1. A
Consagração genérica do direito de audiência dos interessados
No âmbito de um procedimento administrativo para além da possibilidade de os
interessados serem ouvidos, por iniciativa da Administração, em qualquer fase
do procedimento, eles têm o direito a
sê-lo, antes da decisão final, devendo sempre ser informados sobre o sentido
possível –art. 100.º CPA.
A Constituição determina que “o
procedimento da actividade administrativa será objecto de lei especial, que
assegurará (...) a participação dos cidadãos na formação das decisões ou
deliberações que lhes disserem respeito” – art. 267/5.º CRP[1]).
O princípio da participação dos
particulares – com consagração no art. 8.º CPA – obriga a que a Administração
assegure a participação dos particulares na formação das decisões que lhes
disserem respeito, através da respectiva audiência.
Este princípio da participação dos
interessados tem subjacente a si a formalidade legal – audiência prévia – e tem
como objectivo proporcionar aos interessados a possibilidade de se pronunciarem
sobre o objecto do procedimento, de modo a que a decisão final tenha incorporando
em si todos os interesses em causa relevantes.
Deste modo, existe mesmo doutrina que
entende que a formalidade legal aqui em causa é mesmo um “direito subjectivo procedimental”[2].
A partcipação pode ocorrer em qualquer das
fases do procedimento – art. 59.º CPA – e, é obrigatória antes da tomada da
decisão final, pois somente assim se consegue garantir que esta seja também
influenciada pela manifestação da vontade dos interessados – art. 100.º CPA.
Através das palavras do Prof. Sérvulo
Correira compreendemos melhor que a fase da audiência prévia dos particulares
não é uma intervenção “destinada à colaboração funcional na prestação da
decisão”[3], nem se trata do poder
discricionário da Administração de solicitar informações aos particulares, mas antes a sujeição da Administração ao
dever de audiência dos interessados.
2. Conceito
de Interessados para efeitos de audiência prévia
A referência que o CPA tem em relação aos
interessados em sede de direito de audiência é feita de um modo genérico – “é
natural, por exemplo, que a audiência obrigatória do artigo 100 º CPA se
restrinja a um núcleo mais concentrado, do que aquele em função do qual se
permite o direito de participação ou de informação”[4].
Assim, torna-se necessário fazer a distinção
entre interessados obrigatórios, por exemplo, os destinatários dos efeitos da
decisão (neste caso a Administração está obrigada ao dever de prestar a
audiência prévia), e interessados secundários, por exemplo, a quem a
titularidade de um direito ou interesse legalmente protegido lhe confere a faculdade
de intervir no processo (diferentemente nesta situação a Administração não está
sujeita ao dever de audiência).
3. Consequências
da falta de audiência prévia
A violação de normas procedimentais, nomedamente
a incorrecta realização da audiência prévia dos interessados ou a sua omissão,
tem como consequência jurídica a ilegalidade, na medida em que não existe uma conformidade
com a normatividade.
Como o procedimento se traduz numa
sequência de actos sequencialmente realizados, qualqer ilegalidade numa fase do
procedimento gera naturalmente uma ilagalidade no acto/decisão final.
Esta ilegalidade, traduzida na preterição
de uma formalidade essencial, é, em princípio, geradora de anulabilidade,
sanção regra prevista no CPA para os "actos administrativos praticados com
ofensa de princípios ou normas jurídicas aplicáveis" - art. 135.º.
Todavia, existe doutrina que entende que a
preterição de uma formalidade essencial, nomeadamente, a audiência prévia, determina
a nulidade do acto final.
A divergência entre saber se o acto é
meramente anulável ou se por seu turno pode ser nulo reside na questão de saber
se estamos ou não perante um direito fundamental e o seu desrespeito.
Para aquela doutrina que afirma que o acto
é meramente anulável, ela encontra a sua justificação no facto de a própria
Constituição na sua redacção do art. 267/4.º não ter consagrado o direito
fundamental de participação, mas antes um princípio estruturante da lei
especial sobre o procedimento administrativo, pelo que “os eventuais direitos
procedimentais reconhecidos por aquela lei não correspondem direitos
fundamentais com assento constitucional”[5].
Diferentemente, aqueles que defendem que o
acto é nulo argumentam dizendo que “o direito de audiência espelha princípios e
ideias básicas que animam a Constituição (princípios de dignidade da pessoa
humana e do Estado de Direito democrático e a regra da participação dos
interessados na formação das decisões que lhe dizem respeito)”. Deste modo, o
autor entende que ocorre mesmo “analogia legis” com direito fundamentais
típicos, como aqueles enunciados nos arts. 48/1.º e 49/1.º CRP, fazendo com que
o direito de audiência se configure como um direito de defesa, justificando,
deste modo “a sua qualificação como «direito de natureza análoga» para efeitos
do artigo 17º da Constituição”.
4. Conclusões
O direito de audiência, consagrado no art.
100.º do CPA, constitui uma importante
manifestação dos princípios do contraditório e da participação do particular,
no sentido em que é somente desta forma que se consegue equilibrar tanto os
interesses dos particulares como os da Administração.
Deste modo, e porque se constitui como uma
formalidade essencial, a violação de tal norma procedimental tem como
consequência jurídica a ilegalidade do próprio acto final e a sua consequente
anulabilidade.
Catarina Pires
20591
[2] Conferir Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição
Portuguesa de 1976, Coimbra, 1983, p. 192 e segs.
[3] O direito à informação e os direitos de
participação dos particulares no procedimento - Cadernos de Ciência e
Legislação nºs 9/10 ,INA , pág. 155.
[4] O direito à informação e os direitos de
participação dos particulares no
procedimento - Cadernos de Ciência e Legislação nºs 9/10 ,INA, pp 272.
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