A
actividade administrativa é, como sabemos, estruturada e condicionada por
princípios constitucionais, presentes ao longo de todo o texto constitucional, concretamente no artigo 266º da Constituição da República
Portuguesa. Analisando o referido artigo concluímos que são vários os princípios
que limitam toda a actividade administrativa, nomeadamente, o princípio da prossecução do interesse público, da legalidade, do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares,
da igualdade, da proporcionalidade, da justiça,
da imparcialidade e da boa-fé. Porém, face ao tema em análise, apenas
serão aprofundados e destacados alguns dos princípios
acima referidos. Assim sendo, começo por analisar o primeiro princípio presente
no artigo 266º/1 da Constituição, o princípio
da prossecução do interesse público, o princípio chave da Administração pública,
isto porque, "a Administração existe,
actua e funciona para prosseguir o interesse público, este é o seu fim". A
este propósito, é importante ter presente uma ideia de interesse público como um interesse colectivo, ou seja, um interesse geral de uma determinada comunidade, pretendendo satisfazer as suas necessidades e atingir o bem comum, sempre com a observância do
dever de boa administração. No entanto, é por existirem outros princípios,
como por exemplo, o princípio da legalidade e o do respeito pelos direitos e
interesses legalmente protegidos dos particulares, que a Administração tem de
prosseguir o interesse público dentro de certos limites e com respeito a
determinados valores, isto é, tem de obedecer à lei, e não pode pôr em causa ou
violar as situações juridicamente protegidas dos particulares. Em termos gerais,
os princípios e os valores, são uma espécie de molde através do qual a
actividade administrativa determina a sua conduta, porém, e como é sabido, em
termos práticos, nem sempre é linear e acabam por surgir conflitos de várias ordens, como
exemplo, colisão entre estes princípios.
Esta questão da colisão entre princípios é
equacionável no que respeita à revogação que “é acto
administrativo que se destina a extinguir, no todo ou em parte, os efeitos de
um acto administrativo anterior”. Tal como refere o Professor Marcelo
Rebelo de Sousa, os já mencionados princípios da legalidade e da prossecução do
interesse público são os principias fundamentos do instituto da revogação dos
actos administrativos, embora não sejam os únicos. E se estes princípios são os
que favorecem a revogação de actos ilegais ou inconvenientes, quid juris quanto aos princípios do
respeito pelos interesses legalmente protegidos dos particulares, e da tutela
da confiança, ou segurança jurídica? Como referi, os primeiros sustentam a
revogação de um acto em prol da prossecução do interesse público, do bem comum
e da legalidade, por outra lado, os segundos (ou seja, o respeito pela protecção dos
interesses legalmente protegidos, e a tutela da confiança) podem, contrariamente, sustentar
a manutenção do acto que se pretende revogar, surgindo uma colisão de princípios,
que deve, a meu a ver, ser resolvida atendendo em primeiro lugar, ao caso
concreto, ideia que decorre do próprio dever de boa administração, o
qual impõe que Administração na sua obrigação de seguir o interesse público
adopte, em relação a cada caso, a melhor solução possível. Em segundo lugar, deve
atender-se a todos os princípios constitucionais que influenciam a actividade administrativa,
sempre numa tentativa de harmonização entre os princípios/interesses em conflito,
com o fim último de nunca sacrificar a legalidade, aqui entenda-se também a
protecção dos interesses dos particulares, aliás, foi assim que nasceu o
princípio da legalidade como limite à actuação da Administração pública visando
proteger os direitos e interesses dos particulares, pretendo atingir um ponto
de equilíbrio. É este estado de equilíbrio "entre a necessidade de reintegração da legalidade e da boa administração e as
exigências de estabilidade, segurança e previsibilidade de actuação
administrativa", que o Código do Procedimento Administrativo pretende
atingir ao prever limitações aos poderes revogatórios da Administração, em
determinadas situações, veja-se o artigo 140º/1 alíneas a, b, c. O referido
preceito em algumas situações, nomeadamente, quando resulta de vinculação
legal; quando forem actos constitutivos de direitos e interesses legalmente
protegidos; e ainda quando resulte para a Administração obrigações legais ou direitos
irrenunciáveis limita a livre revogação dos actos administrativos válidos, afim de
assegurar o tal ponto de equilíbrio.
Em
conclusão, a Administração encontra-se subordinada a determinados princípios
constitucionais, constantes do já assinalado artigo 266º da Constituição, os quais
acabam por colidir no desenvolver da actividade administrativa, temos como exemplo
o já acima desenvolvido, acto de revogação. Nestas situações torna-se imperativo harmonizar os diversos
princípios em causa, e seguindo aquilo que o Professor Freitas do Amaral diz "os princípios coexistem”, portanto
é numa perspectiva de coexistência e também de complementaridade, sempre com
base no caso concreto que se conseguirá atingir o equilíbrio e assim salvaguardar a legalidade, a boa administração, os interesses legalmente protegidos dos particulares, e enfim prosseguir a melhor solução para a colectividade.
Telma Gonçalves, sub 3.
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