terça-feira, 26 de março de 2013

PRINCÍPIO DA LEGALIDADE: a questão de saber se a Administração Pública tem competência para desaplicar normas inconstitucionais


Argumentação contrária à competência de desaplicação: a segurança jurídica  

A segurança jurídica é um direito dos cidadãos, pressupõe estabilidade, normalidade, e sobretudo garantia e protecção dos seus direitos face a actuações do poder do Estado. É, tal como o Professor Gomes Ganotilho considera, “sub-princípio concretizador do princípio do Estado de Direito”. Torna-se portanto compreensível que, admitir uma competência de desaplicação de normas inconstitucionais por parte da Administração Pública, gera uma grande insegurança jurídica, que choca com a própria natureza e fundamento do Estado de Direito, e consequentemente com a Constituição, que em vários dos seus preceitos a prevê, tomemos como exemplo o artigo 282º/4 da Constituição da República Portuguesa, que admite em prol da segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público, os efeitos da inconstitucionalidade sejam mais restritos. 
Para além disto, a existência de tal competência conduz a uma paralisação da própria Administração, prejudicando a certeza do direito objectivo e inevitavelmente a confiança dos destinatários, o que irá culminar num grande caos em todo o ordenamento jurídico.
O argumento da segurança jurídica é susceptível de ser analisado em duas dimensões, nomeadamente, a segurança jurídica como garantia da previsibilidade e certeza do Direito por parte dos operadores jurídicos e da confiança dos sujeitos destinatários das normas; e ainda, a segurança jurídica como corolário do bom funcionamento da ordem jurídica, preocupando-se com as consequências da competência de desaplicação no desenvolvimento da actividade administrativa.
No que respeita à primeira dimensão apresentada, prever uma competência administrativa de desaplicação conduz a um elevado grau de insegurança a dois níveis, primeiro, a frustração das expectativa dos operadores jurídicos na aplicação das normas, na medida em que, os mesmos actuam com base naquele que julgam ser o Direito vigente, e segundo, a incerteza quanto ao Direito que é efectivamente vigente, até a decisão do Tribunal Constitucional acerca da conformidade constitucional das normas. Esta questão tem implicações a nível prático, isto porque, a pluralidade de órgãos administrativos torna muito provável a existência de desacordo acerca da conformidade constitucional de uma norma dentro da própria Administração e entre esta e os tribunais, ficando os operadores jurídicos sem saber se devem ou não agir com base na conformidade constitucional da norma. Acresce a isto, o facto de a Administração Pública não estar direccionada para emitir juízos de constitucionalidade. Com tudo isto, parece-me unânime que a desaplicação administrativa de normas inconstitucionais  suscita grandes níveis de incerteza jurídica que não devem, a meu ver, ser admitidos num Estado de Direito. 
Relativamente à segunda dimensão do argumento, no estado actual da Administração não é muito seguro. Visto que, actualmente, a Administração Pública é um poder democraticamente legitimado e hierarquicamente estruturado.
Em suma, admitir uma competência administrativa de desaplicação de normas inconstitucionais é o mesmo que admitir um elevado grau de insegurança jurídica, que pode conduzir a uma paralisação do executivo, a uma perturbação da actividade legislativa, aos caos no seio da Administração e da própria ordem jurídica, e ainda com fundamento no próprio princípio da legalidade deve ser de afastar a concepção de tal uma competência por parte da Administração. Porém, e no seguimento daquilo que alguns autores concluem, fica a ressalva que, com ou sem competência de desaplicação existirá sempre alguma insegurança jurídica

Telma Gonçalves, sub 3. 
21020

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