicam-se apenas no plano dos elementos essenciais do contrato.
No campo da autonomia privada, o mecanismo da liberdade de celebração é irrelevante, quando comparada com a situação que se verifica no direito administrativo.
Outro limite a apontar seria a existência de uma “directiva normativa positiva” que incide sobre a escolha do fim da decisão: o fim do contrato (simultaneamente). Resulta da racionalização dos meios a utilizar, que preside à escolha, sendo o contrato típico com pluralidade de fins, ou atípico, nas qualificações já referidas. Quando a “causa-função” (nas palavras do Autor) não se articula com qualquer uma das atribuições da pessoa colectiva contratante, existe um limite externo: que se consubstancia na incompetência objectiva, ou por falta de atribuições.
Pode ainda dar origem a situações de abuso de poder, uma vez que a autonomia contratual é utilizada com um fim diferente aquele que o legislador procura, quando a concede. Este, traduz-se essencialmente na racionalização dos meios a utilizar, como já aqui foi referido algumas vezes. Sem grande exaustão, basta explicar que o desvio contratual de poder significa que foi através de um contrato administrativo que se deu a desvirtuação do fim.
Pode ainda dizer-se que este é apenas alvo de um controlo jurisprudencial negativo, não podendo este colocar-se na posição da Administração para decidir, sobrepondo-se a esta.
Nos contratos atípicos com objecto passível de direito privado, não existe qualquer predeterminação normativa da decisão ou deliberação. Sucede que é o órgão a elencá-los.
Esta decisão ou deliberação de contratar individualiza o contrato como um meio indicado para satisfazer o fim estabelecido. Poderá sê-lo através de um contrato administrativo nas três categorias já elencadas.
Por fim, quando a decisão de contratar não se gera no quadro das normas de estrutura condicional pela ausência de indicação normativa de pressuposto, assim como um tipo de efeitos, aumenta a importância do principio da proporcionalidade como parâmetro de juridicidade do acto administrativo pré-contratual.
O juízo da proporcionalidade em geral pode ser entendido como um juízo negativo no sentido em que a única constatação que poderá relevar é o facto de o meio não ser o mais adequado ou razoável para a satisfação do fim.
Outro limite importante é o principio da imparcialidade administrativa na sua vertente de igualdade de tratamento. Assim, o contrato administrativo não se deve identificar com um tratamento desigual face a situações concretas idênticas, e por isso, a decisão de contratar será ilegal se não tomar em devida conta a existência de antecedentes em que em que se opte por soluções diversas em situações idênticas, assim como se não tiver razões objectivas para o afastamento da prática dita habitual.

Quanto à forma, vigora no Direito Administrativo o principio geral do recurso à forma jurídica do contrato. No entanto, este está sujeito a limites. São critérios sobre tipos de relações, que, por algumas características da sua própria natureza, ou mesmo por imperativo legal, não admitem essa natureza.
Diz-nos Sérvulo Correia que, em princípio, o recurso à forma para constituição dos efeitos jurídicos pretendidos é um elemento da decisão ou deliberação de contratar. No entanto, não o será quando o objecto do contrato for passível de contrato privado, quando a decisão inicial se limitar a uma indicação meramente genérica, sem qualquer especificação das suas cláusulas.
O limite da autonomia de adopção da forma pode ser positivo sempre que, para a produção de alguns efeitos jurídico-administrativos, a lei prevê a forma de um contrato típico. O professor dá-nos o exemplo dos contratos de reequilíbrio financeiro dos municípios.
No entanto, o problema pode ainda surgir ao contrário. Aí estaríamos perante uma situação de inviabilidade do emprego da forma jurídica do contrato quanto à sua forma, para modificação ou extinção das relações jurídicas.
Autores como bosse e schimpf, separam a permissibilidade do contrato administrativo do seu conteúdo, por duas razões:
1.     a permissibilidade da forma não legitima todo o seu conteúdo, quando as cláusulas forem ilegais por serem contrárias à lei expressa, ou por estatuírem efeitos sem base normativa. Aqui a invalidade não provém da natureza contratual do acto;
2.     inadmissibilidade da forma para a regulação de algumas matérias não advém da ilegalidade do conteúdo, mas da incompatibilidade da forma e o conteúdo. Note-se que daqui advém algumas excepções.

Excepcionando casos de forma obrigatória, o problemas dos limites à adopção da forma contratual prendem-se com a opção entre o contrato administrativo e o acto administrativo, ou entre o acto administrativo e o contrato de direito privado. A este poder de escolha, de adoptar a forma, dá-se o nome de facultas alternativa.
Os limites na autonomia da escolha de forma consistem no caso de forma vinculada de acto administrativo e de incompatibilidades entre a “causa-função” de alguns contratos típicos de direito privado e a introdução de princípios gerais de direito administrativo, nas suas cláusulas.
O Professor considera que “é da lei que resulta a incompatibilidade entre a determinação do conteúdo e a conformação através de contrato administrativo.” Remata ainda que, a delimitação negativa tem normalmente a sua fonte num regime procedimental que impõe o emprego de actos administrativos ou de vigência de princípios que valoram negativamente a participação do destinatário na decisão de algumas matérias.
Quanto a esta ultima situação referida, o legislador pode enquadrar a decisão de certa matéria num procedimento, onde tanto os actos como as formalidades são minuciosas.
Não é fácil interpretar algumas normas na parte em que eventualmente disponham sobre a forma do acto conformador, mas será ainda mais complexo quando se pretende extrair dos fins os critérios abstractos onde se possa detectar uma valoração negativa da participação do destinatário na decisão administrativa de matérias que lhe respeitam.
Cabe-nos ainda ter em conta o problema dos princípios gerais que traduzem limites à liberdade de escolha da forma de contrato administrativo. Esta tem de ser isolada das limitações à autonomia de fixação do conteúdo do contrato administrativo.

A questão dos limites da permissibilidade de contrato administrativo diz respeito à idoneidade dos instrumento contratual para a conformação de efeitos jurídicos em si mesmos, válidos.
O primeiro critério será o da pertença da matéria do foro interno da Administração, principalmente em relação aos desempenho dos seus poderes de auto-organização. A estrutura das organizações administrativas, dos procedimentos administrativos de conteúdo organizatório, poderão constituir matéria de contratação entre duas pessoas colectivas pertencentes a administração para efeito de cooperação mútua no desempenho das suas atribuições, mas não de contrato entre a Administração e os particulares.
Perderia a legitimidade se a Administração andasse unicamente ao sabor dos particulares e dos seus interesses.
No entanto, não são admissíveis contratos administrativos entre a Administração e os particulares quando o seu objecto não é de interesse directo do particular: este não tem legitimidade para estipular com a Administração situações jurídicas de que não seja parte. Assim, procura-se uma certa protecção de terceiros: quando para além do particular e da Administração são produzidos efeitos para terceiros, é necessário o seu consentimento.

A igualdade de tratamento enquanto principio da imparcialidade também oferece aqui uma função delimitadora. Não esta aqui em causa a forma escolhida, mas um perigo especial, no que diz respeito à igualdade de tratamento associado à utilização do contrato para determinadas matérias. Deve obedecer-se a uma absoluta igualdade de critérios.
Por fim, cabe dizer que o Professor não concorda com a doutrina que liga o exercício de poderes de autoridade em matéria insusceptível de contratação administrativa. No direito português, é facto que a Administração se vincula mais fortemente à manutenção da situação jurídica constituído através de contrato administrativo. No entanto, o que a Administração não pode, é vincular-se para o futuro, num plano a que o Professor chama de "abstracção extra-normativa" quanto ao exercício dos poderes discricionários de forma a que o impeça de ponderar os interesses em causa, modulando as situações especificas de situações concretas.

No que respeita à escolha do contratante quando é feita através de concurso, estamos perante limites na autonomia de adesão as propostas dos eventuais co-contratantes.
Quando são uma forma alternativa do acto administrativo, essa necessidade só surge quando a discricionariedade de escolha de efeitos de direito compreende a escolha do destinatário do acto.
No entanto, nos contratos típicos de atribuição tal não nasce de uma necessidade sentida pela administração, mas de uma situação concreta que suscita a necessidade e a possibilidade de contrato - o contratante está individualizado desde o principio.
O acto propulsivo ao procedimento é frequentemente um pedido ou uma proposta, apresentado pelo co-contratante.
A Administração necessita de organizar certos meios com vista à prossecução de uma finalidade, necessitando de entrar em relação com outra entidade que lhe possa prestar um serviço, alienar uma coisa, etc.
Podendo ser múltiplos os interessados, entra o principio da imparcialidade na vertente de igualdade de tratamento. A escolha do co-contratante envolve diversos graus de vinculação. Respeita sobretudo ao procedimento que a ela conduz, o modo mais eficaz de assegurar a igualdade de tratamento, através de requisitos de publicidade e concorrência.

Na escolha do co-contratante a realização do concurso pode ser imposta por lei, regulamento de execução permanente ou deliberada facultativamente pela Administração.
Poderá ainda ser importante a posição do professor Freitas do Amaral: a regra, diz-nos "é que todos os contratos Administrativos têm de ser celebrados precedendo de concurso publico, a menos que a lei autorize esse processo".
O professor Sérvulo Correia tem em conta as vantagens do concurso, que são óbvias, mas não considera que seja este um principio geral dos contratos administrativos. Mesmo quando o co-contratante é fungível, outros motivos podem haver que justifiquem a utilização de um outro procedimento.
Por fim, há que ter em conta os limites postos pela lei a autonomia de fixação do conteúdo dos contratos administrativos típicos, incidentes a longo de todo o procedimento.
O professor considera que a existência de um regime legal de contrato não dispensa a estipulação de cláusulas que não se limitem a produzir ou aplicar a norma concreta. O contrato administrativo tem ainda uma forma que não seria passível de contratação privada, mesmo que o seu objecto o permitisse, cai na clausula suplementar.
Esta cláusula destina-se a submeter certas situações a uma disciplina não prevista na lei, mas necessária, face ao caso concreto, para pormenorizar determinações contidas em preceitos ou até mesmo de forma a integrar lacunas. No entanto, há que ter em conta o preenchimento de espaços deixados livres pela natureza supletiva de algumas normas que compõem o regime dos contratos.

As normas injuntivas aplicam-se haja ou não declaração de vontade dos sujeitos nesse sentido, já as normas supletivas tem entre os seus pressupostos uma posição de vontade das partes quanto a essa aplicação. Estas regras fornecem um regime normal de dada situação, que se aplicará sempre que as partes nada disponham em contrário.
Grande parte da doutrina aplica esta distinção aos contratos administrativos. Embora, no Direito Público, predominem as normas injuntivas, ao contrário do que acontece no Direito Privado, onde reinam as regras supletivas.
O problema que se coloca diz respeito a saber que critérios deverá o interprete ter em conta para determinar a natureza injuntiva ou facultativa de normas que se subordinam em última análise ao principio da legalidade administrativa e não da autonomia privada. O elemento decisivo será a valoração do preceito, embora tal possa, em muitos casos suscitar dúvidas.  No Direito Administrativo, a superintendência do principio da legalidade conduz a presunção do carácter injuntivo, como critério de interpretação.

A inaplicação de uma norma própria de um contrato administrativo típico conduz à sua "atipização", pois as partes induzem efeitos que o legislador não previu.
Cabe fazer uma conclusão: quando uma norma de direito administrativo é supletiva, é porque concede um poder discricionário: a convenção alternativa das partes não será totalmente livre, mas contida nos limites de que a própria norma supletiva a rodeia.
Quando esta se declara expressamente supletiva, as dúvidas quanto à sua natureza deverão ser resolvidas a luz de uma presunção de  injuntividade. Não tendo directivas mínimas de discricionariedade, quanto à conformação de efeitos distintos dos que primariamente prevê, será inconstitucional quando qualificada como supletiva.


Maria Joana Rodrigues
nº22093

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