NOTÍCIA:
12 Abril 2013, 10:28 por Jornal de Negócios Online
Miguel Relvas pode pedir a anulação do inquérito à sua
licenciatura por não ter sido ouvido durante o processo de inquérito.
O processo
de inquérito à licenciatura do ex-ministro adjunto e dos Assuntos Parlamentares,
Miguel Relvas, já deu entrada no Ministério Público. Mas Miguel Relvas pode
pedir a sua anulação por não ter sido ouvido durante o processo, escreve
hoje o “Sol”.
De acordo
com o mesmo jornal, Relvas pode pedir a anulação do inquérito, ao abrigo do artigo 100º do Código do Procedimento
Administrativo, que determina que “os interessados têm o direito
de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser
informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta”.
O Ministério
da Educação e Ciência anunciou, na semana passada, que ia enviar para o
Ministério Público o relatório da Inspecção-geral de Educação e Ciência, que
envolve a licenciatura de Miguel Relvas, para que fosse este a decidir sobre a “invalidade de um acto de
avaliação de um aluno”. Uma decisão que acabou por levar Relvas a pedir a
demissão.
Segundo esse
relatório existe “prova documental de que uma classificação de um aluno não
resultou, como devia, da realização de exame escrito”.
O Ministério
Público no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa recebeu esta
segunda-feira o processo, devendo analisá-lo com vista a um eventual
procedimento judicial.
De acordo
com o “Sol”, o reitor da Lusófona, Mário Coutinho, já se terá queixado ao
ministro da Educação por ter sido ouvido um número de docentes “de reduzida
representatividade” e por Relvas nunca
ter sido chamado a prestar esclarecimentos. Na carta enviada, o reitor
reitera que não houve qualquer irregularidade na avaliação de Relvas, já que
foi avaliado de acordo com as regras do regulamento do curso de Ciência
Política e Relações Internacionais.
Mas a investigação a licenciaturas da Lusófona
não se vai ficar pela do ex-ministro. O Ministério da Educação, através da
Inspecção-geral de Educação, já começou a analisar, uma a uma, todas as
licenciaturas atribuídas através do sistema de atribuição de créditos com base
na experiência profissional. São perto de 400 alunos. Isto por que não
ficou satisfeita com a avaliação feita pela própria universidade.
(Negritos nossos)
COMENTÁRIO:
Esta notícia de hoje pode ser por nós aproveitada no nosso
estudo sobre o procedimento administrativo.
Em questão está apreciar a audiência prévia a que se reporta
o art. 100º do CPA e que diz respeito a um trâmite do procedimento
administrativo que
assegura aos interessados num procedimento o direito de participarem na
formação das decisões que lhes digam respeito.
De facto, não se pode ignorar esta fase, cuja
relevância é reforçada pelo facto de concretizar normas constitucionais, mais
especificamente o artigo 267º
nº5, que assegura a “participação dos cidadãos na formação das decisões ou
deliberações que lhes disserem respeito”, e o 2º, in fine, na medida em que é uma refracção do princípio da
democracia participativa (CRP).
Esta formalidade interessa aos titulares desse direito
pois permite-lhes exercer o princípio do contraditório, que, segundo os
Professores Esteves de Oliveira, Costa Gonçalves e Pacheco de Amorim, será “a
garantia mais substanciosa que se confere a todos os interessados, de que a sua
versão dos factos e do direito ou a tutela dos seus interesses serão tomados em
consideração na decisão do procedimento, mesmo que seja para os desqualificar,
face a outros que a Administração tenha como prevalecentes.” A audiência dos
interessados consubstancia um direito de defesa que, como salienta René Chapus,
permite reduzir o risco de que «decisões» sejam tomadas com mau conhecimento dos
factos ou por motivos não relevantes”.
O direito em questão é, ainda, um corolário de vários
princípios: o princípio da transparência do procedimento, do princípio da colaboração da
Administração Pública com os particulares (art. 7º nº1) e do princípio da
participação (art. 8º).
Compreendemos então a pertinência do preceito que, de
forma mais resumida e clara nas palavras dos Professores Rebelo de Sousa e
Salgado de Matos, possibilita “evitar decisões surpresa, facultar aos
particulares uma oportunidade para fazerem valer as suas posições e os seus
argumentos no procedimento, assim como, auxiliar a administração a decidir
melhor, de modo mais consensual e em conformidade com o bloco de legalidade”.
No que diz respeito ao seu regime legal, podemos
encontrá-lo nos artigos 100º a 105º do CPA.
Começando pelo art. 100º vemos que salvo os casos em que não
haja audiência ou haja dispensa, consagrados no referido artigo 103.º do CPA, a
audiência dos interessados tem lugar quando tiver havido instrução. Este
é momento escolhido para que possam ser apresentados factos novos que poderão
ou não depois vir a afectar a decisão.
Quanto aos interessados, estes devem ser entendidos tendo
em atenção o art. 53º CPA, como aqueles a quem a decisão poderá
prejudicar ou desfavorecer, ou então os que com ela poderão beneficiar desde
que não seja dispensada nos termos do art. 103º nº2 al. b).
Não tendo sido um interessado chamado a pronunciar-se,
há incumprimento de formalidade por parte da Administração.
A doutrina e a jurisprudência maioritárias têm adoptado
a ideia de a audiência prévia dos interessados ser uma formalidade essencial
cuja preterição cominaria com a invalidade da decisão.
Porém, Santos Botelho, Pires Esteves e Cândido Pinho,
numa interpretação restritiva, têm um entendimento diferente, defendendo que,
mediante a falta desta formalidade, apenas haverá vício de forma nos casos em
que “o interessado viu, de facto, afectados os seus direitos e, em particular,
as suas garantias de defesa”
.
Não seguimos esta posição por várias ordens de razões.
Vejamos.
Para começar, o procedimento administrativo compõe,
como diz o Prof. Freitas do Amaral, “a sequência juridicamente ordenada de
actos e formalidades tendentes à preparação da prática de um acto da Administração
ou à sua execução” pelo que, não é pela decisão do caso em
apreciação não ter sido prejudicial que o procedimento deixa de estar “inquinado”
pela preterição de uma formalidade.
Depois, a posição referida é contraditória: o direito
de audiência dos interessados não é senão uma garantia (direito) de defesa,
logo, a sua não observância redundará sempre na afectação ”em particular, das
garantias de defesa” do interessado, ressalvadas as excepções legalmente
admitidas.
Por último “o nosso sistema de garantias contenciosas
baseia-se na presunção da legalidade do acto administrativo” e reduzir esta
formalidade a relativamente essencial, equivaleria a transformar “aquilo que a
lei concebeu como um direito dos interessados, (…) num ónus seu, pois a eles
competiria fazer a prova de que a omissão da formalidade redundara em prejuízo
dos seus interesses ou da sua posição procedimental”, assim dizem Esteves de Oliveira, Costa Gonçalves e Pacheco
de Amorim.
Visto isto, rejeitamos esta segunda posição e
defendemos conjuntamente com a maioria da doutrina que, ressalvados os casos do
103º, a preterição desta formalidade essencial redunda em invalidade.
Questão diferente e que tem gasto rios de tinta é a de
saber qual a modalidade de invalidade em causa, se nulidade ou se anulabilidade, pois o regime
de um ou de outro será diferente.
A defender a anulabilidade temos os autores Freitas
do Amaral e Pedro Machete e muita jurisprudência do STA. Sustentando,
nas palavras do primeiro autor que “o direito subjectivo público de audiência
prévia dos interessados é de grande importância no sistema de protecção dos
particulares face à Administração Pública, mas não um direito incluído no
elenco dos direitos fundamentais, que são direitos mais directamente ligados à
protecção da dignidade da pessoa humana.”
Noutra linha, a sustentar a nulidade, encontramos os
Professores Vasco Pereira da Silva, Marcelo Rebelo de Sousa, André Salgado
Matos e Sérvulo Correia. No seguimento do nosso regente Vasco Pereira da Silva,
a Constituição reconhece aos indivíduos “direitos subjectivos perante a
Administração, com natureza de direitos fundamentais, que integram o seu
estatuto jurídico-constitucional e o colocam numa posição de igualdade (à
partida) relativamente aos poderes públicos”. Daí que, “o reconhecimento de
posições jurídico-constitucionais de vantagem do cidadão perante a
Administração, como é caso do art 267/4 CRP, (…) é de qualificar como um
“direito, liberdade e garantia de natureza análoga””, e que entra na CRP por via
do art. 16º CRP. Contraria assim o argumento do Prof. Freitas que não considera
o direito de audiência um direito fundamental por não estar em questão um
corolário da Dignidade da Pessoa Humana, dizendo que “Nos dias de hoje, (…)a
dignidade da pessoa humana necessita também de ser garantida (…) face ao
Estado-Administração” e que os direitos fundamentais “não devem ser entendidos
como possuindo apenas um conteúdo substantivo, mas constituindo igualmente
garantias de procedimento”. O Professor diz então que “quer pela via da qualificação do direito de
audiência como direito fundamental, quer pela via dos direitos fundamentais
afectados pelas actuações administrativas terem de resultar de um procedimento
participado e em que os privados seus titulares sejam ouvidos, quer ainda
pela conjugação de ambas as perspectivas, chegamos à conclusão de que uma
decisão administrativa praticada sem audiência dos particulares interessados
viola o conteúdo essencial de um direito fundamental, pelo que deve ser
considerada nula, nos termos do art. 133º nº 2 al. d) do Código do Procedimento
Administrativo” .
Adoptamos a posição do nosso regente.
Visto
isto, entendemos que, caso tivesse de haver sido ouvido o ex-ministro e não o
tendo sido, a consequência seria a nulidade e não a anulação como dá a entender a notícia.
No
entanto, relembramos que só há lugar à audiência dos interessados nos casos que
não se insiram no 103º nº1 ou que se insiram no nº 2 e sejam dispensados. Ora,
a notícia diz-nos (como eu sublinhei) que a investigação não se vai ficar pela licenciatura
de Miguel Relvas, mas vai abranger cerca de 400 casos, pelo que, nos temos da alínea c) do 103º nº1 dever-se-ia proceder a consulta pública se
possível, e não a audiência prévia, dado o número incomportável de interessados
a terem de ser ouvidos.
Aprofundado mais a questão, vemos que essa não é a
única incerteza que a notícia nos levanta, pois pensamos que, no caso em apreço
(ainda que este aspecto não tenha sido agora muito bem estudado), talvez não
devesse haver ainda audiência prévia ou consulta pública, mas apenas na altura
em que decida sobre a invalidade dos
actos de avaliação dos alunos, onde verdadeiramente serão interessados (nos
termos do art. 100º conjugado com o 53º) como possíveis lesados pela decisão.
Concluímos então rejeitando a possibilidade de
nulidade do inquérito à licenciatura de Miguel Relvas e com o elogio à norma do
CPA que consagra hoje, ao lado de muitas outra, a evolução de um Direito
Administrativo autoritário que, como vimos no semestre passado, colocava o
particular na posição de objecto, para um Direito Administrativo que regula uma
Administração prestadora, que coloca o particular numa posição de sujeito de
direito e deveres, passando de uma “administração não participada” a uma
“administração participada” (expressões do Prof. Freitas do Amaral).
Concretizando a audiência dos interessados essa positiva evolução e postulando vários
princípios acima enunciados, afirmamos, com o Prof. Vasco Pereira da Silva, que
este Direito não se trata apenas de uma mera formalidade mas de um direito
fundamental.
Enfatizamos , para finalizar, que as várias exigências do regime legal da audiência dos
interessados (que aqui não analisámos mas que podem ser encontradas nos
preceitos apontados) demonstram a preocupação do legislador em assegurar a
teleologia do instituto, de conseguir mais do que o seu cumprimento
formal, que ele seja de facto efectivo, garantindo a protecção deste direito fundamental.
Sendo esta ideia reforçada pelo facto de que não havendo audiência, a decisão
final e todo o procedimento administrativo ficam inquinados, seja qual for o
desvalor que a doutrina ou a jurisprudência lhe atribuam. Toda este processo com toda a sua relevância, no caso de serem obrigatórios, não podem nunca ser ignorados.
Referências:
http://www.dgsi.pt/jtcampca.nsf/a10cb5082dc606f9802565f600569da6/dba756cb0876328d802577e50059395b?OpenDocument
http://apsicanalisedodireitoadministrativo.blogspot.pt/search?q=audi%C3%AAncia+dos+interessados
DIOGO
FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Almedina, Coimbra
ESTEVES
DE OLIVEIRA/ PEDRO GONÇALVES / PACHECO DE AMORIM, Código do Procedimento Administrativo,
anotado, 2.ª edição
VASCO
PEREIRA DA SILVA, «Em Busca do Acto Administrativo Perdido», Almedina, Coimbra
MARCELO REBELO DE SOUSA, ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Actividade Administrativa, Dom Quixote
Mª Rita Anunciação
nº. 22055
Cara colega:
ResponderEliminarNão tiro o mérito do artigo, quem sou eu, mas teria sido bem mais simpático se o tivesse feito depois da exposição da matéria. Este tema vai ser alvo de debate oral nas aulas práticas de direito administrativo por alguns dos seus colegas em subturma.
Este comentário foi removido pelo autor.
EliminarCara Marisa:
ResponderEliminarEu só publiquei porque a notícia saiu nesse dia e pareceu-me pertinente, até porque a audiência prévia já foi dada nas aulas (apesar de não com tanta profundidade). Mas peço desculpa, não me lembrei mesmo de que ia ser debatido o tema da invalidade!
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EliminarEste comentário foi removido pelo autor.
EliminarAgradeço que fale comigo pessoalmente.
EliminarObrigada
Este comentário foi removido pelo autor.
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