sexta-feira, 17 de maio de 2013

Os Tradicionais Vícios do Ato Administrativo


Evolução Histórica e relevância atual da teoria dos tradicionais vícios dos atos administrativos

A teoria dos vícios dos atos administrativos nasceu no direito administrativo francês do Século XIX.
O único mecanismo de reação dos particulares contra os atos administrativos ilegais era o então chamado recurso por excesso de poder e a partir deste conceito foram progressivamente sendo autonomizados os vários vícios do ato administrativo designadamente a incompetência  o vício de forma, a violação de lei e o desvio de poder.

A partir dos anos trinta do século XX e por influência do Professor Marcello Caetano passou-se a falar de uma construção coerente neste domínio, que distinguia claramente cinco vícios: a usurpação de poder, a incompetência, o vício de forma, o desvio de poder e a violação de lei já anteriormente a legislação e a doutrina portuguesas referiam-se a estes vícios com uma descrição de forma unitária sem pressupor propriamente uma construção de uma teoria dos vícios dos atos administrativos.

A partir de 1956 esta construção doutrinal passou a ter valor normativo quando o art. 15, 1 LOSTA, que esteve em vigor até 2003, introduziu pela primeira vez no direito português a enumeração legal de vícios do ato administrativo correspondente aos cinco vícios identificados pela doutrina. Iniciou-se então a idade de ouro da teoria dos vícios do ato administrativo durante a qual esta chegou a ter um peso asfixiante na teoria geral do ato administrativo, quer em termos substantivos quer em termos processuais.

Do ponto de vista substantivo, entendia-se que a enumeração legal dos vícios do ato administrativo era fechada, o que deixava na sombra outras formas de ilegalidade que não se reconduzissem de forma clara a cada um deles.

Do ponto de vista processual, entendia-se que a não alegação de um determinado vicio no recurso hierárquico necessário preclodia a possibilidade de alegação num futuro recurso contencioso, por outro lado, entendia-se também que o recurso contencioso não podia prosseguir se, na petição inicial, o recorrente não indicasse ( ou mesmo, numa visão extrema, qualificasse corretamente) os vícios de que entendia padecer o ato impugnado.

A tendência atual é para relativizar a teoria dos vícios do ato administrativo. A entrada em vigor do CPTA acarretou a revogação do art.º 15, 1 LOSTA e , como tal, já não existe na ordem jurídica portuguesa uma enumeração legal dos vícios do ato administrativo  embora a lei se refira, por vezes individualmente a alguns desses vícios por exemplo o art.º 133, a CPA refere a usurpação de poder.

No plano substantivo, entende-se que os cinco vícios doutrinalmente identificados não correspondem a um catálogo taxativo de formas de ilegalidade do ato administrativo; no plano processual, deixou de ter qualquer fundamento a exigência de alegação dos vícios dos atos administrativos objecto de impugnação perante a administração ou os tribunais (conforme reconheceu o ac. STA 6/11/1996, Proc. 020196, os vícios do ato administrativo nem sequer constituem a causa de pedir a impugnação de atos administrativos  esta consiste isso sim «no facto ou factos integradores do Vicio ou vícios imputados ao ato impugnado.

 Não existe uma correspondência entre as categorias de requisitos de legalidade e os vícios do ato administrativo. Assim enquanto o vício de forma cobre todas as ilegalidades decorrentes da preterição de requisitos de legalidades formais o vício de incompetência não cobre todas as ilegalidades decorrentes da preterição de requisitos de legalidade subjectivos, nem o vício de desvio de poder cobre todas as ilegalidades decorrentes da preterição de requisitos de legalidade funcionais; o vício de violação de lei cobre todas as ilegalidades decorrentes da preterição de requisitos de legalidade materiais, a usurpação de poder gera sempre nulidade [art.133.ºa) CPA], as ilegalidades reconduzíveis a qualquer um dos outros vícios podem redundar quer em nulidade quer em anulabilidade. O inegável declínio da teoria dos Vícios do ato administrativo leva a que o seu alcance seja fundamentalmente sistemático e pedagógico.

Agora prover-se-á a uma análise sintética dos aspectos gerais dos tradicionais vícios do acto administrativo tratados na doutrina que são a Usurpação de poder, a incompetência, o vício de forma, o desvio de poder e violação de lei.

Usurpação de poder

É um vício do ato administrativo pela qual um órgão da administração pública exerce uma outra função do Estado que não a função administrativa, sem para isso estar habilitado. Trata-se, por isso, de uma violação do princípio da separação de poderes e geralmente estão em causa situações de exercício administrativo da função jurisdicional.
Exemplos de atos viciados de usurpação de Poder: um ato pela qual um
Órgão administrativo determina a execução de um ato administrativo, nos casos em que essa execução está reservada aos tribunais (art.307.º,1CCP); um ato pelo qual o Governo dissolva a Assembleia da República, matéria de competência política do Presidente da República [art.133.º,e) CRP].

Incompetência

Existe incompetência quando um órgão da administração pratica um ato administrativo, sem que qualquer norma legal lhe atribua a competência para tal. Trata-se de uma consequência direta do princípio da reserva de lei, na sua dimensão de precedência de lei e do seu subprincípio de legalidade da competência. A incompetência pode ser absoluta ou relativa: enquanto na incompetência relativa o ato está viciado apenas pela falta de competência do seu autor, na incompetência absoluta o vício do ato advém também da circunstância de ele ser estranho às atribuições da unidade de atribuições em que o seu autor se insere (por isso a incompetência absoluta é por vezes designada como incompetência por falta de atribuições) A incompetência é absoluta em três situações: quando o órgão legalmente competente para a prática do ato pertence a uma pessoa colectiva diferente daquela a que pertence o autor do ato  quando o órgão legalmente competente para a prática do ato pertence à pessoa colectiva daquela a que pertence o autor do ato mas a unidade de atribuições (ministério ou secretaria regional diversa) e quando o poder exercido pelo órgão que praticou o ato  extravasando as atribuições da unidade em que o seu autor se insere, não é legalmente cometido a órgão algum. Nas situações em que o ato não é estranho às atribuições da unidade em que o seu autor se insere, a incompetência é apenas relativa.

Vício de forma

O vicio de forma afeta os atos administrativos  praticados com desrespeito dos seus requisitos objectivos formais de legalidade. Existe, assim, em duas modalidades: o vicio de forma por preterição de forma legal e o vicio de forma por preterição de formalidades essenciais.
Exemplo do primeiro vicio: um ato sob forma oral para o qual a lei exige forma escrita.
Exemplo do segundo: um ato praticado sem que tenha sido solicitado parecer obrigatório.

Desvio de Poder

Há desvio de poder apenas quando o motivo principalmente determinante de um ato administrativo não visa a prossecução de um fim legal.
O desvio de poder pode assumir duas formas: o desvio de poder por motivo de interesse privado (ocorre quando o motivo principalmente determinante visa a prossecução de um interesse privado, material, ou imaterial, do titular do órgão emissor do ato ou de outrem) e o desvio de poder por motivo de interesse público (ocorre quando o motivo principalmente determinante visa a prossecução de um fim, que apesar de não ser um fim legal, é ainda de interesse público).
O desvio de poder é um vicio típico dos atos praticados ao abrigo da margem de livre decisão, pois nos atos administrativos vinculados os requisitos funcionais de legalidade são de reduzida, ou mesmo nula, importância ( nestes atos  em principio, são irrelevantes os motivos e o fim real, desde que haja conformidade legal dos aspectos vinculados do ato.)

 Violação de lei

Há um critério positivo e um critério negativo de identificação do vicio de violação de lei. O conteúdo essencial do vicio de violação de lei respeita ás ilegalidades objectivas materiais dos atos administrativos: o vicio de violação de lei é assim aquele em que incorrem os actos administrativos que desrespeitem requisitos de legalidade relativos aos pressupostos de facto, objecto e conteúdo. O vício de violação de lei é também doutrinalmente empregue para garantir o carácter fechado da teoria dos vícios do ato administrativo: nestes termos padecem de violação de lei, os atos administrativos ilegais cuja ilegalidade não se possa reconduzir a qualquer dos outros vícios, tendo portanto este vicio carácter residual.
Exemplos: um ato de atribuição de uma bolsa de estudo a uma pessoa que não reúne os pressupostos de facto para tal; um ato administrativo desfavorável não fundamentado (violação de lei por ilegalidades objectivas materiais do ato administrativo); um ato administrativo praticado por um órgão cujo titular estava impedido ao abrigo do art.44.º CPA ou não estava investido nas suas funções (violação de lei por exclusão de partes).

Conclusão

Segundo o Professor Marcelo Rebelo de Sousa embora nada se perdesse com uma reformulação e atualização da teoria dos vícios do ato administrativo o carácter fechado da sua construção, garantido pelo carácter residual do vício de violação de lei explica de certa maneira que as tentativas de reformulação da teoria dos vícios do ato administrativo não tenham tido sequência doutrinal ou jurisprudencial de relevo.

José Carlos Alves nº21700 

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