sábado, 27 de abril de 2013

Introdução ao acto administrativo


Para o presente trabalho, propus-me analisar a importância do acto administrativo para a Administração Pública e o seu papel ao longo do tempo.
Fazendo uma breve introdução histórica, o acto administrativo surgiu no liberalismo pós-revolucionário francês oitocentista como instrumento de protecção da administração pública em face da interferência dos tribunais comuns conservadores e contra-revolucionários.

As suas origens históricas permitem perceber a razão pela qual o acto inicialmente era um acto autoritário, no final do século XX o juiz Otto Mayer desenvolveu o conceito, definindo-o como ´´uma pronúncia obrigatória pertencente à administração, que, no caso individual, determina perante o súbdito qual deve ser para ele o direito’’ . Esta visão de Otto Mayer teve grande influência constituindo o seu conceito um dos mais influentes do direito moderno.

O acto administrativo era então uma conduta individual de autoridade constituindo assim a forma típica do paradigma liberal da administração agressiva, subtraída à apreciação dos tribunais comuns e ao controlo dos tribunais administrativos.

No entanto, com o decorrer do tempo a sua característica autoritária foi perdendo peso por um inúmero conjunto de situações que permitiram a sua evolução nesse sentido. O acto sofreu alguma descaracterização em relação à sua configuração e funções originárias.

O professor Marcelo Rebelo de Sousa enumera factores como: o aprofundamento da democracia representativa, o alargamento dos meios de tutela dos particulares contra os poderes públicos, a plena jurisdicionalização dos tribunais administrativos, a implantação do Estado social que faz emergir uma administração prestadora e infra-estrutural e o surgimento de outras formas de actividade administrativa, como o contrato.

Outros factores que permitiram a evolução dos actos administrativos prendem-se com o aprofundamento dos direitos fundamentais, o emergir dos direitos de participação dos particulares na formação de decisões que constituiu um factor de peso para o carácter autoritário ter diminuído consideravelmente e que veio a culminar num diálogo entre a administração e o particular, a intervenção do Estado nas esferas económica e social que fez com que o acto passasse a operar em áreas da administração prestadora e infra-estrutural e por último, o aperfeiçoamento do contencioso administrativo que levou à existência de mecanismos de reacção jurisdicional contra a administração pública que não pressupõem a emissão de actos administrativos.

Apesar de ter sofrido uma grande transformação, o acto administrativo não perdeu o lugar central que ocupa desde o início da sua existência devido a ser a manifestação mais presente e visível do poder administrativo e por ter demonstrado nos últimos anos a capacidade de se acomodar à evolução das tarefas da administração pública.

Ele continua a ser a forma de actuação mais significativa da administração, isto porque, para além dos actos administrativos que são praticados como decisões, muitos outros surgem durante os procedimentos decisórios e executivos bem como durante os procedimentos para a formação e execução de regulamentos ou contratos administrativos assim como podem surgir actos em todos os processos que decorram nos tribunais administrativos.

Fazendo agora uma breve definição do acto administrativo, segundo o professor Freitas do Amaral o acto é o ‘’acto jurídico unilateral praticado, no exercício do poder administrativo, por um órgão da administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei, e que traduz uma decisão tendente a produzir efeitos jurídicos sobre uma situação individual e concreta’’.

Trata-se de um acto jurídico o que significa que lhe são aplicáveis os princípios gerais de direito referentes ao acto jurídico em geral.

É também um acto unilateral dado que provém de um autor cuja declaração é perfeita e independente do concurso de vontades de outros sujeitos. O que significa que mesmo que existam actos que necessitem de aceitação, os actos administrativos não deixam por isso de ser actos unilaterais. A aceitação é apenas condição de eficácia do acto, não integra o seu conteúdo nem constitui uma condição para a sua existência. O acto existe e é válido, se não receber a aceitação nos casos em que precise torna-se ineficaz mas não foi por isso que não foi um acto.

O acto deve também ser praticado no exercício do poder administrativo, no exercício de um poder público, ou seja ao abrigo de normas de direito público para o desempenho de uma actividade administrativa de gestão pública. Exclui-se assim os actos que sejam desempenhados pela administração pública ao abrigo de actividades de gestão privada, nem são actos administrativos os actos políticos, legislativos e jurisdicionais.

O acto administrativo é um acto praticado por um órgão administrativo. Isto significa que são actos administrativos os actos emanados pelas autoridades administrativas, também designadas por Otto Mayer como a aristocracia da administração. Esta aristocracia significa que não é qualquer funcionário público ou agente administrativo que pode praticar actos administrativos, só um número restrito da função administrativa tem esse poder (poder proveniente da lei ou de uma delegação de poderes, prevista também na lei).

Para além desse número restrito existem pessoas colectivas com este poder que não pertencem à administração em sentido orgânico, são exemplo pessoas colectivas privadas nomeadamente as pessoas colectivas de utilidade pública e as sociedades de interesse colectivo, e isto porque constituem pessoas colectivas que colaboram com a administração pública nas suas atribuições, estando os seus actos que sejam qualificados como actos administrativos, sujeitos a impugnação contenciosa como qualquer acto administrativo.

Podem praticar também actos administrativos órgãos do Estado que não sejam órgãos da administração nem pertencentes ao poder executivo, ou seja, actos integrados no poder moderador, legislativo ou judicial.

Para uma melhor compreensão da importância do acto administrativo é necessário recorrer às suas funções. O acto administrativo é um conceito central do direito administrativo material, procedimental e do direito processual administrativo, não obstante existirem, evidentemente, relações jurídicas administrativas não conformadas por acto administrativo.

Dentro do direito administrativo material, o acto assume cerca de quatro funções essenciais: tem uma vocação estabilizadora conferindo certeza jurídica às situações sobre as quais incide; tem uma função definitória, disciplinando uma determinada situação jurídica sendo nesta medida, o instrumento por excelência da autotutela declarativa da administração; o acto é também o título legitimador de situações jurídicas da administração e dos particulares, fundando a execução das suas decisões e permitindo opor à administração ou a terceiros as situações jurídicas deles decorrentes; tem também uma função concretizadora realizando no caso individual e concreto as normas gerais e abstractas integrantes do bloco de legalidade administrativa.

No campo do direito administrativo procedimental o acto administrativo constitui o culminar de um procedimento que visa a sua emissão, um acto praticado no decurso de um procedimento que visa a adopção de uma conduta posterior ou a execução de uma conduta anterior.

No campo do direito processual administrativo o acto administrativo assume papel de garantia constitucional e legal da intervenção dos tribunais administrativos perante um litígio emergente de uma relação jurídico-administrativa que por ele tenha sido disciplinada.

De acordo com Freitas do Amaral o acto administrativo é verdadeiramente a figura central e fundamental do Direito Administrativo como já foi referido acima. Sérvulo Correia refere mesmo que, não obstante existirem nos dias de hoje vários modos de conduta administrativa o acto administrativo mantém-se como a forma mais utilizada no exercício jurídico da função administrativa.

Para o professor, a relação entre o acto administrativo e o recurso contencioso (isto é, a reacção do Direito Administrativo criada para proteger os direitos dos particulares, o recurso contencioso de anulação de possíveis violações de posições subjectivas dos particulares) constitui o ponto essencial do Direito Administrativo.

Contrariamente a Freitas do Amaral e a Marcelo Rebelo de Sousa, que também defende o acto como conceito central do direito administrativo, surge paralelamente Vasco Pereira da Silva que contesta esse entendimento tradicional do direito administrativo.

Defende mesmo que a doutrina clássica deve ser repudiada por cerca de três ordens essenciais de razões. Segundo o professor o acto já não é nos dias de hoje a figura central da dogmática da nossa disciplina, defendendo a sua substituição pelo conceito de ´´relação jurídica administrativa´´; segundo, definir o acto administrativo como acto de autoridade é uma ideia já ultrapassada, típica das épocas do Estado Liberal e do Estado autoritário, mas inadequada aos dias de hoje; contraria também, por último, que o recurso contencioso de anulação acima referido seja nos dias de hoje a única ou a principal garantia jurisdicional dos particulares dado que, há também que considerar as acções para o reconhecimento de direitos ou interesses legítimos bem como as demais acções existentes no contencioso administrativo.

Sobre esta dissertação, Freitas do Amaral surge contra os seus argumentos. Relativamente ao acto como acto autoritário, segundo o professor não é certo que no Estado Liberal o mesmo fosse um conceito autoritário. Isto por dois motivos: os autores através dos quais Vasco Pereira da Silva sustentou esse argumento não são na verdade autores do Estado Liberal (como por exemplo Otto Mayer) e também porque o conceito de acto administrativo como acto autoritário é independente dos regimes políticos, ele mantém-se o mesmo quer nos regimes pré-liberais, autoritários e democráticos. O que muda conforme os regimes políticos não é, portanto, o conceito mas sim o seu regime jurídico e as garantias e as garantias dos particulares perante condutas ilegais da administração.

 Aliás, num regime político liberal e democrático há necessariamente actos de autoridade dado que, onde há Estado há poder e este exprime-se como autoridade por meio de normas e actos concretos. Isto que dizer que a liberdade e a democracia não prescindem da autoridade do Estado.

Segundo o entendimento do professor Freitas do Amaral para além de todos estes motivos, a razão pela qual a doutrina clássica do Direito Administrativo continental europeu deu mais relevo às figuras do acto e do recurso contencioso de anulação, não esteve relacionada com a concepção autoritária do Direito Administrativo mas sim por serem encarados como as figuras que potencialmente seriam mais perigosas para a garantia dos interesses dos particulares e que melhor os poderiam defender contra agressões da sua esfera jurídica.

 Sofia Paixão, nº20683

Sem comentários:

Enviar um comentário