Argumentação
contrária à competência de desaplicação: a segurança jurídica
A segurança jurídica é um direito dos
cidadãos, pressupõe estabilidade, normalidade, e sobretudo garantia e protecção
dos seus direitos face a actuações do poder do Estado. É, tal como o Professor Gomes Ganotilho considera, “sub-princípio concretizador do princípio do Estado de Direito”. Torna-se portanto compreensível que, admitir uma
competência de desaplicação de normas inconstitucionais por parte da
Administração Pública, gera uma grande insegurança jurídica, que choca com a própria natureza e fundamento do Estado de Direito, e consequentemente
com a Constituição, que em vários dos seus preceitos a prevê, tomemos como
exemplo o artigo 282º/4 da Constituição da República Portuguesa, que admite em
prol da segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público, os efeitos
da inconstitucionalidade sejam mais restritos.
Para além disto, a existência de tal competência conduz a uma paralisação da própria Administração, prejudicando a certeza do
direito objectivo e inevitavelmente a confiança dos destinatários, o que irá culminar num grande caos em todo o ordenamento jurídico.
O argumento da segurança jurídica é
susceptível de ser analisado em duas dimensões, nomeadamente, a segurança
jurídica como garantia da previsibilidade e certeza do Direito por parte dos
operadores jurídicos e da confiança dos sujeitos destinatários das normas; e
ainda, a segurança jurídica como corolário do bom funcionamento da ordem
jurídica, preocupando-se com as consequências da competência de desaplicação no desenvolvimento da actividade administrativa.
No que respeita à primeira dimensão
apresentada, prever uma competência administrativa de desaplicação conduz a um elevado grau de insegurança a dois níveis, primeiro, a
frustração das expectativa dos operadores jurídicos na aplicação das normas, na
medida em que, os mesmos actuam com base naquele que julgam ser o Direito
vigente, e segundo, a incerteza quanto ao Direito que é efectivamente vigente,
até a decisão do Tribunal Constitucional acerca da conformidade constitucional
das normas. Esta questão tem implicações a nível prático, isto porque, a
pluralidade de órgãos administrativos torna muito provável a existência de
desacordo acerca da conformidade constitucional de uma norma dentro da
própria Administração e entre esta e os tribunais, ficando os operadores
jurídicos sem saber se devem ou não agir com base na conformidade
constitucional da norma. Acresce a isto, o facto de a Administração Pública não
estar direccionada para emitir juízos de constitucionalidade. Com tudo isto, parece-me unânime que a desaplicação administrativa de normas inconstitucionais suscita grandes níveis de incerteza jurídica que não devem, a meu ver, ser admitidos
num Estado de Direito.
Relativamente à segunda dimensão do
argumento, no estado actual da Administração não é muito
seguro. Visto que, actualmente, a Administração Pública é um poder democraticamente
legitimado e hierarquicamente estruturado.
Em suma, admitir uma competência
administrativa de desaplicação de normas inconstitucionais é o mesmo que admitir um elevado grau de insegurança jurídica, que pode conduzir a uma
paralisação do executivo, a uma perturbação da actividade legislativa, aos caos
no seio da Administração e da própria ordem jurídica, e ainda com fundamento no próprio princípio da legalidade deve ser de afastar a concepção de tal uma competência por parte da Administração. Porém, e no seguimento daquilo que alguns autores concluem, fica a ressalva que, com ou sem competência de desaplicação
existirá sempre alguma insegurança jurídica.
Telma Gonçalves, sub 3.
21020
Telma Gonçalves, sub 3.
21020
Sem comentários:
Enviar um comentário