O Princípio da Imparcialidade
como parâmetro decisório da Administração Pública
A Administração Pública está subordinada
a variados princípios que a condicionam e modelam a sua atuação. Podemos
referir os princípios da boa fé, da legalidade, da igualdade,
proporcionalidade, entre outros. Contudo, na minha ótica, um dos princípios que
mais influencia o exercício do poder administrativo é o princípio da
imparcialidade.
Em primeiro lugar, é essencial
determinar o conceito de imparcialidade. A noção de imparcialidade tem origens
remotas. Na Antiguidade Clássica, Platão relaciona o decaimento da democracia
em tirania baseando-se no problema do excesso de liberdade e consequente
negligência da ação governativa. Aristóteles avaliava a qualidade dos governos
pelo tipo de interesses que prosseguiam, considerando que o principal motivo
para o declínio da democracia seria os governantes fazerem prevalecer
determinados setores sociais. Na Idade Média, São Tomás de Aquino defendia que
a finalidade máxima do Estado deveria ser o bonum
commune, era o interesse público que devia nortear a ação do Estado. Ora
vejamos, se olharmos para os problemas colocados por Platão e Aristóteles,
estes resolver-se-iam em parte caso o princípio da imparcialidade fosse imposto
aos governantes, tal como em Tomás de Aquino, essa imposição facilitaria o
objetivo da prossecução do bem comum. Embora nenhum destes grandes autores da
Antiguidade Clássica e Idade Média refira diretamente o princípio da
imparcialidade, as suas ideias contribuíram para o desenvolvimento da sua
noção.
Atualmente, a noção de
imparcialidade resulta de uma determinada compreensão do contraponto negativo
de parcialidade, e portanto, ser imparcial é não tomar partido de nenhuma das
partes em contenda. Por exemplo, quando há duas partes em contenda e vem um
terceiro dizer quem tem razão, esse terceiro, neste caso a Administração, para
ser respeitada e ter autoridade perante os contendores tem de ser imparcial,
isto é, tem de estar numa posição exterior e superior em relação às partes (super partes).
Em segundo lugar, esclarecida
a definição de imparcialidade, é importante clarificar que tipo de princípio se
trata o princípio da imparcialidade. No âmbito jurídico-administrativo contrapõem-se
prioritariamente princípios jurídicos fundamentais e meros princípios
jurídicos. Os princípios jurídicos resultam de decisões políticas fundamentais
ou que materializam um determinado valor ou opção política presente no
ordenamento jurídico e polarizado por regras diversas. Os princípios jurídicos fundamentais espelham
valores universais e que se impõem a qualquer decisão estadual e que,
naturalmente, também limitam as decisões administrativas, dado que dizem
respeito a uma dimensão axiológica irrenunciável. É igualmente efetuada no
âmbito referido, a distinção entre princípios jurídicos com projeção
predominantemente material e princípios jurídicos com projeção prioritariamente
formal. Note-se que esta classificação não se confunde com a anterior. Os
primeiros são princípios jurídico-administrativos que, dirigindo-se à
disciplina da atividade administrativa, dizem respeito à conformação do
conteúdo de uma decisão e que limitam as alternativas possíveis através de
comandos que obrigam a ter em conta determinados valores no balanço de uma
ponderação. Os segundos são princípios que tem como proposição interior um
comando que se dirige a estabelecer uma determinada forma de organização ou de
distribuição ordenada de centros de decisão, bem como aqueles que se limitam a
regular os aspetos exteriores das decisões e do seu percurso de elaboração. Estes
princípios mencionados em último são, por exemplo, os princípios
organizacionais, como o princípio da descentralização (artigo 267º nº 2 da
CRP), ou como os princípios procedimentais, designadamente o princípio do
inquisitório (artigo 56º do CPA). Através desta breve análise conclui-se que o
princípio da imparcialidade é um princípio jurídico fundamental e um princípio
material.
O princípio da imparcialidade
não é relevante somente no âmbito do direito português, se olharmos, por
exemplo, para o direito francês e alemão, veremos que também nestes, este
princípio funciona como parâmetro decisório da Administração. No direito alemão
todas as tarefas públicas devem ser efetuadas sem consideração de interesses
individuais. No Direito francês, a imparcialidade corresponde a uma limitação da
intervenção nas decisões em que se tenha qualquer tipo de interesse de natureza
pessoal, ainda que não exista texto que o determine, sempre que se verifique
tal situação, em que haja proximidade entre decisor e destinatário, o Conseil dÉtat anula o ato ao abrigo do
princípio da imparcialidade.
Na ordem jurídica portuguesa o
princípio da imparcialidade administrativa encontra-se plasmado no artigo 6º do
CPA, dispondo que, no exercício da sua atividade, a Administração Pública deve tratar de forma
imparcial todos os que com ela entrem em relação. Esta consagração significa
que a Administração Pública deve tomar decisões exclusivamente com base em
critérios objetivos de interesse público, não se tolerando que tais critérios
sejam substituídos ou distorcidos por influência de interesses alheios à função.
Porém, é fundamental abordar ambas as vertentes deste princípio, a positiva e a
negativa. A vertente negativa traduz a ideia de que os agentes e titulares dos
órgãos da Administração Pública estão impossibilitados de intervir em
procedimentos, contratos ou atos que digam respeito a questões do seu interesse
pessoal ou da sua família, de pessoas com quem tenham relações económicas de
especial proximidade, de modo a não haver suspeitas quanto à retidão da sua
conduta. Este dever é aprofundado nos artigos 44º a 51º do CPA. Na vertente
positiva, os comportamentos ou atos que manifestamente não resultem de uma
exaustiva ponderação dos interesses juridicamente protegidos devem ser considerados
parciais. Mas o que acontecerá se este princípio for desrespeitado? Se tal
situação ocorrer, opera a sanção prevista no artigo 51º, nº 1 do CPA.
Finalizo refletindo que, graças ao princípio da imparcialidade, as decisões administrativas ficam subordinadas a um princípio limitativo que impede que os destinatários ou terceiros sejam favorecidos ou prejudicados de acordo com a sua situação objetiva ou interesses, tratando-se por isso, de um pilar fundamental que mantêm a atividade administrativa justa. Aliás, o princípio da imparcialidade está ligado à ideia de justiça, não é por acaso que a figura que costuma representar a justiça é uma mulher de olhos vendados, pois a justiça deve ser cega, e a Administração Pública para tomar decisões justas deve ser imparcial, não se baseando em interesses pessoais do órgão, do agente ou do funcionário, de indivíduos, partidos políticos, de grupos socias ou até em interesses políticos concretos do Governo, tal como o artigo 6º do CPA postula. Conclui-se, perante o exposto, que o princípio da imparcialidade é de facto, um parâmetro decisório da Administração Pública.
Inês de Onofre
Nº 21937
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