domingo, 28 de abril de 2013

A distinção entre a inexistência e a nulidade no Direito Administrativo


Os actos de administração têm de respeitar determinados requisitos de existência para serem considerados como tal. A não verificação de um ou mais requisitos de existência implica a inexistência do acto em causa.
São requisitos do acto administrativo os seguintes:
Ocorrência de uma decisão, o carácter individual e concreto desta e a sua emanação de um órgão de administração no exercício da função administrativa (conforme o artigo 120º do Código do Procedimento Administrativo).
Um acto juridicamente inexistente é aquele que não respeita pelo menos um dos seus requisitos de existência, o que leva a ordem jurídica a rejeitar a sua qualificação como acto jurídico.
De inexistência jurídica pode falar-se em dois sentidos:
A inexistência material, à qual corresponde um nada ontológico;
A inexistência jurídica em sentido estrito, é um juízo formulado sobre realidades ontologicamente existentes mas às quais o direito recusa a qualificação como jurídicas.
O acto inexistente é sempre uma mera aparência de acto.

O regime da inexistência jurídica não está consagrado em termos gerais em nenhuma parte do CPA ou qualquer lei especial. Através de alguns dados dispersos pela ordem jurídica podemos no entanto caracterizá-lo: os actos inexistentes não produzem qualquer efeito jurídico; não têm carácter vinculativo e não são susceptíveis de execução coerciva; a sua invocação não está sujeita a qualquer prazo; estes actos são insanáveis; podem ser desobedecidos; são irrevogáveis; por fim, as decisões jurisdicionais que os apliquem não gozam do efeito de caso julgado. 
Além de todas estas características, podemos ainda aplicar o regime da nulidade aos actos administrativos inexistentes por maioria de razão (nomeadamente o constante no artigo 134º CPA).

A doutrina debate a relevância da categoria da inexistência jurídica. Enquanto a escola de Lisboa tende a aceitá-lá, a de Coimbra nega-a (professor Ehrhardt Soares) ou trata-a como uma espécie de nulidade agravada (professor Vieira de Andrade).

Além dos requisitos de existência existem também requisitos de legalidade. Estes são exigências jurídicas de cuja verificação cumulativa depende a legalidade dos actos de administração. Os requisitos de legalidade podem dizer respeito a momentos anteriores à prática do acto, designadamente ao seu processamento de formação; podem ser relativos ao próprio acto; ou podem ainda incidir sobre averiguações reflectidas no acto mas necessariamente efectuadas em momento anterior.
A infracção de algum dos requisitos de legalidade de um acto administrativo leva à sua ilegalidade. Esta pode conduzir à invalidade ou à mera irregularidade. Vou concentrar-me mais na invalidade, que consiste na inaptidão intrínseca de determinado acto para a produção estável dos efeitos por si visados. Esta pode assumir dois desvalores jurídicos, a anulabilidade e a nulidade. É este segundo desvalor que me cabe desenvolver.
Os actos da administração são nulos quando incorrem em ilegalidades de tal modo graves, que perante elas, a ordem jurídica reclama o restabelecimento integral do interesse violado. Este restabelecimento integral é assegurado pelo regime dos actos nulos, que tem por base a total improdutividade jurídica ab initio. Outras características do seu regime são o facto de os actos nulos não terem carácter vinculativo, a sua invocação não estar sujeita a qualquer prazo, serem insanáveis, poderem ser desobedecidos por qualquer sujeito jurídico e serem irrevogáveis.

A inexistência é uma categoria com uma ocorrência muito pontual no Direito Administrativo. Para mais, o legislador tem estabelecido como consequência da violação de alguns dos requisitos de existência dos actos de administração o regime da nulidade. Por exemplo, o artigo 133º, nº2 do CPA considera nulos os actos administrativos viciados de usurpação de poderes (alínea a)) e os praticados sob coacção física (alínea e)), situações em que, na realidade faltam aspectos do conceito de acto administrativo - respectivamente o exercício da função administrativa e a ocorrência de uma decisão (artigo 120º CPA), devendo por isso ser considerados inexistentes.

A dissolução, na prática, da inexistência jurídica na nulidade é facilitada pela circunstância de o regime de ambas ser muito semelhante - tal como é possível verificar pela análise do resumido regime de cada uma das figuras dispostos acima - a ponto de em algumas disposições a lei as disciplinar conjuntamente (exemplo: 137º, nº 1 CPA).  Estes factores contribuem para que a inexistência jurídica tenha uma relevância muito secundária para o Direito Administrativo, em particular desde a entrada em vigor do CPA, devido à larga amplitude dos casos abrangidos pelo âmbito da nulidade (artigo 133º CPA). A própria jurisprudência reconheceu esta absorção da inexistência pela nulidade depois do CPA, embora continue a afirmar a relevância da categoria em causa.

Apesar das semelhanças, podemos também encontrar algumas diferenças entre o regime da inexistência e o da nulidade. Os actos nulos podem em certos casos produzir efeitos e os seus vícios, embora graves, não perturbam a sua qualificação jurídica. Assim, o acto nulo é juridicamente existente, embora lhe seja recusada a produção de efeitos jurídicos.
Por seu lado, os actos inexistentes não têm qualquer qualificação jurídica, não tendo uma verdadeira existência aos olhos do direito.

Com este estudo concluí que, no Direito Administrativo, ao contrário de noutros ramos do Direito Português, a inexistência jurídica não tem uma grande relevância prática, fundindo-se no regime da nulidade. Embora eu concorde com o professor Marcelo Rebelo de Sousa, que afirma que a inexistência é autónoma da nulidade, esta autonomia apenas tem substância em termos doutrinários, visto que na prática se incluem no âmbito da nulidade actos praticados com violações evidentes de requisitos de existência dos actos de administração.

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