Evolução
Histórica e relevância atual da teoria dos tradicionais vícios dos atos administrativos
A teoria dos vícios dos atos administrativos nasceu no direito administrativo francês do Século XIX.
O único mecanismo de reação dos
particulares contra os atos administrativos ilegais era o então chamado
recurso por excesso de poder e a partir deste conceito foram progressivamente
sendo autonomizados os vários vícios do ato administrativo designadamente
a incompetência o vício de forma, a violação de lei e o desvio de
poder.
A partir dos anos trinta do século XX e
por influência do Professor Marcello Caetano passou-se a falar de uma
construção coerente neste domínio, que distinguia claramente cinco vícios: a
usurpação de poder, a incompetência, o vício de forma, o desvio de poder e a
violação de lei já anteriormente a legislação e a doutrina portuguesas
referiam-se a estes vícios com uma descrição de forma unitária sem pressupor
propriamente uma construção de uma teoria dos vícios dos atos administrativos.
A partir de 1956 esta construção doutrinal
passou a ter valor normativo quando o art. 15, 1 LOSTA, que esteve em vigor
até 2003, introduziu pela primeira vez no direito português a enumeração legal
de vícios do ato administrativo correspondente aos cinco vícios identificados
pela doutrina. Iniciou-se então a idade de ouro da teoria dos vícios do ato administrativo durante a qual esta chegou a ter um peso asfixiante na teoria
geral do ato administrativo, quer em termos substantivos quer em termos
processuais.
Do ponto de vista substantivo, entendia-se
que a enumeração legal dos vícios do ato administrativo era fechada, o que
deixava na sombra outras formas de ilegalidade que não se reconduzissem de forma
clara a cada um deles.
Do ponto de vista processual, entendia-se
que a não alegação de um determinado vicio no recurso hierárquico necessário
preclodia a possibilidade de alegação num futuro recurso contencioso, por outro
lado, entendia-se também que o recurso contencioso não podia prosseguir se, na
petição inicial, o recorrente não indicasse ( ou mesmo, numa visão extrema,
qualificasse corretamente) os vícios de que entendia padecer o ato impugnado.
A tendência atual é para relativizar a
teoria dos vícios do ato administrativo. A entrada em vigor do CPTA acarretou
a revogação do art.º 15, 1 LOSTA e , como tal, já não existe na ordem jurídica
portuguesa uma enumeração legal dos vícios do ato administrativo embora
a lei se refira, por vezes individualmente a alguns desses vícios por exemplo o
art.º 133, a CPA refere a usurpação de poder.
No plano substantivo, entende-se que os
cinco vícios doutrinalmente identificados não correspondem a um catálogo
taxativo de formas de ilegalidade do ato administrativo; no plano processual,
deixou de ter qualquer fundamento a exigência de alegação dos vícios dos atos administrativos objecto de impugnação perante a administração ou os tribunais (conforme
reconheceu o ac. STA 6/11/1996, Proc. 020196, os vícios do ato administrativo
nem sequer constituem a causa de pedir a impugnação de atos administrativos
esta consiste isso sim «no facto ou factos integradores do Vicio ou vícios
imputados ao ato impugnado.
Não existe uma correspondência entre
as categorias de requisitos de legalidade e os vícios do ato administrativo.
Assim enquanto o vício de forma cobre todas as ilegalidades decorrentes da
preterição de requisitos de legalidades formais o vício de incompetência não
cobre todas as ilegalidades decorrentes da preterição de requisitos de
legalidade subjectivos, nem o vício de desvio de poder cobre todas as
ilegalidades decorrentes da preterição de requisitos de legalidade funcionais;
o vício de violação de lei cobre todas as ilegalidades decorrentes da preterição
de requisitos de legalidade materiais, a usurpação de poder gera sempre
nulidade [art.133.ºa) CPA], as ilegalidades reconduzíveis a qualquer um dos
outros vícios podem redundar quer em nulidade quer em anulabilidade. O inegável
declínio da teoria dos Vícios do ato administrativo leva a que o seu alcance
seja fundamentalmente sistemático e pedagógico.
Agora prover-se-á a uma análise sintética
dos aspectos gerais dos tradicionais vícios do acto administrativo tratados na
doutrina que são a Usurpação de poder, a incompetência, o vício de forma, o
desvio de poder e violação de lei.
Usurpação
de poder
É um vício do ato administrativo pela
qual um órgão da administração pública exerce uma outra função do Estado que
não a função administrativa, sem para isso estar habilitado. Trata-se, por
isso, de uma violação do princípio da separação de poderes e geralmente estão
em causa situações de exercício administrativo da função jurisdicional.
Exemplos de atos viciados de usurpação de
Poder: um ato pela qual um
Órgão administrativo determina a execução
de um ato administrativo, nos casos em que essa execução está reservada aos
tribunais (art.307.º,1CCP); um ato pelo qual o Governo dissolva a Assembleia
da República, matéria de competência política do Presidente da República [art.133.º,e)
CRP].
Incompetência
Existe incompetência quando um órgão da
administração pratica um ato administrativo, sem que qualquer norma legal lhe
atribua a competência para tal. Trata-se de uma consequência direta do
princípio da reserva de lei, na sua dimensão de precedência de lei e do seu
subprincípio de legalidade da competência. A incompetência pode ser absoluta ou
relativa: enquanto na incompetência relativa o ato está viciado apenas pela
falta de competência do seu autor, na incompetência absoluta o vício do ato advém também da circunstância de ele ser estranho às atribuições da unidade de
atribuições em que o seu autor se insere (por isso a incompetência absoluta é
por vezes designada como incompetência por falta de atribuições) A incompetência
é absoluta em três situações: quando o órgão legalmente competente para a
prática do ato pertence a uma pessoa colectiva diferente daquela a que pertence
o autor do ato quando o órgão legalmente competente para a prática do ato
pertence à pessoa colectiva daquela a que pertence o autor do ato mas a
unidade de atribuições (ministério ou secretaria regional diversa) e quando o
poder exercido pelo órgão que praticou o ato extravasando as atribuições da
unidade em que o seu autor se insere, não é legalmente cometido a órgão algum.
Nas situações em que o ato não é estranho às atribuições da unidade em que o
seu autor se insere, a incompetência é apenas relativa.
Vício
de forma
O vicio de forma afeta os atos administrativos praticados com
desrespeito dos seus requisitos objectivos formais de legalidade. Existe,
assim, em duas modalidades: o vicio de forma por preterição de forma legal e o
vicio de forma por preterição de formalidades essenciais.
Exemplo do primeiro vicio: um ato sob
forma oral para o qual a lei exige forma escrita.
Exemplo do segundo: um ato praticado sem
que tenha sido solicitado parecer obrigatório.
Desvio
de Poder
Há desvio de poder apenas quando o motivo
principalmente determinante de um ato administrativo não visa a prossecução de
um fim legal.
O desvio de poder pode assumir duas
formas: o desvio de poder por motivo de interesse privado (ocorre quando o
motivo principalmente determinante visa a prossecução de um interesse privado,
material, ou imaterial, do titular do órgão emissor do ato ou de outrem) e o desvio
de poder por motivo de interesse público (ocorre quando o motivo principalmente
determinante visa a prossecução de um fim, que apesar de não ser um fim legal,
é ainda de interesse público).
O desvio de poder é um vicio típico dos atos praticados ao abrigo da margem de livre decisão, pois nos atos administrativos vinculados os requisitos funcionais de legalidade são de
reduzida, ou mesmo nula, importância ( nestes atos em principio, são
irrelevantes os motivos e o fim real, desde que haja conformidade legal dos
aspectos vinculados do ato.)
Violação
de lei
Há um critério positivo e um critério
negativo de identificação do vicio de violação de lei. O conteúdo essencial do
vicio de violação de lei respeita ás ilegalidades objectivas materiais dos atos administrativos: o vicio de violação de lei é assim aquele em que incorrem os
actos administrativos que desrespeitem requisitos de legalidade relativos aos
pressupostos de facto, objecto e conteúdo. O vício de violação de lei é também
doutrinalmente empregue para garantir o carácter fechado da teoria dos vícios
do ato administrativo: nestes termos padecem de violação de lei, os atos administrativos ilegais cuja ilegalidade não se possa reconduzir a qualquer dos
outros vícios, tendo portanto este vicio carácter residual.
Exemplos: um ato de atribuição de uma
bolsa de estudo a uma pessoa que não reúne os pressupostos de facto para tal;
um ato administrativo desfavorável não fundamentado (violação de lei por
ilegalidades objectivas materiais do ato administrativo); um ato administrativo praticado por um órgão cujo titular estava impedido ao abrigo do
art.44.º CPA ou não estava investido nas suas funções (violação de lei por
exclusão de partes).
Conclusão
Segundo o Professor Marcelo Rebelo de
Sousa embora nada se perdesse com uma reformulação e atualização da teoria dos
vícios do ato administrativo o carácter fechado da sua construção, garantido
pelo carácter residual do vício de violação de lei explica de certa maneira que
as tentativas de reformulação da teoria dos vícios do ato administrativo não
tenham tido sequência doutrinal ou jurisprudencial de relevo.
José Carlos Alves nº21700
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