quinta-feira, 18 de abril de 2013

A Audiência Prévia


    1. A Consagração genérica do direito de audiência dos interessados
No âmbito de um procedimento administrativo para além da possibilidade de os interessados serem ouvidos, por iniciativa da Administração, em qualquer fase do procedimento, eles têm o direito a sê-lo, antes da decisão final, devendo sempre ser informados sobre o sentido possível –art. 100.º CPA.
A Constituição determina que “o procedimento da actividade administrativa será objecto de lei especial, que assegurará (...) a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito” – art. 267/5.º CRP[1]).
O princípio da participação dos particulares – com consagração no art. 8.º CPA – obriga a que a Administração assegure a participação dos particulares na formação das decisões que lhes disserem respeito, através da respectiva audiência.
Este princípio da participação dos interessados tem subjacente a si a formalidade legal – audiência prévia – e tem como objectivo proporcionar aos interessados a possibilidade de se pronunciarem sobre o objecto do procedimento, de modo a que a decisão final tenha incorporando em si todos os interesses em causa relevantes.
Deste modo, existe mesmo doutrina que entende que a formalidade legal aqui em causa é mesmo um “direito subjectivo procedimental[2].
A partcipação pode ocorrer em qualquer das fases do procedimento – art. 59.º CPA – e, é obrigatória antes da tomada da decisão final, pois somente assim se consegue garantir que esta seja também influenciada pela manifestação da vontade dos interessados – art. 100.º CPA.
Através das palavras do Prof. Sérvulo Correira compreendemos melhor que a fase da audiência prévia dos particulares não é uma intervenção “destinada à colaboração funcional na prestação da decisão”[3], nem se trata do poder discricionário da Administração de solicitar informações aos particulares, mas antes a sujeição da Administração ao dever de audiência dos interessados.

2. Conceito de Interessados para efeitos de audiência prévia
A referência que o CPA tem em relação aos interessados em sede de direito de audiência é feita de um modo genérico – “é natural, por exemplo, que a audiência obrigatória do artigo 100 º CPA se restrinja a um núcleo mais concentrado, do que aquele em função do qual se permite o direito de participação ou de informação”[4].
Assim, torna-se necessário fazer a distinção entre interessados obrigatórios, por exemplo, os destinatários dos efeitos da decisão (neste caso a Administração está obrigada ao dever de prestar a audiência prévia), e interessados secundários, por exemplo, a quem a titularidade de um direito ou interesse legalmente protegido lhe confere a faculdade de intervir no processo (diferentemente nesta situação a Administração não está sujeita ao dever de audiência).

3. Consequências da falta de audiência prévia
A violação de normas procedimentais, nomedamente a incorrecta realização da audiência prévia dos interessados ou a sua omissão, tem como consequência jurídica a ilegalidade, na medida em que não existe uma conformidade com a normatividade.
Como o procedimento se traduz numa sequência de actos sequencialmente realizados, qualqer ilegalidade numa fase do procedimento gera naturalmente uma ilagalidade no acto/decisão final.
Esta ilegalidade, traduzida na preterição de uma formalidade essencial, é, em princípio, geradora de anulabilidade, sanção regra prevista no CPA para os "actos administrativos praticados com ofensa de princípios ou normas jurídicas aplicáveis" - art. 135.º.
Todavia, existe doutrina que entende que a preterição de uma formalidade essencial, nomeadamente, a audiência prévia, determina a nulidade do acto final.
A divergência entre saber se o acto é meramente anulável ou se por seu turno pode ser nulo reside na questão de saber se estamos ou não perante um direito fundamental e o seu desrespeito.
Para aquela doutrina que afirma que o acto é meramente anulável, ela encontra a sua justificação no facto de a própria Constituição na sua redacção do art. 267/4.º não ter consagrado o direito fundamental de participação, mas antes um princípio estruturante da lei especial sobre o procedimento administrativo, pelo que “os eventuais direitos procedimentais reconhecidos por aquela lei não correspondem direitos fundamentais com assento constitucional”[5].
Diferentemente, aqueles que defendem que o acto é nulo argumentam dizendo que “o direito de audiência espelha princípios e ideias básicas que animam a Constituição (princípios de dignidade da pessoa humana e do Estado de Direito democrático e a regra da participação dos interessados na formação das decisões que lhe dizem respeito)”. Deste modo, o autor entende que ocorre mesmo “analogia legis” com direito fundamentais típicos, como aqueles enunciados nos arts. 48/1.º e 49/1.º CRP, fazendo com que o direito de audiência se configure como um direito de defesa, justificando, deste modo “a sua qualificação como «direito de natureza análoga» para efeitos do artigo 17º da Constituição”.

4. Conclusões
O direito de audiência, consagrado no art. 100.º do CPA, constitui uma  importante manifestação dos princípios do contraditório e da participação do particular, no sentido em que é somente desta forma que se consegue equilibrar tanto os interesses dos particulares como os da Administração.
Deste modo, e porque se constitui como uma formalidade essencial, a violação de tal norma procedimental tem como consequência jurídica a ilegalidade do próprio acto final e a sua consequente anulabilidade.

Catarina Pires
20591




[1]  Conferir também o Acódão do STA de 11/12/2007 – Processo n.º 0497/07.
[2]  Conferir Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, 1983, p. 192 e segs.
[3] O direito à informação e os direitos de participação dos particulares no procedimento - Cadernos de Ciência e Legislação nºs 9/10 ,INA , pág. 155.
[4] O direito à informação e os direitos de participação dos particulares  no procedimento - Cadernos de Ciência e Legislação nºs 9/10 ,INA, pp 272.
[5] A audiência dos Interessados no Procedimento Administrativo, Pedro Manchete, pág. 512.

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