quinta-feira, 18 de abril de 2013

A Competência Revogatória aquando Incompetência Relativa: Teoria do Autor Legal e do Autor Efectivo



A revogação, em primeiro lugar, diz respeito à existência de um acto administrativo criado para extinguir, em todo ou só em parte, os efeitos de um acto administrativo anterior (vulgo, se extinguir todos os efeitos do acto anterior será total, se extinguir apenas parte, será parcial).
No art. 142º do Código de Procedimento Administrativo (vulgo, "CPA") é estabelecido o preceito da competência revogatória, ou seja, as entidades que são aptas a revogar um acto administrativo (ou, como afirma o prof. David Duarte, de normas cuja especificidade é atribuírem ao órgão a possibilidade de criação de outras normas que alteram o ordenamento jurídico). Assim, no nº1 do mesmo artigo, podemos encontrar como competentes: os autores do acto e os respectivos superiores hierárquicos; no nº2, encontramos o regime especial para a delegação e a subdelegação, onde estipula que os actos poderão ser revogados pelos delegantes e pelos delegados, enquanto dure a delegação.

Interessa-nos aqui focar, contudo, no preceito do “autor do acto”. Este será, como o nome indica, quem praticou o acto em si. Tal advém da sua competência dispositiva, ou seja, de praticar o acto, de lhe adicionar preceitos e de proceder a alterações.
Contudo, o que acontece caso não estejamos perante um acto totalmente impune, mas sim perante um acto praticado por um órgão incompetente? Quem terá legitimidade para revogar será o órgão originário que tem competência para tal ou o órgão que praticou o acto?
Aqui entra a questão que leva a uma divergência na doutrina, que se prende com a Teoria do Autor Legal e a Teoria do Autor Efectivo.

Segundo a Teoria do Autor legal, teria legitimidade para revogar o acto o autor legal, isto é, o órgão que a lei estipulava como competente para tal em certa matéria. Já a Teoria do Autor Efectivo estipula precisamente o contrário: em detrimento do autor legal, com competência dispositiva sobre o acto, dar-se-ia uma preferência ao autor efectivo, vulgo, quem efectivamente praticou o acto, para a revogação do mesmo.

Segundo o prof. David Duarte, há que saber, primeiramente, se a competência dispositiva engloba também a competência para revogar, e aqui o autor apresenta-nos duas visões: a proposição negativa e a positiva.
Na proposição negativa, a competência para revogar não necessita de estar essencialmente ligada a uma outra competência a priori, i.e., o simples facto de uma entidade ter competência dispositiva sobre certa matéria não o habilita só por si a ter igualmente competência para revogar o acto; terá de existir portanto uma norma de habilitação para a revogação autónoma, visto que existem normas que atribuem competência dispositiva sem competência revogatória, e vice-versa.
O autor faz ainda a distinção entre as diversas modalidades de competência. De acordo com este, existem as normas de competência unicondicionais (onde o órgão competente tem o poder de criar efeitos jurídicos sem quaisquer limitações) e pluricondicionais (que, contrapondo-se à outra, limita o órgão a um determinado número de restrições, i.e., impõe limitações, quer materiais, temporais ou meramente físicas ao órgão para elaborar a norma de revogação); estabelece-se ainda a distinção entre normas de competência directa (onde a estatuição da norma reporta-se a uma definição substantiva do domínio sobre o qual os direitos podem ser criados, ou seja, dá-se uma previsão definida directamente) e entre normas de competência indirecta (a previsão da norma reporta-se a uma outra norma ou a várias, i.e., a previsão é definida de forma indirecta através de outra norma em causa).
Já na proposição positiva, o autor que tinha a competência primária sobre o acto, vulgo, competência dispositiva, tem igualmente competência para revogar, ou seja, o simples facto de deter competência dispositiva habilitava-o automaticamente (independentemente da produção de efeitos ou não desse mesmo acto em causa) a deter igualmente um poder revogatório sobre o acto. 


Entrando já no campo das divisões doutrinárias, começaremos pelos autores que defendem a Teoria do Autor Efectivo.

O prof. Diogo Freitas do Amaral começa por afirmar que um acto revogatório é um acto secundário, ou seja, um “acto sobre um acto”, e que, no caso específico da competência revogatória do autor do acto, se a competência tiver sido transferida por lei para outro órgão, este é que passará então a ter competência para revogar o acto em causa, e não o órgão original – a modificação na competência dispositiva releva para o apuramento do órgão que dispõe do poder de revogação.
Contudo, no que diz respeito ao caso de incompetência para a prática do acto de revogação, o prof. é deveras afinco na Teoria do Autor Efectivo, estipulando que, quem praticou o acto é que terá competência para a revogação, e não o órgão originalmente competente. Visto que, se se aceitasse que o acto pudesse ser revogado pelo órgão competente, seria equivalente a afirmar que “se estaria a atribuir a este um poder de superintendência que não existe”.  O autor remete ainda, para sustentar a sua posição, à decisão do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão 1 de 24/11/1972, no caso “Sofinol”, que argumenta no mesmo sentido da defesa do efectivo autor do acto.

Ainda dentro dos defensores da Teoria do Autor Efectivo temos a posição dos professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos, que sustentam que esta teoria é a única que respeita a coerência da “resenha constitucional e legal das relações supra e infra-ordenadas entre os órgãos da Administração”.
Utilizando uma sistematização de argumentos a favor e contra, os autores afirmam que a teoria em causa tem ainda suporte no artigo 137º/3 do CPA, onde se estipula que “… em caso de incompetência, o acto de ratificar cabe ao órgão competente para a sua prática.”; entende-se assim, que por uma maioria de razão, aplica-se analogicamente este regime igualmente ao da revogação.
É-nos ainda afirmado que a teoria do autor legal está impregnada de perversões, visto que atribui competência revogatória a um órgão que não dispõe de poder de revisão sobre o acto revogado (tal como afirmado por Freitas do Amaral). 


Entrando agora no campo oposto da divergência, referiremos os autores que defendem a tese contrária: a Tese do Autor Legal.

O professor Marcello Caetano, no seu manual de Direito Administrativo, admite que o órgão competente para a prática de certo acto não pode, só por isso, revogar actos dos quais não foi autor. Vulgo, não faria sentido atribuir a um órgão sem competência dispositiva uma competência revogatória, visto que a competência para revogar pressuporia, a priori, uma competência para dispor.

Mário Esteves de Oliveira defende igualmente esta tese, afirmando que o autor do acto tem necessariamente competência para revoga-lo, visto que a competência dispositiva permite-lhe, de uma forma abrangente, regular aquela situação em causa. A inovação da teoria deste autor é quando estipula que o órgão competente (X), pode revogar o acto praticado pelo órgão incompetente (Y), ou seja, se Y praticar um acto que pertença a X, este último pode sempre revogar o acto em causa, sem necessitar de prévia autorização de Y, órgão incompetente.

O professor Sérvulo Correia, tal como os anteriores, acredita que a competência dispositiva engloba a competência revogatória, na medida em que “quem tem poderes para produzir efeitos na esfera jurídica de outrem possuiu-os também para pôr termo a tais efeitos”.  Aqui prendendo-se, novamente, a questão de saber se quem praticou o acto tinha ou não competência dispositiva sobre a matéria. Transcrevendo o autor: “titularidade de competência dispositiva sobre a matéria é condição suficiente para o exercício de competência revogatória na mesma matéria, qualquer que seja o autor dos actos”.


Numa síntese geral das teses em causa, os autores que defendem a teoria do Autor Efectivo defendem que quem pratica o acto é que deverá ter poderes para o revogar, visto que não será necessária a prévia existência de uma outra competência anterior (a dispositiva).
Os defensores da teoria do Autor Legal afirmam, por outro lado, que a competência dispositiva é como um grande halo que engloba a competência revogatória, e que não fará sentido a sua atribuição a um órgão que não pode sobre ela dispor. 

Comentário
Analisando os preceitos em causa, pensamos que a razão está com a Tese do Autor Legal, não só pelos motivos acima enunciados pelos autores, como pelo seguinte: fará sentido atribuir um poder a um ente que não o tem a priori? Isto é, o órgão que pratica o acto está, logo desde o início, a agir sobre uma competência que não é a sua; ao atribuirmos-lhe o poder de revogação do acto em causa (que este poderá ou não utilizar), não seria como atribuir uma nova competência, e como que a congratula-lo por algo que erroneamente fez? 
Será então esta a questão preeminente.


Patrícia Felício Silva
nº 21940

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