Regulamento Administrativo
Os regulamentos administrativos são as “normas jurídicas emanadas no exercício
do poder administrativo por um orgão da Adminstração ou por uma entidade
pública ou privada para tal habilitada por lei” – D. Freitas do Amaral. A
concepção de regulamento apresentada permite-nos destacar três componentes
frucais, a saber: um componente de natureza material, uma vez que o
regulamento administrativo consiste em normas jurídicas caracterizadas pela generalidade
(aplica-se a uma pluralidade de destinatários) e pela abstração
(aplica-se a uma ou mais situações definidas); um componente de natureza
orgânica, visto que o regulamento é, regra geral, sugerido por um órgão de uma
pessoa colectiva pública integrante na Administração Pública; por último, um
componente funcional, dado que o regulamento é emanado no exercício do poder
administrativo.
Os regulamentos são uma fonte secundária de Direito Administrativo. Como norma
secundária que é, o regulamento administrativo encontra o seu fundamento e
padrão de validade na constituição e na lei. Por conseguinte, um regulamento é
ilegal se contrariar uma lei e inconstitucional se violar qualquer preceito da
Constituição. Todavia, não é o seu carácter secundário que faz desta
fonte ser mais ou menos importante em relação às fontes primárias. Aliás,
os regulamentos constituem um produto da actividade administrativa
imprescindível ao funcionamento do Estado Moderno.
Os regulamentos podem ser classificados atendento a quatro critérios
fundamentais: atendendo à sua relação coma lei e às suas funções, à
titularidade do interesse público prosseguido, ao seu conteúdo e ao seu âmbito
de eficácia. Quanto à relação dos regulamentos com a lei e às suas funções
os regulamentos podem ser de execução (executam a lei), complementares
(desenvolvem aspectos de uma disciplina normativa que a lei não regulou mas que
são indispensáveis para que esta adquira exequibilidade) e independentes
(contém disciplinas materialmente inovatórias). Quanto à titularidade do
interesse público prosseguido, distingue-se entre os regulamentos autónomos
(emanam de um orgão de uma pessoas colectiva da administração autónoma) e os
regulamentos autonómicos (emanam de uma pessoas colectiva da administração
autonómica). Quanto ao conteúdo, há que referir essencialmente os regulamentos
de orgnanização (incidem sobre aspectos relativos à estrutura orgânica e
funcional da administração pública), os regulamentos de funcionamento (aspectos
relativos à actividade interna da administração) e os regulamentos de polícia
(impõem limitações à liberdade individual com vista a evitar que se produzam
danos sociais). Quanto ao âmbito de eficácia , há que distinguir entre
regulamentos internos (cujos efeitos jurídicos produzem-se unicamente no
interior da esfera jurídica da pessoa colectiva pública de que emanam) e os
regulamentos externos (cujos efeitos jurídicos produzem-se em relação a outros
sujeitos de direito diferentes). Esta é a classificação que segue o
professor Marcelo Rebelo de Sousa. O professor Freitas do Amaral para
além da espécies de regulamentos acima mencionadas elenca ainda os regulamentos
quanto ao âmbito da sua aplicação, nomeadamente: os regulamentos gerais
(vigoram em todo o território nacional), os regulamentos locais (domínio de
aplicação limitado a uma dada circunscrição territorial) e os regulamentos
institucionais (emanam de institutos públicos ou associações públicas).
O regulamento enquanto produto do exercício da função administrativa não deve
ser confundido com a lei, na medida em que esta traduz o exercício da função
legislativa. Contudo, esta distinção nem sempre foi clara propondo a doutrina,
ao longo dos tempos, vários critérios para fazer a distinção. Actualmente,
vigora o critério baseado na identidade material entre lei e regulamento,
sendo a distinção entre ambos feita no plano formal e orgânico. Tanto a lei
como o regulamento são materialmente normas jurídicas, a diferença entre ambos
radica na posição hierárquica dos orgãos de onde emanam e do diferente valor
formal, dado que a lei pode revogar o regulamento, mas o regulamento não pode
revogar a lei, pois caso o faça, é ilegal, estando por isso subordinado ao
princípio da legalidade, quer na sua dimensão de preferência de lei, quer na
sua dimensão de reserva de lei. Seguindo o entendimento do professor Marcelo
Rebelo de Sousa da sujeição dos regulamentos à preferência de lei decorrem
indispensávelmente cinco consequências, designadamente: os regulamentos que vão
ao desencontro do bloco de legalidade a que estão sujeitos são ilegais e,
normalmente, inválidos; uma lei posterior revoga um regulamento que seja
contrário àquilo que a mesma dispõe; em regra, a revogação ou cessação da
vigência da lei habilitante da emissão de determinado regulamento implica a
cessação da sua vigência por caducidade; a interpretação dos regulamentos deve
ser conforme à lei, devendo ser positivamente orientada para a prossecução
plena e integral dos fins da lei regulamentada; os regulamentos ilegais devem
ser desaplicados pelos tribunais (art.204.º da CRP). No que diz respeito à
reserva de lei, o professor, evidencia duas consequências fundamentais:
os regulamentos têm de ser necessáriamente habilitados por lei (≠ Freitas do Amaral,
segundo este autor existem excepções à sujeição dos regulamentos à reserva de
lei, nomeadamente os regulamentos internos); são em regra proibidos os
regulamentos retroactivos, com excepção dos casos em que a lei positivamente o
admita, sob pena de violação de reserva de lei (≠ Freitas do Amaral, admite a
possibilidade genérica de retroactividade de regulamentos favoráveis aos seus
destinatários). Outro aspecto que nos permite diferenciar os regulamentos das
leis é a hierarquia. Os regulamentos são hierarquicamente diferenciados entre
si, ao passo que as leis têm todas a mesma hierarquia. Para classificar os
regulamentos hierarquicamente, Marcelo Rebelo de Sousa, enumera três critérios:
o critério da posição do orgão emissor, o critério do âmbito geográfico das
atribuições prosseguidas e o critério da forma.
O regulamento também deve ser distinguido do acto administrativo. Ambos são
comandos jurídicos unilaterais emitidos no exercício de um poder público de
autoridade por um orgão competente. Mas, enquanto que o regulamento é uma regra
geral e abstrata, o acto administrativo, é uma decisão individual e concreta.
Esta distinção é particularmente importante a três niveis: no campo da
interpretação e integraçao, dos vicios e formas de invalidade e da impugnação
contenciosa.
O fundamento do poder regulamentar abarca três pontos de vistas. Do ponto de
vista prático/sociopolítico, os regulamentos fundamentam-se nos limites
naturais da função legislativa. Do ponto de vista histórico/da estrutura
juridico-constitucional do Estado o poder regulamentar assenta na
impossiblidade da aplicação rigorosa do princípio da separação de poderes, tal
como foi concebido pelos teorizadores do Estado Liberal. Do ponto de vista
jurídico, o fundamento dos regulamentos é o princípio da legalidade, na sua
dimensão de reserva de lei, na medida em que qualquer regulamento tem que ser
habilitado por uma norma jurídica hierarquicamente superior. É no âmbito deste
último ponto que o professor Diogo Freitas do Amaral exceptua dois casos em que
o poder regulamentar existe independemente de a constituição ou a lei o
prevejam. São eles, os regulamentos internos e os regimentos de orgãos
colegiais. Como referi acima o professor Marcelo Rebelo de Sousa diverge desta
posição doutrinária.
Para além da lei (princípio da legalidade – o regulamento não pode ir ao
desencontro de uma acto legislativo, pois a lei tem absoluta prioridade sobre o
mesmo), outros limites do poder regulamentar podem ser mencionados,
especialmente: os princípios gerais de Direito(“preceitos ou máximas ligados à
ideia de Direito e ao Princípio da Justiça”); a Constituição, visto que esta
contém várias regras sobre a competência e forma dos regulamentos
administrativos; os princípios gerais de Diteito administrativo, como o
princípio da inderrogabilidade singular dos regulamentos; a disciplina
constante dos regulamentos aditados por orgãos que se situem num plano superior
ao do órgão que editou o regulamento; a proibição de o regulamento dispôr
retroactivamente; e, por último, limites de competência e de forma.
O procedimento regulamentar está previsto nos arts. 115.º-118.º do CPA. Uma
ressalva, as disposições do CPA aplicam-se somente aos regulamentos externos,
uma vez que o modo de elaboração dos regulamentos internos, regra geral, não
exigem formalidades.
Quanto à eficácia e vigência do regulamento, há que mencionar a sujeição
do mesmo a publicação no Diário da República ( regulamentos de governo e
decretos regulamentares regionais). A falta de publicidade dos regulamentos
referidos determina a sua ineficácia jurídica nos termos do artigo 119.º,
n.º2 da CRP. Todavia, existem determinados regulamentos que estão sujeitos a
outros requisitos de eficácia como, por exemplo, a aprovação pelo superior
hierárquico.
Por fim,
os regulamentos podem cessar a sua vigência por revogação, caducidade ou
decisão contenciosa (declaração de ilegalidade com força obrigatória geral).
Graça Ribeiro, nº 20744
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