terça-feira, 26 de março de 2013

O Princípio da Imparcialidade como parâmetro decisório da Administração Pública

A Administração Pública está subordinada a variados princípios que a condicionam e modelam a sua atuação. Podemos referir os princípios da boa fé, da legalidade, da igualdade, proporcionalidade, entre outros. Contudo, na minha ótica, um dos princípios que mais influencia o exercício do poder administrativo é o princípio da imparcialidade.

Em primeiro lugar, é essencial determinar o conceito de imparcialidade. A noção de imparcialidade tem origens remotas. Na Antiguidade Clássica, Platão relaciona o decaimento da democracia em tirania baseando-se no problema do excesso de liberdade e consequente negligência da ação governativa. Aristóteles avaliava a qualidade dos governos pelo tipo de interesses que prosseguiam, considerando que o principal motivo para o declínio da democracia seria os governantes fazerem prevalecer determinados setores sociais. Na Idade Média, São Tomás de Aquino defendia que a finalidade máxima do Estado deveria ser o bonum commune, era o interesse público que devia nortear a ação do Estado. Ora vejamos, se olharmos para os problemas colocados por Platão e Aristóteles, estes resolver-se-iam em parte caso o princípio da imparcialidade fosse imposto aos governantes, tal como em Tomás de Aquino, essa imposição facilitaria o objetivo da prossecução do bem comum. Embora nenhum destes grandes autores da Antiguidade Clássica e Idade Média refira diretamente o princípio da imparcialidade, as suas ideias contribuíram para o desenvolvimento da sua noção.
Atualmente, a noção de imparcialidade resulta de uma determinada compreensão do contraponto negativo de parcialidade, e portanto, ser imparcial é não tomar partido de nenhuma das partes em contenda. Por exemplo, quando há duas partes em contenda e vem um terceiro dizer quem tem razão, esse terceiro, neste caso a Administração, para ser respeitada e ter autoridade perante os contendores tem de ser imparcial, isto é, tem de estar numa posição exterior e superior em relação às partes (super partes).

Em segundo lugar, esclarecida a definição de imparcialidade, é importante clarificar que tipo de princípio se trata o princípio da imparcialidade. No âmbito jurídico-administrativo contrapõem-se prioritariamente princípios jurídicos fundamentais e meros princípios jurídicos. Os princípios jurídicos resultam de decisões políticas fundamentais ou que materializam um determinado valor ou opção política presente no ordenamento jurídico e polarizado por regras diversas.  Os princípios jurídicos fundamentais espelham valores universais e que se impõem a qualquer decisão estadual e que, naturalmente, também limitam as decisões administrativas, dado que dizem respeito a uma dimensão axiológica irrenunciável. É igualmente efetuada no âmbito referido, a distinção entre princípios jurídicos com projeção predominantemente material e princípios jurídicos com projeção prioritariamente formal. Note-se que esta classificação não se confunde com a anterior. Os primeiros são princípios jurídico-administrativos que, dirigindo-se à disciplina da atividade administrativa, dizem respeito à conformação do conteúdo de uma decisão e que limitam as alternativas possíveis através de comandos que obrigam a ter em conta determinados valores no balanço de uma ponderação. Os segundos são princípios que tem como proposição interior um comando que se dirige a estabelecer uma determinada forma de organização ou de distribuição ordenada de centros de decisão, bem como aqueles que se limitam a regular os aspetos exteriores das decisões e do seu percurso de elaboração. Estes princípios mencionados em último são, por exemplo, os princípios organizacionais, como o princípio da descentralização (artigo 267º nº 2 da CRP), ou como os princípios procedimentais, designadamente o princípio do inquisitório (artigo 56º do CPA). Através desta breve análise conclui-se que o princípio da imparcialidade é um princípio jurídico fundamental e um princípio material.

O princípio da imparcialidade não é relevante somente no âmbito do direito português, se olharmos, por exemplo, para o direito francês e alemão, veremos que também nestes, este princípio funciona como parâmetro decisório da Administração. No direito alemão todas as tarefas públicas devem ser efetuadas sem consideração de interesses individuais. No Direito francês, a imparcialidade corresponde a uma limitação da intervenção nas decisões em que se tenha qualquer tipo de interesse de natureza pessoal, ainda que não exista texto que o determine, sempre que se verifique tal situação, em que haja proximidade entre decisor e destinatário, o Conseil dÉtat anula o ato ao abrigo do princípio da imparcialidade.

Na ordem jurídica portuguesa o princípio da imparcialidade administrativa encontra-se plasmado no artigo 6º do CPA, dispondo que, no exercício da sua atividade, a Administração Pública deve tratar de forma imparcial todos os que com ela entrem em relação. Esta consagração significa que a Administração Pública deve tomar decisões exclusivamente com base em critérios objetivos de interesse público, não se tolerando que tais critérios sejam substituídos ou distorcidos por influência de interesses alheios à função. Porém, é fundamental abordar ambas as vertentes deste princípio, a positiva e a negativa. A vertente negativa traduz a ideia de que os agentes e titulares dos órgãos da Administração Pública estão impossibilitados de intervir em procedimentos, contratos ou atos que digam respeito a questões do seu interesse pessoal ou da sua família, de pessoas com quem tenham relações económicas de especial proximidade, de modo a não haver suspeitas quanto à retidão da sua conduta. Este dever é aprofundado nos artigos 44º a 51º do CPA. Na vertente positiva, os comportamentos ou atos que manifestamente não resultem de uma exaustiva ponderação dos interesses juridicamente protegidos devem ser considerados parciais. Mas o que acontecerá se este princípio for desrespeitado? Se tal situação ocorrer, opera a sanção prevista no artigo 51º, nº 1 do CPA.

Finalizo refletindo que, graças ao princípio da imparcialidade, as decisões administrativas ficam subordinadas a um princípio limitativo que impede que os destinatários ou terceiros sejam favorecidos ou prejudicados de acordo com a sua situação objetiva ou interesses, tratando-se por isso, de um pilar fundamental que mantêm a atividade administrativa justa. Aliás, o princípio da imparcialidade está ligado à ideia de justiça, não é por acaso que a figura que costuma representar a justiça é uma mulher de olhos vendados, pois a justiça deve ser cega, e a Administração Pública para tomar decisões justas deve ser imparcial, não se baseando em interesses pessoais do órgão, do agente ou do funcionário, de indivíduos, partidos políticos, de grupos socias ou até em interesses políticos concretos do Governo, tal como o artigo 6º do CPA postula. Conclui-se, perante o exposto, que o princípio da imparcialidade é de facto, um parâmetro decisório da Administração Pública.







Inês de Onofre
Nº 21937

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