sexta-feira, 22 de março de 2013

A Administração e o Poder Discriconário

Todo o agir humano é balizado e pautado por regras, princípios, valores e normas de tipo variado como morais, éticas, sociais, económica e jurídicas, que nos permitem anterior e posteriormente avaliar e emitir juízos de valor acerca da actuação realizada, concluindo que foi uma actuação conforme tais regras, ou que pelo contrário fora uma actuação que feriu algum desses vectores estruturais da nossa conduta, padecendo, portanto de um vício ou de uma desconformidade.
À semelhança do agir humano, esta realidade acima descrita pode também ser extrapolada para o campo da Administração e sua conduta. Enquanto poder da sociedade, a Administração tem como principal meta, no quadro do actual Estado Pós-Social, a prossecução de interesses públicos, fazendo com que a sua tarefa quotidiana se traduza na hierarquização de tais interesses em face de cada caso concreto.
Como acabamos de ver, todo o agir da Administração se pauta por regras, princípios e normas que concretizam materialmente as opções plasmadas na Constituição - conferir art. 266.º CRP. Assim, conclui-se que toda e qualquer actuação administrativa tem de estar legalmente habilitada por uma norma que integre o Bloco de Normatividade.
A legalidade comporta, nos dias de hoje, uma visão mais alargada e exigente, de tal forma que não importa somente a contrariedade à lei formal como acontecia na concepção liberal, mas também a contrariedade a outras manifestações de Direito (como é o caso do Direito Comunitário). O próprio Código de Procedimento Administrativo no seu art. 3.º quando se refere a "Direito" corrobora essa visão mais alargada que se traduz no, acima referido, Bloco de Normatividade.
Esta conformidade, requisito essencial e fundamental para o bom funcionamento e para a legitimação do próprio Estado de Direito, traduz-se na subordinação jurídica de todos os poderes públicos, em especial a Administração, e que se consubstancia no princípio da Legalidade.
Todavia, apesar da norma ter que encontrar os seus parâmetros de juridicidade no Bloco de Legalidade, tal não significa que ela seja uma norma fechada, isto é, as normas não podem prever toda e qualquer situação. Este facto decorre de uma incapacidade física e computacional do próprio Homem, enquanto ser pensante tem: ele não é capaz de prever todas as situações e se o fosse não era desejável que o fizesse, na medida em que se pretende uma Administração mais ágil e flexível na procura da solução mais adequada tanto para o particular como para a própria Administração.
Deste modo, o legislador deixando à Administração um espaço para decidir e estabelecendo somente valores e princípios essenciais a prosseguir na sua actuação, faz com que esta tenha uma função criadora, no sentido de ter que interpretar e satisfazer múltiplas necessidades e interesses.
A esse espaço de liberdade que o legislador confere à Administração e aos seus agentes executores para que escolham entre as várias alternativas de actuação juridicamente admissíveis dá-se o nome de discricionariedade. 
À semelhança de uma receita culinária, existem parte de uma actuação administrativa que são vinculados, isto é, o agente que executa não pode fazê-lo de nenhuma outra maneira a não ser aquela definida pela norma (sob pena de tornar ilegal tal actuação; ou de um cozinhado sair ou mais salgado o mais insonso); contudo, em outras partes da sua actuação o agente executor se depara com múltiplas escolhas admissíveis e cabe-lhe escolher apenas uma.
Assim, pode dizer-se que para existir um poder discricionário é necessário que a norma seja aberta, isto é, ela tem de conter um determinado grau de especificação e pormenorização quer da parte da sua previsão quer da parte da sua estatuição, de forma a que a Administração quando está a realizar a sua escolha o esteja a fazer com base em critérios legais.
Apesar de apenas se ter referido somente a necessidade de a Administração ter de escolher entre várias opções uma só no momento da decisão, não se pense que no momento imediatamente anterior não existe tal necessidade. Com efeito, quando a Administração está a interpretar a norma olhando para o caso, também tem de proceder a uma escolha: qual a norma a aplicar para subsumir ao caso concreto.
Concluindo, o Direito é uma realidade cultural, no sentido em que é sempre necessário olhar para a norma e para o que está à sua volta, de forma a poder subsumir as duas dimensões em causa - caso concreto e norma - e chegar a um resultado.
Em relação ao poder discricionário, hoje ele já não se configura como uma excepção ao princípio da legalidade, mas antes como uma parte essencial e crucial sua, na medida em que traduz (apenas) um modo diferente de aplicar o princípio da legalidade, um modo criativo de actuação.

Catarina Pires
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