A discricionariedade administrativa é, por vezes,
aproximada de outras realidades jurídicas, tais como: os conceitos indeterminados, e
a aplicação de regras de Direito que remetem para regras extrajurídicas (como
regras técnicas e específicas).
Pergunta-se:
Estas realidades jurídicas acima enunciadas
são figuras afins ou discricionariedade imprópria?
-
as figuras afins são aquelas que não
são discricionariedade, ou seja, são uma realidade conceitualmente diferente, e
consequentemente, não estão submetidas ao respectivo regime da discricionariedade.
Pelo contrário, as situações de discricionariedade
imprópria, apesar de, não serem verdadeira discricionariedade, encontram-se
submetidas ao respectivo regime.
Destrinçados
os conceitos, é tempo de dar resposta à pergunta de partida.
Inicialmente, para o Professor Diogo Freitas do Amaral, as duas
realidades constituíam exemplos de figuras afins da discricionariedade, no
entanto, no que respeita aos conceitos indeterminados, o Professor reviu a sua
posição, vindo a admitir casos em que “ressalvam-se
(…) os casos excepcionais em que a lei tenha expressamente pretendido conferir
à Administração, através de um conceito vago e indeterminado, um poder discricionário
ou uma margem de liberdade probatória”. O Professor Freitas do Amaral admite estas situações, com fundamento, na grande
heterogeneidade dos conceitos indeterminados, sendo que, nem todos têm o mesmo
sentido, e que alguns são utilizados pela lei, como um instrumento, para
atribuir discricionariedade à Administração. Nesta medida, importa fazer
distinções, entre aqueles conceitos que, Rogério
Soares designa como conceitos-classificatórios,
que são aqueles conceitos indeterminados em que a respectiva concretização
envolve apenas a interpretação da lei e a subsunção, ou seja, a lei quando os
prevê não atribuí qualquer discricionariedade ao órgão decisor (leia-se, à
Administração), daqueles conceitos que o mesmo autor, classifica de conceitos-tipo cuja interpretação
implica uma valoração por parte do órgão administrativo, traduzindo o exercício
de um poder discricionário, e como tal, alheio a qualquer controlo por parte do
tribunal.
É relativamente a estes últimos que, o
Professor Freitas do Amaral
considera existir discricionariedade, modificando a sua posição inicial. Mas,
ressalva que, só em concreto, por interpretação da lei, é possível determinar a
que tipo se reconduz certo conceito indeterminado.
Já no que respeita, à aplicação de regras de
Direito que remetem para regras extrajurídicas, o Professor mantém a sua
posição, ou seja, considera que se tratam de figuras afins da
discricionariedade. Na medida em que, quando a lei remete para regras
extrajurídicas, torna-as juridicamente obrigatórias, incorporando-as na ordem
jurídica, e por isso, obrigatórias para a Administração, sob pena de sofrer uma
sanção em caso de não as respeitar, assim sendo, não se está no domínio da
discricionariedade, mas sim, no da vinculação. Uma vinculação que só indirectamente
é jurídica, por meio da remissão da lei, mas que não deixa de o ser, e por
isso, não é discricionariedade, nem está sujeita ao respectivo regime.
Para o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, nenhuma das realidades referidas constituí
discricionariedade, justificando que nelas não existe qualquer tipo de
liberdade de escolha. Relativamente aos conceitos indeterminados, o Professor
considera que, apresentam uma compreensão muito ampla, cabendo ao intérprete e
aplicador interpretar e concretizar o seu sentido face ao caso concreto. No
entanto, a sua interpretação e concretização não fornece um espaço de
liberdade, pois, o intérprete tem de seguir determinadas pistas
interpretativas, existindo sempre, uma vinculação legal e controlo judicial, não
sendo por isso, discricionariedade.
Apresentadas as duas posições dos referidos
Professores, denota-se neste ponto, uma divergência doutrinária, visto que, em
certos casos, o Professor Diogo Freitas
do Amaral admite existir discricionariedade em cede de interpretação de
conceitos indeterminados, pelo contrário, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, considera nunca existir
discricionariedade, constituindo uma verdadeira figura afim da
discricionariedade.
No que se refere aos casos em que a lei
remete para regras extrajurídicas, entende o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, em conformidade, com o Professor Freitas do Amaral, que lei ao fazer a
remissão para essas regras, está a integrá-las na ordem jurídica, tornando-se
obrigatórias e vinculando a Administração, portanto, não há discricionariedade,
há sim, controlo jurisdicional da sua interpretação e aplicação.
Depois de tudo o que referi, é possível dar uma
resposta à pergunta inicial e concluir que, tanto os conceitos indeterminados como a remissão para regras
extrajurídicas são exemplos de figuras afins da discricionariedade, ou
seja, realidades distintas e
consequentemente com regimes jurídicos também distintos. Porém, com a
ressalva de que para o Professor Freitas
do Amaral, nos casos dos chamados conceitos-tipo
(designação de Rogério Soares) há discricionariedade.
Para finalizar, no entendimento do Professor Freitas do Amaral, um exemplo de discricionariedade imprópria é a
liberdade probatória, isto é a liberdade de avaliação ou de prova atribuída por
lei à Administração, nomeadamente nos procedimentos fiscais. Contrariamente, Marcelo Rebelo de Sousa, considera que
também é um exemplo de figuras afins, porque, entende, que a liberdade
probatória está subordinada a todos os princípios legais e constitucionais da
actividade administrativa, princípios que, de certa forma, confirmam o poder de
controlo por parte dos tribunais, justificação que na óptica do Professor torna
questionável qualificar a figura da liberdade probatória como
discricionariedade imprópria.
Telma Gonçalves, sub 3.
21020
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