quarta-feira, 17 de abril de 2013

Diferentes, mas não tanto!
   É fundamental recordar aqueles que foram os traumas da infância da Administração Pública, para se ter uma compreensão exata do lugar dos direitos subjetivos no mundo da Administração. Desde logo o facto de o particular, numa fase precoce do Direito Administrativo,  ser entendido como um mero objeto do poder, um súbdito, por não possuir direitos perante a Administração. A alteração de paradigma e consequente entendimento do indivíduo como cidadão e já não como súbdito, constituisem dúvida um marco do novo Direito Administrativo, que vem abalar ajurisprudência, a doutrina e a própria vida da Administração. Parece-meessencial contar a sua história em várias vozes, para uma compreensão clara e neutra de como tudo aconteceu.
    
Primeiramente importa referir que a evolução referida, não se encontra, ainda, concluída, uma vez que apesar de já não se negar a existência de direitos dos particulares perante a Administração (artigo 268º da Constituição), parte da doutrina continua a falar em direitos de primeira, de segunda e de terceira.
   
Assim, importa agora perceber, afinal, em que moldes se deverá hojeentender a posição do particular face à Administração. 

    
De acordo com Walter Krebs, o conceito de direito subjectivo público teve a sua origem na dogmática alemã, sendo Buehler o seu pai e Bachof o seu mentor. O autor afirma que se trata de um “conceito que Buehler desenvolveu, Bachof aperfeiçoou e a doutrina maioritária aceitou”.
   
Contudo, e embora a teorização de Buehler tenha representado um certo avanço, a verdade é que autores como Fritz Fleiner e Otto Mayer continuaram a negar a qualidade de sujeito aos particulares, considerando irracional conceber um poder particular perante o poder público. Esta corrente teve o seu apogeu nos finais do século XIX e inícios do século XX, mas veio mais tarde, revelar-se, incompatível com os princípios do Estado de Direito, no qual perde o sentido falar em súbditos.
    
Falando de orientações objectivistas, importa ressalvar a “escola subjetivista francesa” também de teor objectivista (Bonnard e Barthélèmy, acolhida por Marcello Caetano, entre nós), que partindo dos mesmos princípios das doutrinas negativistas, referia-se a um direito subjetivo genérico à legalidade. Este direito desenvolvia-se num poder de exigir a“existência da legalidade”, a “ausência de ilegalidade” e caso esta última se tenha produzido, a “supressão da ilegalidade”. Esta teoria embora afirmasse um teor subjetivista, continuava a denegar a subjectivização dos particulares perante a Administração.
   Estas duas conce
ções estão atualmente, ultrapassadas, sendo evidente a sua incompatibilidade com o paradigma de Estado de Direito em que vivemos. E mesmo a conceção de Buehler, embora transpareça um significativo avanço na dogmática do Direito Administrativo, tem de ser entendida no âmbito de uma Administração agressiva característica do Estado Liberal, na qualpertencia aos particulares um reduzido número de direitos subjetivos.

    Com 
o nascer do Estado Social, as tarefas da Administração multiplicam-se, surgindo outras formas de atuar, para além das já conhecidas do Estado Liberal. Recorrendo uma metáfora verbalizada pelo nosso professorregente, a Administração, “que atuava antes sob uma farda única, passa a ter ao seu dispor um verdadeiro pronto-a-vestir”. E é neste contexto quenasce uma terceira conceção, a partir da distinção entre interesse legítimo (proteção difusa do particular) e direito subjetivo (situação em que o cidadão é protegido diretamente pela norma jurídica) e, isto é, surge osdireitos de 1ª e direitos de 2ª dos particulares. Este entendimento tinhauma construção mais aceitável no âmbito do direito Italiano, contudo não é ainda assim, salvo de críticas. Desde logo, cria situações de vantagem para o particular através de extrações da norma, e, para além disso, conforme realça o nosso professor, se existe uma norma que proteja o particular, estamos perante um direito subjetivo, se não existe, não estamos. Oprofessor refere que o que se sucede é a existência de várias categorias de direitos subjetivos, não fazendo desta forma sentido, abordar esta conceção bipartida. Ainda seguindo o pensamento do professor Vasco Pereira da Silva, este excesso de qualificações do interesse do particular propunha“deixar entrar pela janela aquilo que não se queria que entrasse pela porta”. Em suma, esta construção contradiz-se, sendo, que se existe uma norma que faculta uma posição de vantagem então haverá um direito subjetivo, que poderá ter um conteúdo diferente, mas nem por isso deixa de ser um direito subjetivo. 
    Apesar, de como referido, o nosso professor afastar a conceção bipartida, esta é ainda defendida, entre nós, pelo professor Freitas do Amaral. Sendo, ainda assim, relevante examinar os exemplos justificativos, defendidos por este autor para provar a existência dos tais direitos de 1ª e de 2ª.
    
O professor Freitas do Amaral dá exemplo de um verdadeiro direito subjetivo o do funcionário que ao fim de de certos anos de carreira tem o direito de ser promovido porque a lei assim o determina. Enquanto titulares de interesses legítimos seriam, por exemplo, os candidatos a professores regentes em concurso público. No entanto na linha do professor Vasco este entendimento é falacioso, uma vez que confunde os direitos dos participantes, com o direito daquele que venha a ser o vencedor (são de direitos com conteúdo e amplitude distintos, mas continuam, na opinião doprofessor a tratar-se de direitos subjetivos).

    A partir
 dos anos 70, alguma doutrina abandona a conceção bipartida e adota uma conceção trinitária dos direitos subjetivos, influenciados pelaevolução de um Estado Social para um Estado dito pós-Social, e por todo oconjunto de alterações no Direito Público, que daí adveio. Ao lado dos direitos de 1ª e de 2ª surgem os direitos de 3ª, os intitulados direitos difusos.
   
Também esta construção difusa não é aceite pelo professor Vasco, diz que, ela assenta num equívoco. Explica o professorque não é por existir proteção objetiva que não poderá existir proteção subjetiva, simplificando, exemplifica que é o mesmo que se dizer que não é por algo ser de todos que deixa de ser, também, de cada um.
    
Existiu para além destas teorias, ainda outras, como é o caso da teoria dos direitos reativos, já defendida em tempos também pelo nossoprofessor, partindo, aparentemente, da lógica alemã. Os impulsores desta doutrina defendem que o particular em face da Administração é titular de direitos subjetivos, não havendo necessidade de diferenciar entre direitos de 1ª, de 2ª e de 3ª. Não resulta claro o momento em que surge o direito, mas para os propulsores desta teoria o direito que está em causa é o direitode reagir processual e procedimentalmente. O professor Vasco vem,posteriormente, despertar o facto, de aqui, se confundirem direitossubstantivos com direitos processuais.

    Por 
último, a teoria preconizada pelo professor Vasco Pereira da Silva,construída no século XIX por Buehler, num segundo momento por Bachof, e, ainda, mais tarde, por Bauer e Wolff, é a chamada teoria da norma de protecção .
    Estes 3 momentos 
de construção correspondem a um progressivo aumento da proteção do indivíduo.
    
Em primeiro Buehler, no século XIX afirmava que sempre que uma norma jurídica criasse uma posição de vantagem estaríamos perante um direito subjetivo. Para tal referia-se a três condições essenciais:
1 - Necessidade de existir uma norma imperativa que estabelecesse um dever de atuar pela Administração;
    2 - Essa norma tinha de existir com o propósito de proteger os particulares;
    3 - Possibilidade de o particular reagir contenciosamente
    Esta posiçãotem de ser compreendida na lógica da Administração agressiva, numa visão relativamente limitada.    Posteriomente Bachof reconstrói esta realidade preconizada por Buehler,em termos adequados ao Estado de Direito da atualidade. Retomando as 3 condições defendidas, Bachof vem defender que, é suficiente a existência de vinculações jurídicas não sendo necessário que haja uma norma jurídica vinculativa. Relativamente ao segundo aspeto, o autor afirma que “de acordo com a ordem constitucional da Lei Fundamental, todas as situações de vantagem objetiva e intencionalmente concedidas transformam-se em direitos subjetivos”, e ainda que “a concessão de uma vantagem jurídica intencional, na dúvida, é um direito subjetivo”, alargando, assim, as normas que se considera estarem ao serviço da proteção de interesses individuais.Por último quanto à terceira condição, entende que se trata não de uma condição mas sim de uma consequência da existência do direito, fazendo referencia ao artigo 19 da Lei Fundamental alemã (correspondente ao artigo 268º/4 da nossa Constituição).
    
O último momento ocorre, com Bauer, e consiste num alargamento da noção de direito subjetivo. Este autor vem defender a necessidade de se tratar de forma unitária todos os direitos subjetivos dos particulares perante a Administração, quer resultem de lei ordinária ou constitucionalcontrato administrativo, regulamento ou ato. Isto pela razão de que em meados dosanos 70 multiplicaram as relações jurídicas multilaterais, surgindo novos direitos que podem ser alegados não apenas pelo seu titular, mas também por quem possa por eles ser afetado.
Atualmente, esta é a posição maioritária da doutrina alemã.

    
Escrita e explicada a problemática, importa agora assimilar quais serão, na prática as vantagens ou inconvenientes de uma conceção tripartida ouunitária dos direitos subjetivos.
   
Na minha opinião a conceção que me parece mais ajustada e adequada aos nossos dias é a unitária, que independentemente da sua fonte, trata de forma igual todas as posições subjetivas dos particulares. Na nossa ordem jurídica, vemos que o legislador português quando regula os direitos subjetivos os equipara aos interesses ou direitos legalmente protegidos, não fazendo qualquer distinção de regime (artigo 53nº1 do CPA). A verdade é que os direitos em causa correspondem apenas a uma única categoria. E este alargamento já referido harmoniza-se com uma realidade que poderá ser interpretada como a nova base para a construção do Direito Administrativo e a ainda a superação de alguns dos traumas da infância difícil do Direito Administrativo. Daí que, hoje, faça sentido o trocadilho“todos diferentes mas todos iguais” no que respeita às relações entre a Administração e os particulares, isto pela razão que do ponto de vista jurídico, particular e entidade administrativa ao entrarem em relação encontram-se, de facto, numa posição paritária.
    Relativamente às 
teorias trinitárias, não me parece aceitável defende-las, face a não existir qualquer diferença de regime entre os direitos de primeira, segunda e terceira.
   
Concluindo e para reforço da minha opinião importa ressaltar que a teoria unitária reforça os princípios do Estado de Direito em que vivemos, em que dia para dia se ampliam as relações multilaterais e se afigura essencialassegurar cada vez uma maior proteção das posições jurídicas individuais em face da Administração.

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