segunda-feira, 29 de abril de 2013

O poder discricionário da Administração



O poder discricionário da Administração

            O  modo como a lei regula os actos a praticar pela Administração Pública não é uniforme, ou seja, por vezes a lei regula pormenorizadamente, outras vezes autoriza a Administração a fazer a suas próprias escolhas. “A regulamentação legal da actividade administrativa umas vezes é precisa, outras vezes é imprecisa.” – Freitas do Amaral. Assim sendo, seguindo o entendimento deste autor existem duas formas típicas pelas quais a lei ajusta a actividade da Administração pública:  vinculação e discricionaridade. Nesta lógica, a doutrina expõe duas vias diferentes para a classificação dos conceitos mencionados. Em primeiro lugar, a perspectiva dos poderes, segundo a qual o poder é vinculado quando a lei não remete para o critério do respectivo titular a escolha solução concreta mais adequada e é discricionário quando o seu exercício fica entregue ao critério do respectivo titural. Em segundo lugar, a perspectiva dos actos, em que os actos seriam vinculados quando praticados pela administração no exercício de poderes vinculados, e seriam discricionários quando praticados no exercício de poderes discricionários. Todavia, os actos administrativos nunca são totalmente vinculados ou discricionários, mas sim predominatemente vinculados ou predominantemente discricionários.
                O poder discricionário não é um poder livre. É um poder juídico delimitado pela lei, ou seja, a margem de livre decisão administrativa encontra-se limitada por um bloco de legalidade. Assim sendo, para além de a decisão da administração estar condicionada pela competência do orgão decisório e pelo fim legal, esta decisão/escolha é ainda fortemente condicionada pelos princípios e regras gerais da administração pública, uma vez que é pretendida a melhor solução de acordo com interesse público. Ora, na discricionaridade o orgão administrativo competente encontra-se obrigado a procurar a melhor solução que satisfaça o interesse público.
                Podemos evidenciar dois argumentos para a razão de ser da margem de livre decisão, a saber:  primeiro, uma função prática da função legislativa, na medida que na maioria do casos o legislador não prevê todas as circunstâncias em que a administração vai ter que actuar; segundo, o princípio da separação de poderes enquanto critério de distribuição racional das funções do Estado pelos seus orgãos, visando uma maior adaptação por parte da administração pública às especificidades dos casos concretos.
                Actualmente, o poder discricionário é um poder derivado da lei: só existe quando a lei o confere e na medida em que a lei o configura – Freitas do Amaral. Segundo este autor, há meios jurídicos para controlar o exercício do poder discricionário, apesar de reconhecer que não são tão eficasez como os que controlam o exercício do poderes vinculados. O autor entende que, em rigor, não há  controlo jurisdicional do exercício do poder discricionário, mas sim, por um lado, controlo administrativo de mérito sobre o bom ou o mau uso do respectivo poder e, por outro lado, controlo jurisdicional de legalidade sobre o respeito ou não das prescrições legais que limitam os poderes administrativos. Diferentemente,  o professor Marcelo Rebelo de Sousa entende que uma das consequências da margem de livre decisão é não existir controlo jurisdicional, devendo o  mesmo resurmir-se  à aferição do respeito administrativo pelos limites internos da margem de livre decisão.
                Qual o âmbito da discricionaridade? Podem ser objecto de discricionaridade: o momento da prática do acto; a decisão de praticar ou não um certo acto administrativo; a determinação dos factos e interesses para a decisão; a determinação do conteúdo concreto da decisão a tomar; a forma adoptar para o acto administrativo; as formalidades a observar na preparação ou na prática do acto administrativo; a fundamentação ou não da decisão;  a faculdade de apor, ou não, no acto administrativo, condições, termos, modos, ou outras cláusulas acessórias.
                No que toca aos limites, o poder discricionário encontra-se limitado juridicamente por duas formas  diferentes: vinculações legais (aquelas que resultam da própria lei) e os limites imanentes da margem de livre decisão (normas que incidem sobre todo e qualquer exercício de margem de livre decisão, independentemente de normas que a conferem ou de outras com elas conexas). As vinculações legais consistem em requisitos de legalidade que podem incidir sobre todos os pressupostos e elementos da conduta administrativa. Segundo o professor Marcelo Rebelo de Sousa existem quatro vinculações permanentes da margem de livre decisão: o fim a prosseguir com a conduta administrativa habilitada; a competência  subjectiva para a sua adopção; a vontade; e a própria existência de margem de livre decisão.  Caso seja praticado um acto em desrespeito  de alguma das vinculações acima referidas o respectivo acto é sempre ilegal. Os limites imanentes da margem de livre decisão são os princípios da actividade administrativa previstos no art. 266.º, 1 e 2 da CRP e nos arts. 4.º, 6.º-A e 11.º do CPA. Estes princípios  limitam todas as condutas administrativas e não apenas da margem de livre decisão. A violação dos mesmos origina o vício de violação de lei.
                A actividade da administração está sujeita a vários tipos de controlos, designadamente: os controlos de legalidade (verificam se a administração respeitou ou violou a lei); os controlos de mérito (visam avaliar o bem fundado nas decisões da Administração, independentemente da sua legalidade; os controlos administrativos (realizados por orgãos da administração); e os controlos jurisdicionais (desempenhados pelos tribunais). O controlo  da legalidade  pode ser feito quer pelos tribunais como pela Administração, enquanto que o controlo de mérito só pode ser feito pela administração (no nosso ordenamento jurídico). O professor Freitas do Amaral apresenta o mérito do acto administrativo subdividido em duas noções: justiça (coerência   entre o interesse público prosseguido e os direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares) e conveniência (adequação do acto ao interesse público específico com os demais interesses públicos afectados  pelo mesmo acto).
                Um acto administrativo discricionário pode ser impugnado com fundamento em incompetência (a competência do órgão é sempre vinculada), em vício de forma (omissão de formalidades essenciais), em violação à lei (limites impostos ao poder discricionário) e em defeitos da vontade (ex. Erro de facto).
                Em suma, “o poder discricionário não é uma excepção ao princípio da legalidade, mas sim uma das formas possíveis de estabelecer a subordinação da Administração à lei” - Freitas do Amaral.  

Graça Ribeiro, nº 20744

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