quarta-feira, 27 de março de 2013

   

    A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E O DIREITO PRIVADO

Existe um ramo de Direito ( público ) ao qual a Administração se subordina, sempre que actua no uso dos seus poderes ou prerrogativas de autoridade: o direito administrativo.
Não obstante, as relações entre a Administração Pública e o direito privado existem e não podem ser negligenciadas. Essas relações são essencialmente de dois tipos: por um lado, resultam da circunstância de o direito privado constituir um limite da actividade administrativa lícita; por outro, derivam da utilização directa de meios e instrumentos de direito privado por parte da Administração, tanto na sua actividade privada como na satisfação directa de necessidades colectivas ( isto é, no exercício de actividades materialmente administrativas.
Um dos principais objectivos do direito privado é o de fixar e proteger as esferas jurídicas dos particulares, definindo e regulando direitos que estes podem fazer valer uns em face dos outros. Nessa medida, surgem aí barreiras externas aos comportamentos de todos os sujeitos jurídicos: qualquer actuação de um sujeito que atente contra um direito de um outro constitui um acto ilícito; pois bem, esta realidade é totalmente válida no que respeita à Administração Pública: também para ela o direito privado fixa um domínio de licitude que não pode ultrapassar, sob pena de estar a praticar actos ilícitos, que a constituiriam no dever de indemnizar o lesado.
Aqui, a Administração aparece exactamente na mesma posição que a de qualquer particular, não constituindo o facto de ela estar dotada de poderes de soberania ou autoridade qualquer causa de exclusão da ilicitude de comportamentos atentatórios dos direitos dos particulares.
A título de exemplo: o Código Civil, no seu artigo 80º, fixa o direito à reserva sobre a intimidade da vida privada. Este direito tanto vale em face de qualquer outro particular como em face da Administração Pública: apesar de esta, em matérias como o direito de polícia, de investigação criminal ou em matéria fiscal poder estar por vezes autorizada a comprimir tal direito, ela estará a cometer um acto ilícito sempre que atentar contra esse direito de todos os cidadãos em situações não autorizadas pela ordem jurídica.
 
Porque a Administração não perde, pelo facto de ser pública, a sua capacidade de direito privado, pode lançar mãos deste direito, desde logo nos chamados negócios auxiliares, que desempenham uma função meramente instrumental na actuação da Administração: por exemplo, quando a Administração faz um contrato de compra e venda de computadores para uma repartição pública, sem qualquer regra diferente daquelas que regulariam um contrato idêntico celebrado por uma empresa privada; ou quando arrenda um imóvel para instalar determinado serviço público.
Este direito é ainda utilizado na administração de bens privados que integram o património das entidades públicos e na gestão pela Administração, no mercado da concorrência, de actividades económicas, comerciais ou de serviços, através da criação de sociedades ou participação em sociedades de direito privado. Também a própria realização de funções púlicas - a satisfação directa de necessidades colectivas - pela Administração pode ser feita por recurso ao direito privado. Não há qualquer razão para excluir tal possibilidade: apesar de a Administração estar aqui na prossecução directa de fins ou interesses públicos, e, como tal, estar em causa o próprio exercício da função administrativa, é possível que as atribuições das pessoas colectivas públicas sejam desempenhadas através de meios de direito privado.
As razões da "preferência" da Administração em escolher, por vezes, meios de direito privado não são difíceis de compreender: este permite em regra uma actuação mais célere, flexível e eficaz, para além de permitir a subtracção a determinados controlos burocráticos, financeiros e contabilísticos.
Em face da generalização desta tendência, há muitos autores a alertarem para os perigos de uma "fuga para o direito privado" - cujos perigos existirão se esse recurso for movido por um desejo ilegítimo da Administração se subtrair ao cumprimento de obrigações legais e contabilísticas estabelecidas pelo direito público.
Este raciocínio pode ser evitado, ultrapassando os perigos de uma tal fuga, combinando a utilização do direito privado com limites e regalias de direito público:
limitação da actuação da Administração pelo respeito devido aos direitos fundamentais dos administrados, o qual nunca pode ser posto de lado;
 - respeito pelo princípio da prossecução do interesse público e pelos princípios gerais da actividade administrativa,os quais, em face do nº 5 do artigo 2º do CPA "são aplicáveis a toda e qualquer actuação da Administração Pública, ainda que meramente técnica ou de gestão privada";
 - no princípio da liberdade de escolha limitada: o recurso ao direito privado só é admissível na medida em que tal seja necessário ou conveniente para a prossecução das finalidades de um qualquer ente público, no contexto da especialidade das suas atribuições e com exclusão dos seus poderes de autoridade;
 - no princípio da decisão administrativa prévia , a formação da vontade de contratar privadamente deve ser enquadrada num procedimento administrativo regulado pelo direito público; apesar de participar numa relação jurídica de direito privado, a decisão de recorrer a esse direito é tomada no âmbito do direito administrativo;
 - finalmente, quanto às regalias, deve destacar-se que a Administração não pode perder de forma absoluta os seus poderes de autoridade, ainda que só os deva usar em casos excepcionais, bem como a impenhorabilidade dos bens públicos, que se deverá manter.
 
Para finalizar, conclui-se que, em termos práticos, o recurso da Administração ao direito privado tinha tradicionalmente uma consequência muito importante: apesar da existência de tribunais próprios para julgarem os litígios onde intervenha a Administração - os tribunais administrativos - tal só acontecia quando aquela actuava no uso dos seus poderes jurídico-administrativos; como tal, a resolução dos litígios decorrentes das relações de direito privado em que a Administração fosse parte tinha sempre lugar nos tribunais comuns e não nos tribunais administrativos. 
Hoje em dia continua a ser essa a regra. Não obstante, desde a entrada em vigor dos novos ETAF E CPTA é possível os tribunais administrativos serem chamados a conhecer matéria de direito privado, nos domínios da responsabilidade e dos contratos da Administração.
 
                                                    Marisa Gomes, Subturma 3
 

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